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Reservas Extrativistas: 30 anos

Reservas Extrativistas: 30 anos

“Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então, eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.” Chico MendesPor Ângela Mendes

O tiro que estourou o peito do sindicalista e ambientalista Chico Mendes na noite de 22 de dezembro de 1988, deixando o Brasil e o mundo órfãos de uma das maiores lideranças de movimento social já surgidas na Amazônia, foi incapaz de impedir a realização dos sonhos do Chico e dos povos da floresta.

Neste outubro de 2015, a proposta inovadora das Reservas Extrativistas, apresentada por Chico Mendes no I Encontro Nacional dos Seringueiros, em outubro de 1985, na Universidade de Brasília (UnB), tornada política pública e expandida Brasil afora ao longo dos anos, completa as suas primeiras três décadas de vida.

Definidas como espaços territoriais destinados ao uso sustentável dos recursos naturais, à proteção dos meios de vida e da cultura das populações tradicionais, as Reservas Extrativistas (RESEX) são áreas pertencentes ao domínio do poder público, com direito de usufruto das populações extrativistas.

Gomercindo Rodrigues, presente no encontro histórico de Brasília como assessor do movimento dos seringueiros, explica o impacto do que ele considera o “achado” das RESEX:

“Para os ambientalistas que defendiam a preservação da floresta com discurso, mas sem ter um projeto, enquanto o governo fazia o ‘desenvolvimento’ da Amazônia com discurso, projeto e dinheiro para financiar a devastação, a partir dali havia uma bandeira, o modelo de desenvolvimento sustentável dos seringueiros para defender”.

A partir do Encontro de Brasília, a Amazônia passou a ter dois projetos distintos: um do governo, da pecuária; outro dos povos da floresta, com o apoio dos ambientalistas. Os seringueiros dizendo: “Queremos as nossas áreas como as dos índios, com a terra sendo da União, e a gente tendo o direito de usufruto sem ser para destruir”. Por ali, alguém disse: “Vocês não são índios, vocês são extrativistas”.  E ali mesmo no Encontro surgiu “a reserva extrativista” como expressão da proposta que partiu dos seringueiros. ”

As primeiras RESEX foram criadas no Acre em 1990 – a Reserva Extrativista do Alto Juruá, criada pelo de decreto 98.863 de 23.01.1990, com 506.186 hectares, e a Reserva Extrativista Chico Mendes, criada em março de 1990, com 970.570 hectares.

No ano 2.000, a Lei 9.985/00 criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e estabeleceu que as RESEX devem ser criadas mediante lei específica e administradas pelo órgão ambiental correspondente em nível federal ou estadual.

Segundo dados do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC-julho/2015), existem hoje no Brasil 90 Reservas Extrativistas, das quais 62 são federais, administradas pelo Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e 28 são estaduais, administradas pelos órgãos ambientais nos estados.

Localmente, cada unidade é gerida por um Conselho Deliberativo presidido pelo órgão administrador e constituído por representantes das populações tradicionais locais, dos órgãos públicos e da sociedade civil organizada, que aprova e monitora a execução do Plano de Manejo de cada Reserva Extrativista.

CONSELHO NACIONAL DAS POPULAÇÕES EXTRATIVISTAS CNS

Nascido junto com as RESEX no mesmo encontro histórico de Brasília, de igual forma como resultado dos empates (enfrentamentos pacíficos dos seringueiros e suas famílias contra o poder das máquinas que desmatavam as florestas do Acre) e da organização dos seringueiros sob a liderança de Chico Mendes nos anos 1980, o CNS também completa 30 anos em outubro de 2015.

Ao longo dessas três décadas, o CNS se fortaleceu como entidade de defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras agroextrativistas – seringueiros, castanheiros, coletores de açaí, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agroflorestais, extratores de óleo e plantas medicinais – organizados em associações, cooperativas e sindicatos, distribuídos por todos os estados da Amazônia.

Em 2009, as mais de 400 lideranças extrativistas dos nove estados da Amazônia, presentes no 2º Congresso e no 8º Encontro Nacional das Populações Extrativistas da Amazônia, realizados simultaneamente em Belém, aprovaram a mudança do nome original da entidade – Conselho Nacional dos Seringueiros – para Conselho Nacional das Populações Extrativistas, mantendo a mesma sigla, CNS.  “Modernizamos o CNS sem perder a essência da luta que justifica a nossa existência”, diz Joaquim Belo, presidente nacional do CNS.

“Para atender às demandas dos tempos atuais, desde 2011 criamos o ‘Chamado da Floresta’, que é um processo de mobilização, articulação, organização e negociação com as autoridades, principalmente do governo federal, em defesa dos interesses das populações das RESEX e de outras unidades de conservação como as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), das Florestas Nacionais (Flonas), dos Projetos de Assentamento Extrativista (PAEs), Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), Projetos Estaduais de Assentamento Agroextrativista (PEAEX), bem como das famílias que ainda não estão com seus territórios regularizados”, completa Joaquim Belo.

O processo continuado de mobilização continua gerando bons resultados para os povos da floresta. Em agosto de 2015, o governo federal lançou o Pronatec Extrativista 2015.2, para ofertar os cursos adequados à realidade dos territórios extrativistas. No Acre foram contemplados os municípios de Xapuri, Brasileia, Epitaciolândia, Capixaba, Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Jordão, Mal Thaumaturgo e Tarauacá.

O programa Sanear Amazônia, com um financiamento R$ 35 milhões do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), vai garantir o acesso à água de qualidade para 2,8 mil famílias em oito reservas extrativistas da região Norte. No Acre foram contemplados os Municípios de Assis Brasil, Brasileia, Xapuri e Rio Branco, com atendimento garantido para 500 famílias.

Parte das ações do Programa de Inclusão Produtiva Rural do Plano Brasil Sem Miséria, a Ater Extrativista, construída em uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e suas vinculadas, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Serviço Florestal Brasileiro, atende às demandas da “Agenda do Marajó” para os estados do Acre, Amazonas e Pará, conforme os acordos firmados pelo MDA durante o “I Chamado dos Povos da Floresta”, em 2011.

Osmarino Amâncio Rodrigues, parceiro de Chico Mendes nas lutas dos anos 1980, resume em seu sentimento de seringueiro as conquistas do movimento depois do assassinato de Chico Mendes: “Para nós, a década de 80 foi um tempo de dor e de conquistas – criamos o CNS, o conceito das Reservas Extrativistas e, com os índios, a Aliança dos Povos da Floresta. A gente preferia não ter nada disso e ter o Chico Mendes vivo. Mas a morte do Chico não foi em vão, como ele imaginou. Depois dela, acabou a tragédia das mortes anunciadas [pelo menos em Xapuri]. Na nossa região, o movimento resolveu o problema fundiário [em grande parte com a criação das Reservas Extrativistas]. Com o tempo, abrimos portas para os nossos produtos, e hoje tem educação no seringal, não do jeito que a gente quer, porque a escola não organiza a luta, mas ainda assim é uma escola. Acho que a rainha da floresta exigiu esse sacrifício do Chico para salvar as nossas vidas”.

angelaÂngela Maria Feitosa Mendes
Tecnóloga em Gestão Ambiental e Coordenadora do Comitê Chico Mendes

 

https://xapuri.info/extrativistas-floresta-manifesto-amazonia/

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
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