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Regina Sousa: Uma Notável Transgressora

Regina Sousa: Uma Notável Transgressora

Os nossos muitos parabéns para Regina Sousa, nova governadora do estado do Piauí. Em homenagem a esta grande dirigente e militante petista, publicamos o perfil que dela fizemos quando ela assumiu seu mandato como senadora. Boa sorte, governadora! 

Por Zezé Weiss

Regina Sousa, a cidadã piauiense nascida no município de União, cerca de 60 km distante da capital Teresina, começa o seu mandato como a primeira senadora eleita pelo estado do Piauí, com uma missão transgressora: militante dos movimentos sociais e defensora intransigente dos Direitos Humanos, a senadora Regina Sousa quer mudar o modelo de cotas para mulheres no Sistema Eleitoral Brasileiro.

“Defendo a cota das cadeiras, não a cota das candidaturas”, diz a Senadora. E acrescenta: “Hoje, na Câmara (47) e no Senado (13), somos 60 parlamentes. Nas duas bancadas, a principal pauta que nos une é a da cota das cadeiras. Nós mulheres parlamentares compreendemos que a cota das candidaturas foi importante, foi luta e conquista nossa, mas infelizmente não traz mais mulheres para o Congresso, nem para a política”.

Didática, a Senadora explica em voz baixa e delicada, porém firme, que o modelo vigente de inclusão de mulheres nas chapas eleitorais, além de defasado, é perverso, porque a grande maioria das mulheres entra apenas para legitimar as candidaturas masculinas. “Mesmo no meu Partido, o PT, onde a mulher alcançou a paridade nas instâncias internas, nas eleições, as mulheres fazem as contas e veem que não tem espaço pra elas. Então se perguntam: candidatar pra quê?”

A transgressão contra o que não está certo, Regina assumiu ainda criança. Até os 13 anos, a menina Maria Regina, filha da quebradeira de coco Maria da Conceição e do trabalhador rural sem-terra Raimundo (encantado), a quinta de 14 irmãos – 10 vivos e quatro já encantados –, viveu com a família a experiência da exploração pelo latifúndio enquanto quebrava coco nos babaçuais de União.

regina_sousa“Menina ainda, compreendi as maldades do latifúndio, porque via o que acontecia com meus pais e com as famílias que moravam no mesmo terreno que a gente morava. Lá o trabalhador era chamado de agregado – agregado de fulano – porque morava no terreno de uma pessoa. Cada agregado tinha que dar um dia de serviço por semana na roça patrão. E se não desse, no dia seguinte ele era mandado embora, tendo de sair em 24 horas. E se não fosse, o patrão botava fogo na casa. Eu vi muitas casas pegando fogo.”

Regina conta que as casas eram feitas somente com palha, tanto em cima como embaixo, tanto no forro como nas paredes, porque para os trabalhadores não valia a pena se esforçar para fazer uma casinha de taipa, mais arrumada, uma vez que poderiam ter que deixá-la a qualquer momento. E que foi daí que surgiu a sua necessidade de lutar pelos direitos humanos, contra as injustiças desse mundo.

“Eu ficava revoltada, porque passava o dia quebrando coco pra de tarde vender na quitanda do dono do terreno. E aí ele não nos dava dinheiro, dava um vale de papel. E esse papel a gente tinha que trocar pela mercadoria dele, da pior qualidade, tudo da pior qualidade, o arroz da pior qualidade, o feijão da pior qualidade. Essa coisa era muito doída na minha cabeça. Então eu, que por alguma razão já tinha uma mente transgressora, dei um jeito de melhorar a nossa situação: a gente quebrava uns doze quilos de coco por dia, entregava uns sete e escondia uns cinco. Aí tinha uma comadre da minha mãe que levava, vendia e trazia o dinheiro pra nós. A gente tinha que fazer essa transgressão porque, do contrário, não tinha dinheiro pra comprar roupa, ou pra comprar o que não tinha na venda do patrão. Tudo ali era só no papelzinho, que não dava pra nada.”

Embora morando na roça, Regina foi alfabetizada na idade certa, “em uma daquelas escolas chamadas de escola isolada, com todas as séries na mesma sala, mas sempre fui pra escola, porque meus pais botavam a gente pra trabalhar mas também sempre tiveram o cuidado de fazer a gente ir pra escola”.

Depois, já com 13 para 14 anos, Regina deixou a vida de quebradeira de coco em União para estudar fora, não em Teresina, que era mais perto, mas em Parnaíba, no litoral, “porque tinha um parente nosso morando por lá, que primeiro levou meu irmão, e depois me levou para fazer o quinto ano – naquele tempo tinha o quinto ano primário, que vinha antes do exame de admissão para o ginásio, que era considerado ensino secundário naquela época”.

A Parnaíba, Regina já chegou liderando. De pronto entrosou-se com a turma e tornou-se a oradora do quinto ano. Modesta, explica as razões da escolha: “Eu acho que essa facilidade para me entrosar foi porque como criança do interior eu era muito curiosa e perguntava muito. Então fui notada.”

Foi na cidade de Parnaíba que Regina fez o ginásio, o curso pedagógico (equivalente ao curso normal), e tornou-se professora primária, sempre estudando em escola pública. Depois deu aulas. Depois decidiu que queria estudar mais, que tinha que ir pra Universidade, e como em Parnaíba só tinha a Faculdade de Administração, a moça Regina foi embora para Teresina, fez o vestibular e passou para Letras na Universidade Federal do Piauí, onde formou-se professora com habilitação em língua portuguesa e língua francesa.

