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Raposa Serra do Sol: Indígenas dizem que PM atirou com arma de fogo

Indígenas dizem que PM atirou com arma de fogo na Raposa Serra do Sol

Por Ana Lúcia Montel e Elaíze Farias/Amazonia Real

Lideranças relatam que moradores que prestavam apoio a feridos foram abordados e agredidos fisicamente pelos policiais. Os indígenas tiveram posto  de vigilância desativado e foram atacados por soldados da PM dentro na Terra Indigena. O governo de Roraima nega o ataque. (Foto: CIR)


Boa Vista (RR) e Manaus (AM) –  Imagens divulgadas nas redes sociais pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) mostram que, na terça-feira (16), homens do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) de Roraima atiraram munidos de armas de fogo, de borracha e bombas de gás lacrimogêneo contra indígenas do povo Macuxi. Nas cenas de violência, é possível ver os indígenas tentando se proteger: “Bando de covardes” e “aqui tem criança” foram algumas das frases ditas em reação aos ataques.
O conflito aconteceu durante uma ação de desbloqueio de um posto de monitoramento contra garimpos ilegais na comunidade Tabatinga, localizada na região de Serras, dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Em nota, o Governo de Roraima afirmou que “em momento algum foi utilizada arma ou munição letal”. Na região de Serras vivem indígenas dos povos Macuxi, Wapichana e Ingaricó
Nesta quarta-feira (17), o CIR informou que dez pessoas ficaram feridas, algumas com tiro na cabeça e peito. Entre as vítimas estão dois idosos e uma mulher. Anastácio Lima Battista, disse durante coletiva realizada na sede do CIR, em Boa Vista, que foi ferido com uma bala no braço.
“Eles atacaram. Foi muito tiro que dispararam contra nós indígenas. Saíram atirando na comunidade toda. Todo mundo ficou desesperado. As crianças chorando, os idosos correndo pra se esconder. Em nenhum momento nós atacamos eles. Nós ficamos procurando nos esconder para não ser atacado, mas eu ainda levei uma bala no braço”, disse o indígena.
O pai e dois irmãos de Anastácio também foram atingidos. Um dos irmãos está em recuperação na Casai (Casa de Saúde Indígena), após passar por uma cirurgia na tarde de hoje para retirar a bala que ficou alojada em seu peito. Segundo Anastácio, o irmão mal consegue andar, pois o tiro acertou sua perna. Seu pai continua na comunidade. 
A reação das forças policiais foi desproporcional, inclusive pela motivação. O posto de vigilância que foi desativado pelos PMs servia para controlar o acesso de não indígenas na TI Raposa Serra do Sol. A base tinha a função de combater o avanço da criminalidade no território.
“Há muitos anos, as comunidades fazem monitoramento do seu território. Na região das Serras têm surgido vários pontos de garimpo, entrada de bebida alcoólica, e antes que agrave a situação como na Terra Indígena Yanomami, diante da omissão do poder público federal, as comunidades têm feito o possível para garantir a própria segurança da terra indígena”, disse o advogado do CIR, Ivo Macuxi, à Amazônia Real.
A PM negou que tenha agido com violência e que os soldados primeiro sofreram o ataque. “Antes que os policiais pudessem iniciar a nova mediação, os indígenas os atacaram arremessando suas flechas e pedras. Os policiais se defenderam com escudos e revidaram a injusta agressão com armamento menos letal e material químico de controle de distúrbio civil”, informou, em nota.
Policiais militares divulgaram fotos e um vídeo para se contrapor às imagens de que a ação de retirada da barreira não foi pacífica. E afirma que se dirigiu até a comunidade para cumprir decisão judicial “que proíbe a obstrução de vias na Raposa Serra do Sol, garantindo o direito constitucional de ir e vir dos cidadãos das comunidades da região”. 
Mas no vídeo enviado pelo CIR nota-se um indígena afirmando: “Neste momento, ataque por parte dos policiais do Bope, PM. Pessoal está todo espalhado aqui. Praticamente todos retirados de sua própria casa, de seu trabalho”. Alguns dos indígenas tentam se proteger dentro da casa do tuxaua, Domingos Macuxi, mas o imóvel também virou alvo das balas dos policiais.
A deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) reagiu, durante discurso na Câmara Federal, contra o ataque violento. “A nossa Constituição fala que o usufruto é exclusivo do indígena. Aquela área é terra pública, necessariamente o governador tem que começar a verificar a atuação da Polícia Militar, uma vez que não existia uma decisão judicial”, escreveu. “E é necessário o Supremo tomar uma decisão relacionada a isso.”

