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Iolanda Rocha, fulô cerratense vinda lá do sertão!

Iolanda Rocha, fulô cerratense vinda lá do sertão 

Prepare o seu coração para saber um pouco da história de Iolanda Rocha, essa ambientalista cerratense, essa nordestina porreta que vem lá do sertão!

Por Zezé Weiss

 Pra começo de conversa, a guerreira negra que hoje mora em Samambaia,  é nascida em Monte Santo, o município baiano que foi palco do massacre de Canudos.

De menina, Iolanda cresceu sabendo que naquela terra teve uma guerra. Na escola, chamavam de guerra, nos livros de história chamavam de guerra.

Foi só no início dos anos 80 que a menina de família muito católica, que se sentia vocacionada para a vida religiosa, descobriu que, de fato, o que ocorreu em Canudos foi um massacre.

De certa forma, foi por conta do catolicismo da família, o tio era padre, foi enterrado dentro da igreja, a avó foi quem trouxe a primeira imagem de Santo Antônio para a igrejinha do povoado, que Iolanda, meio que por tédio em uma comunidade desprovida de opções de lazer, acabou encontrando na igreja o caminho da militância.

O grande passo se deu com a chegada do cearense Enoque Oliveira, padre progressista, à prelazia da terra de Canudos.

Iolanda conta como: “Eu digo que esse padre foi quem mudou a minha vida porque quando eu assisti a primeira missa dele, quando ele começou a contextualizar as questões de terra e os  problemas sociais do sertão nordestino, eu fiquei encantada!”

Depois da missa, o novo padre foi logo marcando uma reunião para conhecer os problemas da comunidade. Embora só tivesse 13 anos de idade, Iolanda foi das primeiras a chegar, gostou do que padre disse, fez amizade com ele e saiu dali  pronta para começar seu primeiro projeto social, foi ser coordenadora do movimento de crianças.

Como Iolanda morava no povoado onde nasceu e suas novas tarefas exigiam viagens mais constantes à cidade, a saída encontrada para que seu pai permitisse sua  saída para reuniões fora,  foi anunciar que se tornaria freira. 

Depois que “ganhou asas”, Iolanda seguiu na igreja, mas  tomou mesmo foi a linha de frente da luta popular.

Foi assim que, em pouco tempo, padre Enoch colocou a moçada pra estudar e se engajar no resgate a verdadeira história de Canudos.  

Em plena ditadura, criou-se um movimento de juventude e surgiu a ideia de realizar a primeira missa de Canudos. O ano era o de 1985 e o padre foi preso. Para Iolanda, foi um momento de choque.

Ainda em  1985, Enoque  foi solto, mas alegando a necessidade de se evitar mais uma morte de um religioso, a Diocese decidiu transferi-lo  para outra paróquia, sob protestos do movimento e do próprio Enoque, que acabou sendo transferido para o Piauí.

Com a ajuda de algumas freiras da Europa, Iolanda, que em casa nunca passou fome,  “ mas na luta era comum ver gente sem ter o que comer,” engajou-se na defesa  do Movimento Popular Histórico de Canudos e na  retomada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que estava na mão dos fazendeiros.

Foi uma luta renhida. Chorando, Iolanda se lembra do dia em que encontrou um companheiro sendo torturado, levando marteladas na cabeça. O Sindicato voltou às mãos dos trabalhadores,  mas em Canudos pessoas jovens como Iolanda não tinham como estudar, nem como arrumar emprego.

Foi só em 1989, já formada em magistério, que Iolanda, depois de passar em primeiro lugar numa prova de redação, encontrou seu primeiro emprego como estagiária do Banco do Brasil, na área de atendimento, em Monte Santo. Porém, como os fazendeiros não aceitaram a nova funcionária, o gerente teve que colocá-la no suporte, longe da vista dos clientes.

Pra complicar, era o ano da eleição do Lula e Iolanda partiu pra campanha, junto como os movimentos sociais e seus novos companheiros bancários do Banco do Brasil.

O povo do Banco conseguia levar de Salvador e Aracaju algum material de campanha. Chegou uma bandeira bem grande e uma gravação das músicas do Lula. A gente fez uma campanha linda pro Lula na campanha de 1989.”

