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CERRADO

CERRADO: EXTINÇÃO E AGROTÓXICOS

CERRADO: EXTINÇÃO E AGROTÓXICOS

Para que possamos entender o nível de degradação por que passa o Cerrado, torna-se necessária a compreensão de como o território dos Chapadões Centrais da América do Sul, coberto por Cerrado, vem sendo ocupado.

No transcurso dos últimos anos, ocorreram profundas transformações econômicas, demográficas e socioculturais no conjunto do território nacional, mudanças que se acentuaram a partir da ascensão dos militares ao controle do Estado brasileiro, principalmente nas décadas subsequentes ao ano de 1964, com o advento do modelo de desenvolvimento capitalista neoliberal.

Com segurança, pode-se afirmar ser a nova matriz ambiental e territorial resultante da convergência de três estratégias preestabelecidas pelo capitalismo internacional pós Segunda Grande Guerra Mundial, que impôs aos países considerados “subdesenvolvidos” uma Nova Divisão Internacional do Trabalho e, consequentemente, do espaço geográfico. No caso do Brasil, o objetivo pretendido foi incorporar o campo à lógica do capital financeiro, oficial e privado internacional.

Inicialmente, no final da década de 1940, os ideólogos pragmáticos da Nova Divisão Internacional do Trabalho colocaram em prática a denominada “Revolução Verde”. Financiada por governos e instituições internacionais, a exemplo das fundações Ford e Rockefeller, do Instituto Kellog e outras, passaram a usar como laboratórios experimentais os espaços regionais favoráveis de determinados países dependentes de capitais, ciência e tecnologia, com o intuito de avaliar o alcance dos resultados das pesquisas científicas e tecnológicas implementadas pós-guerra. México, Índia, Filipinas, Ceilão, entre outras nações, são exemplos de cobaias nacionais e territoriais utilizadas como área de teste das novas pesquisas agroquímicas e agrotécnicas, em termos de:

uso de sementes selecionadas e geneticamente modificadas;

aplicação de poderosos produtos agroveterinários destinados ao combate das pragas nas lavouras e pastagens, pesticidas orgânicos e inorgânicos, inseticidas venenosos como o DDT, herbicidas, fungicidas, carrapaticidas etc, intencionalmente rotulados de “defensivos químicos” e sabiamente denominados pela sabedoria popular de agrotóxicos ou “ofensivos agrícolas” venenosos;

incorporação de novos adubos e fertilizantes, destinados à correção de solos portadores de carências minerais;

emprego de técnicas agrícolas mais eficientes de manejo dos solos e de utilização dos recursos hídricos;

utilização intensiva de equipamentos, máquinas, ferramentas e implementos agrícolas;

plantio de espécies vegetais exóticas para a formação de pastagens; agregação de melhoria na reprodução genética do plantel de gado vacum, via seleção de matrizes e inseminação artificial etc.

No conjunto, todo o planejamento teorizado pelos ideólogos da Revolução Verde passa a ser colocado em prática com o fim de incorporar o campo à lógica do capital financeiro internacional, agregando capitais, ciência e tecnologia à grande produção agrícola e agropastoril e direcionando-a ao mercado global. Concomitantemente à Revolução Verde, no período de 1946–1950, o governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra cumpria, à risca, o papel ideológico de apoio logístico à estratégia planejada ao escancarar as portas do País ao capital norte-americano, contribuindo dessa maneira para acentuar o grau de dependência política, econômico-financeira e científico-tecnológica do Estado brasileiro ao capitalismo internacional. No governo Vargas (1950–1954), eleito pelo voto popular, acirram-se as contradições entre as forças nacionalistas, que lutavam por um Brasil para os brasileiros, e o lado contrário, que se posicionava contra a política do governo central e as forças populares que o apoiavam, O governo JK (1955–1960) lança o Plano de Metas, cinquenta anos em cinco, subsidiado pelo capital externo de empréstimo, centrado no desenvolvimento da infraestrutura viária, energética e industrial do território nacional, assim como da construção da nova capital geopolítica do Brasil. Subordinado à política de empréstimos concedidos pelos detentores do capital financeiro internacional para executar o seu ambicioso plano de governo, JK serviu aos interesses das empresas montadoras multinacionais, interessadas em viabilizar, na prática, a produção e comercialização de veículos, autopeças e acessórios, máquinas e ferramentas. Seu governo implementou o projeto rodoviário e praticamente congelou o ferroviário. No mandato seguinte (1960–1964), “em que foram eleitos, com expressiva votação popular, Jânio Quadros, que renunciou após seis meses de administração pública, e Joao Goulart, vice conduzido à presidência após intensa campanha pela legalidade, as contradições entre as forças civis e militares se agravaram, provocando em 1964 o golpe político-militar, com a ascensão e permanência dos militares, por mais de vinte anos, no poder político do Estado brasileiro, consolidando-se, definitivamente, as condições objetivas favoráveis aos magnatas do capital financeiro internacional.”. Em troca de empréstimos obtidos, a sucessão de governantes brasileiros vem liberando às empresas “concessões” quanto ao uso do seu território.