Liminar judicial

PM de Roraima faz operação ilegal dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Foto: CIR)

A ação policial para a retirada do posto de monitoramento tem sua origem em uma liminar da Justiça Estadual de Roraima de agosto de 2021 que vem sendo contestada pelo CIR. O advogado Ivo Macuxi destacou que qualquer decisão ou ação dentro de uma terra indígena é de competência apenas de órgãos federais, como a Justiça Federal ou a Polícia Federal.
A liminar da 5ª Vara Cível atende a pedido de outra organização indígena, a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr), que contesta a instalação do posto de vigilância. Em nota, a Sodiurr afirmou que não compactua com a ação do posto de vigilância e monitoramento, pois o mesmo impede o acesso e o direito de ir e vir. 
Lideranças da Sodiurr apoiam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a própria organização faz questão de deixar evidente que possui um posicionamento diferente do CIR. Em recente visita a Roraima, Bolsonaro foi recebido por indígenas da Sodiurr. No processo da homologação da Raposa Serra do Sol, as lideranças desta organização ficaram do lado dos arrozeiros que eram contra a demarcação contínua do território. A homologação foi fruto de uma luta incansável dos povos indígenas que perdurou décadas. 
“Estamos atentos às expressões e atitudes desta natureza e não toleramos em nenhuma hipótese tais práticas, apoiamos diretamente o trabalho das forças de segurança do Estado de Roraima para o cumprimento da ordem jurídica”, disse o documento dos indígenas aliados de Bolsonaro.
Em dura nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Pastoral Indigenista de Roraima afirmaram que a violência contra os indígenas foi promovida pelo “Estado da morte e da violência, da desordem e do crime”. “Esta ação policial escancara a verdadeira face do atual governo estadual de Roraima e do governo federal, que agem violentamente contra a vida dos povos indígenas enquanto defendem, acobertam e premiam o crime e as atividades ilícitas como o garimpo e outras invasões”, dizem as entidades.

Estado de tensão

Não é a primeira vez que uma barreira de monitoramento foi retirada por decisão da Justiça estadual de Roraima. A última remoção havia sido em agosto. No último dia 12 de novembro, durante assembleia realizada por indígenas de 76 comunidades da região de Serras, as lideranças decidiram pela retomada proteção contra invasores nos seguintes postos de vigilância: Tabatinga, 26 d abril de 77, Pedra Branca, Igarapé do Cebo, Geraldo Macuxi e Armando Silva. Eles relatam que neste mesmo dia presenciara a entrada de muitas pessoas de fora do território indígena, sendo que muitas delas xingaram as lideranças.
“Ficamos surpresos com a quantidade de pessoas não indígenas em plena pandemia e sem apresentar carteira de vacina e prosseguir nos protocolos sanitários”, disse trecho da nota assinada por lideranças.
Segundo Ivo Macuxi, a ação de cumprimento de decisão judicial alegada pela PM já foi cumprida no mês de agosto, em outra área. O advogado disse que a açao truculenta da PM na terça-feira (17) foi ilegal, pois sequer a PM teria competência para entrar em território indígena. “Essa liminar determinou o desbloqueio de outra barreira que fizeram na BR para chamar atenção. De fato, foi cumprida a liminar. Nós temos documentos e mapas que mostram vários pontos de garimpo na Raposa Serra do Sol”, explicou. 
“A Sodiurr tem apoiado a questão do garimpo, que inclusive levou o presidente Bolsonaro para a comunidade que fica próximo a região, para incentivar esse tipo de invasão que as comunidades sofrem. Estão usando essa liminar antiga que já foi cumprida. Agora eles estão abusando do poder de polícia”, acrescentou o advogado Macuxi.
Ainda de acordo com o advogado do CIR, os postos de vigilância não impedem o livre trânsito dos moradores da TI ou de agentes públicos, mas que as comunidades indígenas continuam sofrendo com o aumento crescente de agressões e invasões externas.
O CIR já entrou com pedido para que a polícia seja retirada da região, denunciando as agressões sofridas pelos indígenas aos Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual. No documento, eles pedem que a Polícia Federal impeça a ação da força policial estadual. “A Polícia Militar já está usurpando do poder da União e não tem liminar que autoriza a Polícia Militar a entrar nas comunidades indígenas”, esclarece Ivo.