Ficar em Canudos, ela bem que tentou. Mas as coisas se complicaram muito, não havia condições políticas, nem emprego. A porta de saída para aquela situação insustentável Iolanda encontrou em uma paixão.

Na vida dela apareceu um namorado e ela, sem que a família aceitasse, veio com ele para Brasília, no ano de 1991, e em 1994, encontrou um bom emprego temporário no governo do PT, na Secretaria de Saúde, onde logo passou a coordenadora de projeto.

De lá pra cá, em 1997, entrou para a Secretaria de Educação, e em 1999 assumiu, como concursada, uma vaga de professora no Sistema do Ensino Público do Distrito Federal.

Embora militasse no Partido desde os anos 80, foi só em 1995 que se filiou ao PT. Em 1999, filiou-se ao Sinpro. Em 2001, participou ativamente da campanha para ganhar a direção do Sindicato.

Desde então, no Sinpro e no PT,  cada vez mais, vem se dedicando às questões ambientais da luta no campo, aos temas ambientais nas escolas.

E do Sinpro Iolanda veio para a Secretaria de Meio Ambiente do PT/DF. Esse tem sido, no dizer de Iolanda, um de seus grandes aprendizados.

Pra mim, economizar água, era uma coisa que o sertão nunca teve água. Quando eu nasci, em 1968, teve uma seca brava lá nos anos 70, e  eu me lembro só de uma coisa da água, que minha mãe tinha uma bacia bem grande, e nela colocava uns três, quatro dedos de água, e coloca meu irmão mais novinho pra tomar banho, depois minha irmã tomava banho, e por último eu tomava banho naquela água.

Depois que meu irmão que era bebezinho tomava banho, minha irmã menor se lavava e quando eu entrava a água já estava branca de sabão.  Aí minha mãe, que era costureira, depois da terceira água me secava, me vestia com as roupinhas que ela fazia, me enchia de talco e me colocava toda bonitinha…

E foi lá em Canudos, quando tinha de 18 para 19 anos que Iolanda pela primeira vez se encontrou com o ambientalismo, num show de Vital Farias:

Quando o Vital pegou o violão e começou a cantar “Era uma vez na Amazônia, a mais bonita floresta, mata verde, céu azul…” eu me tornei ambientalista sem saber que existia um movimento ambiental.” 

E o Meio Ambiente no PT? “No PT, a gente tem que ir abrindo janelas. Aqui, ninguém nunca pergunta se você tem  alguma contribuição para  a agenda ambiental, então a gente tem como tomar a dianteira. 

Mas devagar as coisas vão mudando e talvez seja por essa luta que as mulheres do PT tenham conseguido me colocar na chapa majoritária como suplente do Marcelo Neves, candidato a senador nas eleições de 2018.

Planos para o futuro? Retomar, no Sinpro, a discussão sobre o uso do Espaço Educador Chico Mendes para a formação socioambiental; avançar a agenda ambiental no PT; e ficar mais tempo com os filhos Pedro Ernesto, Ana Clara e  Maria Rita, cujo nome homenageia a única mulher que liderou uma expedição na luta de Canudos.

Assim como Maria Rita ao nascer ganhou música do padre de Canudos “vem Maria Rita fulorá o sertão, vem que te espera nossa emoção”, que Iolanda Rocha possa seguir “fulorando” , com essa energia boa de sua orgulhosa negritude,  os espaços de luta do PT e dos movimento populares, especialmente agora, nesse nosso tempo tão precisando da força radiante das mais vibrantes estrelas.

Zezé Weiss – Jornalista. Editora da Revista Xapuri. Matéria publicada originalmente em 6 de junho de 2018. 

Fotos: Acervo Iolanda Rocha


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Eduardo Pereira

Salve,
Sobre Maria Rita, encontramos um parágrafo no livro “A Guerra de Canudos”, de Edmundo Muniz.

Judeu Hipólito

Desejo saber onde encontrar mais informação sobre “Maria Rita, cujo nome homenageia a única mulher que liderou uma expedição na luta de Canudos.”
Desde já, muito grato.

joseph weiss

Uma história apaixonante. Essas mulheres são suplentes mas merecem ser candidatas plenas. Espero que logo mais serão.

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