Helio Carlos Mello: Índio Reflexo em Programa de Índio

Índio Reflexo: Há um canto ritual na ampla sala. Tudo se aquieta em música falada, até a cidade que zune parece silenciar o , a chuva, os turbilhões de cada esquina. É uma metrópole, mas algo recorda aldeia imensa. É domingo e o programa é de índio. Ir em programa de índios exige silêncio. Silêncio é palavra que grita na história dos povos indígenas no Brasil.

Álvaro Tukano

Álvaro Tukano entoa seu canto de paz.

Como num novo ciclo de contemporânea, Ailton e Álvaro Tukano falam firme e claro, como convém a quem traz palavras entre silêncios, frases que se entende quieto. Esses quase senhores foram jovens indígenas e quando aqui chegaram, na cidade grande, acharam o mundo fantástico.

Tudo logo se evidenciou escandaloso em suas disparidades. Fizeram resistência e continuaram. Do encontro com a cidade constituíram o diálogo com os não indígenas para a convivência. Como um trabalho de Sísifo ou a punição de Prometeu, lembra Severiá Idioriê, mediadora, a resistência e a construção desse diálogo com os conquistadores foi e é árduo.

Descendentes das primeiras lideranças já sacrificadas, maduros trazem suas mensagens. Álvaro Tukano logo inicia seu canto ritual de paz, e dispara: “a voz das mulheres fala a . A mulher precisa de respeito para conversar de maneira equilibrada com o brasileiro”.

Milhares de vidas foram consumidas na conquista dos territórios. Os sobreviventes desses encontros com os colonizadores se fazem presentes em suas especificidades. O que fazer com essa gente que sobrou da conquista territorial, pergunta Ailton, em questão que transcende o Brasil e o continente. Caçar os vencidos?

O Estado brasileiro sempre comeu e assoprou para os índios, afirma. A população indígena sempre ficou à margem da economia. Os grandes investidores e empregadores, bancos e empresas, se apropriaram das .

As lideranças indígenas saíram em busca de aliados. Aniceto, Marcos Veron,  Nelson Xangrê, Celestino Xavante, Marçal de Souza, Daniel Cabixi, Mário Juruna e Ângelo Kretan são apenas alguns nomes lembrados na memória do martírio. E ainda Zelito Viana, Hermano Pena e Edilson Martins.

Os índios não deram ou venderam suas terras, alguém as roubou.

O que se vê hoje, em dia de profundo silêncio sonoro, é movimento reflexo dos índios em movimento. Povos de imensa , mas que têm em comum a percepção que o Estado não tem que a eles dizer como viverem. O movimento indígena se mostra próspero neste domingo no Sesc Pinheiros simplesmente por ser sobrevivente.

Como conclui , a é como a serpente, morde os pés descalços.

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Severiá Idioriê cumprimenta Ailton Krenak ao final das reflexões.

Xingu - Caramujo

no caminho da aldeia Caramujo, Xingu.

Como conclui Ailton Krenak, a justiça é como a serpente, morde os pés descalços.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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