Indígenas feridos

Conforme o advogado Ivo Macuxi, duas lideranças atingidas chegaram na madrugada desta quarta-feira (17) em Boa Vista para receber atendimentos médicos no Hospital Geral de Roraima. “Foram removidos. Um deles levou um tiro no pé com uma arma letal, onde a bala atravessou. E o outro foi atingido no peito, já foi submetido a uma cirurgia e retiraram a bala do corpo”, explicou. Este último indígena está internado na Casai, e apresenta uma situação estável.
Depois do violento confronto, a PM apreendeu equipamentos da comunidade. “Vamos ao Ministério Público Federal entregar as provas do crime, que foi uma tentativa de homicídio contra lideranças indígenas e relatar também da invasão é que a polícia levou os equipamentos da comunidade, radiofonia, celulares  das lideranças sem nenhuma ordem judicial”, afirmou Ivo Macuxi. 
Na madrugada de quarta-feira (17), durante quase duas horas, os indígenas foram novamente alvo da violência policial. Moradores que iriam prestar apoio à comunidade Tabatinga foram abordados e agredidos pelos policiais. Uma liderança da aldeia Caxirimã denunciou também que durante a noite policiais militares jogaram bombas de efeito moral e atiraram contra a casa dela. O estado de tensão é elevado. Os moradores de Wilimon também relataram que viaturas da PM passaram a vigiara a estrada que dá acesso à comunidade. 
“Recebemos a informação que a Polícia Militar foi na comunidade Caxirimã, próximo da sede do município de Uiramutã, e atirou na casa do tuxaua, além de soltar bomba na comunidade”, descreveu Ivo Macuxi. “Hoje mais viaturas subiram pra lá pra continuar o trabalho de atacar, as comunidades estão revoltadas.”
Edinho Batista, coordenador do CIR, denunciou durante a coletiva desta quarta-feira que, além dos disparos, os policiais destruíram o posto de saúde da comunidade. “Derramaram remédios, quebraram frascos de remédios do posto de saúde. As flechas que a polícia está divulgando eles pegaram de dentro casa das pessoas, não houve nenhum conflito, os povos indígenas não revidaram nada, só tentaram se proteger”, afirmou. 
Deson Lima, também morador Tabatinga, disse que todos foram pegos de surpresa. “Eu estava lá e quando escutei eram os tiros. Duas balas pegaram em mim, no meu braço e no meu olho. Nós não fizemos nada. Nossa terra foi invadida. É triste nessa idade eu ser baleado no meu próprio território. Mas nós não vamos nos calar, vamos  lutar, mas algo tem que ser feito, isso é um verdadeiro atentado à vida e direito dos povos indígenas”, disse Deson , mostrando as marcas no seu corpo. 
O MPF afirmou, em nota, que está acompanhando as notícias de conflito e irá participar, com a Polícia Federal, o Ministério Público do Estado de Roraima e a PM, de uma reunião com as lideranças indígenas locais para mediar o conflito.

O que diz o governo estadual

PM de Roraima faz operação dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e atira em indígenas (Foto: CIR)

A Secretaria de Comunicação do governo de Roraima afirmou, em nota, que “quando estiver ocorrendo crime comum em flagrante delito, independentemente do lugar (Terra indígena ou não), as forças policiais previstas no Artigo 144 da Constituição possuem a obrigação legal, sob pena de responsabilização, de agir para cessar a ação criminosa”. 
Segundo o governo de Roraima, os crimes dos indígenas são descumprimento da decisão judicial do Tribunal de Justiça de Roraima, dentro da ação movida pela Sodiur, que determina que os indígenas ligados ao CIR se abstenham de realizar novos bloqueios em vias públicas que servem de acesso às comunidades.
O governo considera “o bloqueio de vias estaduais que dão acesso à sede de Municípios, é uma clara afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal que determina a livre circulação de pessoas e veículos em estradas estaduais e federais que passem por terras indígenas”.
Sobre o envio de reforço policial às comunidades nesta quarta-feira, o governo informou que a PM “reforçou o efetivo presente na região em destaque no intuito de desconvencer a continuidade da prática delitiva”.
A PM de Roraima “não ameaça ou intimida nenhum cidadão. Cumpre sua obrigação constitucional de servir e proteger a sociedade roraimense, fazendo valer as normas legais vigentes, garantindo a ordem, a paz e a tranquilidade pública”, conforme a nota do governo.


Para acessar mais imagens desta reportagem acesse nosso Flickr
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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