Em 30 de novembro de 1964, o governo do marechal Humberto Castelo Branco, seguindo a lógica da estratégia estabelecida pelos detentores do capital financeiro internacional, sancionou a Lei n. 4.504, que implantou o “Estatuto da Terra” como modelo de reforma agrária a ser implementada em todo o território nacional, considerada de fundamental importância como suporte infraestrutural de apoio à futura regionalização do País. Com o crescimento da malha rodoviária nacional, criaram-se as condições favoráveis à implantação da grande empresa multinacional no meio rural brasileiro.

Inicialmente, instalaram-se em forma de empresas agrícolas; depois, de complexos agroindustriais. Os agentes nacionais contratados e direcionados à produção dos monocultivos para a exportação são, em sua grande maioria, produtores sulinos: gaúchos, paranaenses, paulistas, e há também alguns agentes locais e muitos estrangeiros estimulados a plantarem soja, milho, algodão, arroz, feijão etc. para a grande empresa, buscam novas terras agricultáveis, detentoras de fortes perspectivas de lucros imediatos. Para produzirem, passam a contar com a carteira creditícia do Banco do Brasil, para a obtenção de financiamentos.

Em suma, o próprio capital externo emprestado ao governo brasileiro, que deveria ser utilizado para desenvolver a agropecuária de base nacional, retorna ao seu primitivo dono, acrescido de juros, taxas e correção monetária, ao ser direcionado para financiar parte dos investimentos locados na cadeia produtiva da grande empresa multinacional, instalada nas regiões preferenciais do País, ou, no dizer de Milton Santos, nos “lugares luminosos”.

O exemplo mais claro é o avanço da soja sobre os Chapadões do Cerrado, em virtude de seu fácil manejo e da fartura de água na região.

A partir da anexação do campo à economia de mercado, implementada de forma agressiva e acelerada, tem-se a destruição da unidade familiar camponesa pela grande empresa monocultora, na medida em que esta última, ao se instalar no território regional preferido, necessita cada vez mais de terras para incrementar a produção e expandir os monocultivos e criatórios intensivos, destinados ao abastecimento do mercado nacional e externo. Consequentemente, para os nacionais que persistem pelo trabalho em permanecer livres na própria terra, ocorre a contínua e progressiva redução dos espaços habitados e habitáveis.

Nos anos subsequentes, no meio rural e regional do Cerrado, foram-se avolumando as situações conflitivas entre as forças produtivas dominantes e as relações de produção dominadas, pequenos e médios proprietários e trabalhadores rurais. As contradições surgidas entre agentes da velha estrutura fundiária nacional e os da nova estrutura emergente, aqueles que detêm a força do capital financeiro, tornaram-se cada vez mais antagônicas e desiguais, a ponto de romper, em questão de alguns anos, o lado mais fraco da cadeia produtiva. Desestabiliza-se a tradicional estrutura agrária brasileira, carente de suporte de capitais, de assistência técnica e de política pública que garanta empréstimos e preços competitivos aos seus produtos. Agrava esse quadro uma situação de maior flexibilidade na cobrança de dívidas bancárias contraídas.

