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Os índios que Camila Pitanga viu no MAR

Os índios que Camila Pitanga viu no MAR –

Por De José Ribamar Bessa Freire, /TaquiPraTi

A atriz Camila Pitanga visitou, na sexta-feira (16), os Guarani, os Pataxó, os Puri e os índios em contexto urbano residentes no Rio. Foi na Exposição Dja Guatá Porã: Rio de Janeiro Indígena, no Museu de Arte do Rio (MAR). Logo na entrada, ela atravessou a passarela de acesso ao Pavilhão de Exposições e passou pela instalação sonora que lhe permitiu ouvir dezenas de línguas indígenas. Depois, circulou pelos quatro núcleos que exibem objetos, vídeos, fotos, maquetes, documentação histórica e iconográfica e pelas cinco estações: arte, educação, comércio, mulher e natureza.

Acompanhada do diretor teatral Bruno Siniscalchi, Camila Pitanga seguiu a linha do projetada sobre uma cobra grande pintada na parede, ao longo da exposição, na qual leu textos, viu imagens com o registro das relações violentas entre colonizadores, em busca de escravos, e os povos indígenas, que resistiam. Lá está reproduzido, entre outros, o manuscrito do final do séc. XVII, no qual o português André Soares registra que a força de não remunerada dos índios foi responsável pela construção dos Arcos da Lapa.

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Mas a linha do tempo avança. Depois de acompanharem a invasão das terras indígenas no litoral pelos engenhos de açúcar, Camila e Bruno seguiram o caminho da cobra e viram as fazendas de café se expandindo pelo vale do Paraíba no séc. XIX, usurpando o território dos Puri, Coroado e Coropó. Observaram a indígena e verificaram que hoje o Rio de Janeiro continua índio nas aldeias Guarani e Pataxó, nos Puri e nos índios da Aldeia Vertical e da Aldeia Maracanã residentes na cidade, por onde transitam inúmeros indígenas da .

Trajetória da cobra    

No Rio, vivem falantes de mais de 30 línguas indígenas oriundos de todas as regiões do país. Os visitantes viram imagens da violência sofrida pelos Waimiri Atroari nos desenhos feitos pelos índios, em 1985, cedidos para a exposição por Egydio Schwade, que os alfabetizou, antes de ser expulso da área pelo então presidente da Funai, Romero Jucá (PMDB vixe, vixe), agora réu por crimes de corrupção.

MAR%20aldeia%20maracanaOs dois visitantes acompanharam ainda a reprodução de jornais com a cobertura do assassinato do pataxó Galdino Jesus dos Santos. Ele, que resume em seu nome o Crucificado e todos os canonizados pela igreja, foi queimado vivo por cinco jovens, em abril de 1997, enquanto dormia em um ponto de ônibus de .

A cobra grande chega até os dias de hoje, testemunhando outros fatos recentes, como a polícia enviada pelo então governador Sérgio Cabral (PMDB vixe Maria!) para espancar os índios da aldeia Maracanã, mostrando que a realidade indígena não é alheia nem distante conforme o texto de apresentação da equipe curatorial composta por Clarissa Diniz, Pablo Lafuente, a guarani Sandra Benites e este locutor que vos fala:

“A cobra, protagonista de narrativas de origem de vários povos, através dos mitos que traz consigo, adverte-nos sobre outras historicidades possíveis. Em sua trajetória, a cobra traça um caminho de destino incerto, construído como um processo inacabado, atravessado por lutas, retomadas, propostas e esperanças. Djá Guatá Porã: Rio de Janeiro Indígena é também um caminho de aprendizado coletivo, em que as trocas entre indígenas e não indígenas, deram forma a intenções, linguagens, urgências, articulações”.

Os museus costumam realizar exposições nas quais os índios aparecem apenas como objetos musealizáveis, algumas até aceitáveis, mas limitadas em seus resultados.  O MAR, seguindo caminho traçado, por exemplo, pelo Museu do Índio do Rio, tratou de realizar uma curadoria compartilhada. A equipe de curadores percorreu as aldeias Guarani e Pataxó para indagar a eles, aos Puri e aos índios que residem na cidade do Rio o que queriam mostrar de suas culturas vivas.

A exposição é, assim, fruto de um diálogo em encontros abertos ao público tanto no auditório do museu quanto nas aldeias envolvidas, com a participação direta dos índios, de pesquisadores, historiadores, curadores, arquitetos e designers. Os próprios índios fotografaram e filmaram o que apresentaram na mostra Dja Guata Porã, que em língua guarani sugere “uma construção coletiva, um caminho orientado para o futuro”. Dezenas de índios, cujos nomes aparecem lá na entrada, participaram diretamente da construção da mostra.

Horta urbana                          

Mar%20Sandra%20e%20ClarissaCamila Pitanga fotografou parte da que viu documentada no museu.   Diante do mapa etnohistórico de Curt Nimuendaju, que registra a presença de mais de mil línguas faladas em território que é hoje o , observou que a se mantém encoberta, silenciada, com o apagamento da contribuição das culturas ameríndias para a nossa vida cotidiana e para nossa capacidade de conceber o futuro.

Até a toponímia do estado do Rio de Janeiro tem sua origem indígena desconhecida. Alguns lugares como Mangaratiba, Sepetiba, Cachambi, Tijuca, Catumbi, Ipanema, Pavuna, Irajá e tantos outros apontam para a história e a atualidade indígena da região. O próprio termo “carioca” se refere à aldeia às margens do rio que era a morada do peixe acari. Isso está explicitado no texto de apresentação assinado pela equipe de curadores anunciando o objetivo da exposição:

“Dja Guata Porã quer intervir com uma reflexão sobre a realidade indígena no Rio de Janeiro hoje, bem como sobre o passado que desaguou neste presente. Se a recente história política brasileira tem precipitado a emergência de uma luta indígena organizada, com pautas amplas e precisas (do respeito pela diversidade à demarcação de terras), os museus, como lugares da cultura do presente, precisam fazer eco a essa luta”.

Foram esses índios que Camila Pitanga viu no MAR, na exposição que durou dez meses e terminou neste domingo (25), com uma celebração na horta urbana cultivada na praça Mauá, por Niara do Sol, índia Fulniô/ Cariri Xokó que trabalha com terapias alternativas, ervas e plantas medicinais. Os interessados em horta urbana poderão nesse momento trocar saberes e práticas de cultivos em território das cidades e receber mudas, já que a horta, parte da mostra, será desativada.  Quem não viu, não sabe o que perdeu.

Fonte desta matéria de José Ribamar Bessa Freire, jornalista maior da Amazônia: http://www.taquiprati.com.br/cronica/1388-os-indios-que-a-camila-pitanga-viu-no-mar

Camila Pitanga Mar

“No dia em que não houver lugar no mundo para o índio, não haverá lugar para ninguém.” –

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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