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Jô Soares: É preciso remar forte contra a corrente

JÔ SOARES: A MARÉ DA IGNORÂNCIA VAI PASSAR, MAS É PRECISO REMAR FORTE CONTRA A CORRENTE

Enquanto o obscurantismo governa, um facho de luz foi projetado sobre o palco do Estação São Paulo, no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, na terça, 19, onde um homem visivelmente cansado, voz tênue, a ponto de se apoiar na escadaria onde subiu para ser o grande homenageado da noite, se encheu de brios para nos lembrar que vale a pena resistir. Artistas se reuniam para a entrega dos troféus da 31ª edição do Prêmio Shell, um dos mais relevantes na área teatral, mas no descompasso de um país que não tem mais Ministério da Cultura, com um presidente que tem desprezo pela cultura, que criou um macartismo com base na Lei Rouanet e que vai mudar o Enem, que passará a ter uma análise ideológica por parte de uma comissão. E cujo ministro da Educação, o “olavista” Ricardo Vélez Rodríguez, é investigado por improbidade administrativa por enviar cartas a escolas exigindo que filmassem as crianças perfiladas cantando o Hino Nacional e aprendessem o slogan de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Mas um país que tem Jô Soares jamais será órfão. O ator, diretor, escritor e apresentador Jô Soares, de 81 anos, tirou da consciência um discurso de improviso de arrepiar (perdoando a falta de foco nos primeiros 20 segundos) e foi aplaudido de pé. A palavra de ordem: resistam.

“Este é um prêmio de resistência, que não pode acabar porque é o sinônimo de que o teatro é resistência”, conclamou Jô, incomodado com o desprezo manifestado por Jair Bolsonaro e filhos pela cultura, já adiantando que estatais e órgãos públicos não mais investirão em cultura no Brasil. “Um país só progride com cultura e tecnologia de ponta. O governo tem que cuidar do país, e para cuidar do país tem que investir em tecnologia e cultura”, disse Jô, citando seu amigo Millôr Fernandes. “No momento, a única cultura que temos é a de vírus”, ironizou Jô. “Eu sei que é difícil quando alguém dá entrada num pensamento errado mudar de rumo. Mas o governo tem que cuidar do país. E para cuidar do país tem que investir em cultura e tecnologia de ponta.”

Fonte: Gilberto Pão Doce

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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