Também a venda e a partilha de heranças ocasionaram acelerada fragmentação da propriedade do produtor nacional, acompanhada de rápida desestabilização do seu “modo de vida”. Em contrapartida, a compra induzida e efetivada a favor de empresários e empresas conduziu à concentração da propriedade da terra nas mãos dos magnatas do capital. Essas transações, com os seus respectivos desdobramentos econômicos e sociais, contribuíram para a perda da estabilidade do trabalhador rural brasileiro, juntamente com a sua família, nos moldes dos seus padrões de vivência campesina. A progressiva desestabilização do seu modus vivendi econômico, social e cultural terminou por expulsá-lo do meio onde vivia na condição de pequeno ou médio proprietário ou de trabalhador agregado como meeiro, posseiro, tarefeiro, diarista etc. Rapidamente, ocorreu a queda de sua vivência coletiva uno familiar, obrigando-o a ser um itinerante-peregrino, boia-fria, a perambular pelas estradas do Brasil a procura de terra e trabalho, terminando o seu percurso migratório como mão-de-obra explorada nas médias e grandes cidades brasileiras, lugares onde a vida é totalmente monetária, onde tudo se compra e tudo se paga. Nelas, na maioria das vezes, passa a viver como marginalizado social, na condição de subempregado ou de assalariado urbano ou de desempregado. Nessa última condição, faz parte do contingente de reserva de mão de obra barata a ser utilizada, no amanhã, no momento em que se fizer necessário. Muitos, para se manter no plano existencial, procuram se incorporar à economia informal, como única opção de sobrevivência no meio citadino.

De 1980 a 1990, dá-se, definitivamente, a incorporação do campo à economia de mercado. Agora, o novo modelo de desenvolvimento econômico capitalista, neoliberal e flexível, no contexto da economia globalizada em contínua substituição ao modelo taylorista- fordista, capitaliza a favor dos grandes complexos agrícolas e agroindustriais que operam os denominados agronegócios. São empresas de grande porte que passam a operar em todos os ramos da cadeia produtiva e utilizam-se de todas as redes disponíveis viabilizadas pelos avanços do “meio técnico/científico informacional”. São cadeias fundamentais e necessárias à viabilização de todas as fases do processo de capitalização ampliada do capital, compreendendo produção, industrialização e comercialização. Essa integração produtiva totalizante que parte do lócus regional atinge, pela variável mercado, praticamente todos os lugares da Terra, por meio de imagens de satélite e da linguagem virtual dos computadores, pela qual a informação manipulada e transmitida viabiliza, em fração de segundo, as relações de produção e trabalho e as transações comerciais.

No presente, no marco do território regionalizado, o empreendimento empresarial agrícola ou agroindustrial é plenamente favorecido por todo um conjunto de condições concretas, objetivas e subjetivas, que visam alcançar interesses pragmáticos ditados pelo lema “produzir a baixo custo e vender onde a demanda é melhor em termos de lucratividade”. Entre os fatores favoráveis ao sucesso da empresa, relacionam-se: a política oficial do governo brasileiro de subordinação ao capital financeiro internacional, oficial e privado, motivada pela dependência dos estados hegemônicos e das empresas privadas, detentores de capitais, ciência e tecnologia. Em troca de capitais de empréstimo o governo brasileiro permite, via “concessões”, que as empresas multinacionais se instalem em determinadas “superfícies favoráveis” do território nacional e passem a utilizá-las, a seu bel-prazer, sem nenhum respeito pelas “vocações” da terra, isto é, pelas condições naturais do meio ambiente e as comunidades nelas inseridas, vocações culturais.