O movimento estudantil, Regina descobriu na Universidade, em plena ditadura militar. Apoiava, participava das assembleias, mas não tinha como ir pra linha de frente. Para se sustentar enquanto estudava, trabalhava em duas escolas, uma pública e uma particular. “O que ajudava é que minha família já tinha melhorado um pouco de vida e tinha vindo morar em Teresina. A gente tinha uma casinha muito ruinzinha, uma casinha de taipa, mas era a nossa casinha.”

Mesmo assim, Regina levava uma vida difícil. Fez concurso para professora da rede pública e passou, mas o salário não dava para pagar as contas e ajudar a família. Regina foi em frente, encarando os dois turnos de magistério. “Eu trabalhava de manhã, de tarde, e estudava à noite. Da escola particular, eu levava uma sacola de cadernos pra corrigir todo dia. Então eu ia pra faculdade com aquela sacola de cadernos e depois quando chegava em casa ainda ia corrigir aquela batelada de cadernos pras 7 da manhã entrar em sala de aula de novo.”

A linha de frente na militância Regina só pode assumir depois da formatura. Começou ainda nos anos 70, no movimento de professores. Nos anos 80, já com mais de 30 anos, fez concurso para o Banco do Brasil, passou e mergulhou na atividade política e sindical. Foi fundadora do PT e dirigente nacional da CUT.

“Aí eu já conhecia vários militantes sindicais, como o Gilmar Carneiro, dos Metalúrgicos de São Paulo, e o Jacques Pena, dos Bancários de Brasília. E acabou que formamos lá no Piauí uma chapa pra disputar o Sindicato dos Bancários. Em 89 ganhamos o Sindicato. O Wellington Dias era presidente e eu vice. Depois que o Wellington saiu, eu acabei virando presidenta do Sindicato dos Bancários.”

No PT, Regina sempre atuou em parceria com o amigo Wellington Dias, atual governador do Piauí. Militante, a Senadora foi presidenta do PT e coordenou as campanhas de Wellington para o governo do Piauí. Executiva, assumiu a Secretaria de Administração nos dois mandatos do Governador, no período de 2003 a 2010. Atualmente, é presidenta do PT no Piauí e integra a Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores.

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Sobre sua chegada ao Senado, o governador afirma: “Regina Sousa trabalhou nesses últimos quatro anos como segunda senadora. De um lado, cuidando da gestão, da equipe, da administração, da coordenação política; de outro, cuidando das emendas, das demandas dos municípios, dos movimentos sociais e da relação com o próprio partido. Acumula um conhecimento extraordinário. Foi nossa coordenadora da campanha e tem muita capacidade e respeitabilidade. Antes de tomar posse, já tem participado conosco de reuniões importantes. Com Regina Sousa no Senado, ganha o Piauí e ganha o Brasil. Teremos uma senadora sensível, preparada e corajosa”.

No Senado, em sua primeira experiência como parlamentar, a senadora Maria Regina Sousa, funcionária aposentada do Banco do Brasil, militante dos movimentos sociais e poetisa nas horas vagas, elegeu como prioridades a defesa incondicional dos direitos humanos, do acesso à educação, da justiça social, do meio ambiente e das bandeiras dos movimentos de mulheres.

Pragmática, a senadora diz que está em Brasília para cumprir bem essa missão, mas que o Parlamento nunca foi uma escolha voluntária dela. “Na hora da disputa da suplência do Wellington, já prevendo que ele ganharia a eleição para o governo, todos os partidos da base aliada queriam a primeira suplência. E dentro do PT também tinha disputa. O único nome que gerava consenso era o meu. Então virei suplente do Wellington. E acabei Senadora da República”.

Disciplinada e determinada, nos fins de semana a militante Regina visita as origens e trabalha com os movimentos sociais e as bases partidárias no Piauí. Em Brasília, usa o tempo que lhe sobra na agenda parlamentar para fortalecer os movimentos locais e nacionais.

Na noite do dia anterior a esta entrevista, a senadora participou do lançamento do Congresso da CUT no Auditório Petrônio Portela, no Senado Federal, e em seguida rumou para o Teatro dos Bancários, na 314 Sul, para fazer palestra na celebração do Dia Internacional da Mulher pelo Sindicato dos Bancários. Uma vez militante, sempre a serviço das causas que defende, avança esta notável transgressora.

P.S. Regina Sousa era até  hoje, 31 de março de 2022, Vice-Governadora do Estado do Piauí. O resto da história continua igual, com Regina Sousa Governadora:  Regina segue militante, Regina segue transgressora!


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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Sandra Carmo

Acho que todo racista no Brasil deveria passar por exame de contagem de melanina. So para entender que somos pardinhos metidos a brancos…

Cláudio Marcelo Fracassi Galia

Brigadão Excelentíssima Senhora Senadora Regina Sousa; Você está isenta da ‘excecrência’ de muitos de seus colegas

Lúcia Resende

Eliana, seu testemunho é muito importante. Continue acompanhando os perfis da Xapuri. Feliz Natal!

Eliana Souza Furtado

Esta é que é uma representação real do povo brasileiro, como são #Dilma e #Lula, e os poucos que são como eles. Veja: “Menina ainda, compreendi as maldades do latifúndio, porque via o que acontecia com meus pais e com as famílias que moravam no mesmo terreno que a gente morava. Lá o trabalhador era chamado de agregado – agregado de fulano – porque morava no terreno de uma pessoa. Cada agregado tinha que dar um dia de serviço por semana na roça patrão. E se não desse, no dia seguinte ele era mandado embora, tendo de sair em 24 horas. E se não fosse, o patrão botava fogo na casa. Eu vi muitas casas pegando fogo.” Uma pessoa como ela é um exemplo para todos nós, brasileiros. Parabéns #ReginaSousa, parabéns #Piauí, por sua senadora. Ela, com certeza, lutará não só pelo Piauí, como também pelo Brasil, não será como uns e outros que nem lá aparecem.

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