O saldo negativo dessa política oficial de livre expansão da fronteira agrícola no Brasil são os sucessivos impactos ambientais, sociais e culturais de toda ordem que a natureza e a sociedade brasileira vêm sofrendo. Sob essa prática de tratamento aético da natureza tratada como objeto de uso e desuso, descartável, mencionam-se:

a fragmentação da estrutura geológico-geomorfológica como embasamento físico do território;

a degradação e a destruição da cobertura vegetal como protetora do solo e do subsolo;

a redução da biodiversidade animal, vegetal e genética em espécies, nichos e ecossistemas, como reprodutora da vida;

o assoreamento e a diminuição da rede de drenagem de superfície e subterrânea, das cabeceiras dos cursos d’água, das veredas, berço das águas, com suas matas ciliares ripárias, seus buritizais e buritiranas e suas vegetações campestres;

a destruição das vocações culturais centenárias das comunidades interioranas;

a destruição de monumentos naturais e sítios arqueológicos milenares.

Enfim, grande parte do patrimônio natural, biótico e cultural é destruída ante a voracidade e cobiça dos expropriadores da natureza.

Infelizmente, governantes e governados plasmados na ética e na moral capitalista, por adesão ao modelo econômico esposado pelo capitalismo flexível, neoliberal, ou, por desconhecimento do território regional-nacional, em termos de sustentabilidade natural, biótica e cultural, batem palmas às supersafras “salvadoras” e aos êxitos alcançados no cenário nacional pelas lideranças produtivas dos agronegócios, como se a conquista econômica fosse a melhor solução para os problemas econômicos, sociais e culturais da nação brasileira. Exemplo concreto é o fato de o Brasil ter assumido a vanguarda no ranking mundial da comercialização da soja.

O discurso e as ações louvam e eternizam o modelo de desenvolvimento econômico capitalista neoliberal, justificado por gerar mais progresso, mais empregos, melhor padrão de vida social para o povo brasileiro. O tempo passou, e esta situação não se concretizou.

Uma segunda faceta da matriz geográfica, tão preocupante como a espacial rural, é a espacial urbana que, nos dias atuais, assume índices alarmantes em termos de vivência sociocomunitária e que, sem sombra de dúvida, é consequência da desterritorialização provocada pela política agrária.

O universo urbano concentra a maior porcentagem dos habitantes. Há de se ter em conta a virada da população rural para urbana a partir da década de 1970, momento em que se dá a incorporação do campo à economia de mercado, com o advento do império do capital financeiro das grandes empresas monocultoras, recebendo efetivo apoio logístico das políticas públicas.

Por fim gostaria de comentar que:

O Cerrado dos Chapadões Centrais do Brasil se nos apresenta como um Sistema Biogeográfico, que envolve vários subsistemas. Esses subsistemas se diferenciam por solos, fisionomia vegetal, quantidade de água nos lençóis, comunidades animais etc, qualquer modificação nos elementos dos subsistemas provoca modificações no Sistema como um todo.

O Cerrado é uma das matrizes ambientais mais antigas da história recente do Planeta Terra, que tem seu início no Cenozoico. Isto significa que esse ambiente já chegou ao seu clímax evolutivo, ou seja, uma vez degradado, não se recupera jamais na plenitude de sua biodiversidade.

A maior parte das plantas de cerrado têm um desenvolvimento lento, algumas levam séculos para atingirem a maior idade, fato que torna quase impossível um trabalho de recomposição vegetal. Sem mencionar que essas plantas estão condicionadas a um tipo de solo oligotrófico com balanço hídrico específico, fato hoje difícil de ser encontrado em equilíbrio no Cerrado.

Não se mede a degradação ambiental apenas pela ocorrência de uma ou outra planta. Há de se considerar comunidades, tanto vegetais como animais, incluindo insetos polinizadores, água etc, tudo isso já não existe no Cerrado de forma continua. O que há são fragmentos que não representam 10% da área total.

Muitos subsistemas do Cerrado já foram destruídos por completo, como é o caso do cerradão associado ao Arenito Bauru, às campinas do oeste de Minas e Bahia, associadas ao Arenito Urucuia, e assim por diante. O rosário de exemplos é extenso

Altair Sales Barbosa
Dr. em Antropologia e Geociências
Smithsonian Institution de Washington D.C. USA –
Pesquisador do CNPq –
Membro Titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

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