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A Lenda do Jacaré, Mãe-do-Terremoto

A Lenda do Jacaré, Mãe-do-Terremoto 

Uma velha lenda conta que é um jacaré que sustenta o Mundo, e que quando cansado da posição em que está procura outra e se mexe, faz tremer o Mundo. Por via disso o chamam jacaré tyrytyry manha, Jacaré mãe-do-terremoto. Conde Stradelli, em Os Vocabulários(p. 447), conforme registro de Luís da Câmara Cascudo, em Geografia dos Mitos Brasileiros, Editora Global, 2001. 

Uma outra versão da lenda do Jacaré,  atribuída a  Célio Reginaldo Calikoski, conta a seguinte estória:

Eu sou o Pajé Cajuru, sou da grande nação Tupi. Sempre conto uma lenda aos curumins da tribo. Essa lenda chegou até nós contada de boca em boca pelos meus ancestrais. A história é: “A Lenda do Jacaré”. Ela começa assim:

“O índio Piatã era um jovem bonito, saudável e muito alegre. Ele era brincalhão e todos na aldeia gostavam dele e se divertiam com suas histórias, principalmente os curumins.

Mas, como todo jovem bonito, ele despertava muita paixão nas índias. Piatã, porém, estava encantado pela índia Jandira, filha do guerreiro Iraí. Jandira era muito linda, com os cabelos negros, lisos e a pele morena. Tinha uma irmã mais velha, chamada Anauá, que gostava muito de Piatã. Anauá sabia do interesse de Piatã por Jandira e resolveu matar a irmã.

Anauá preparou uma armadilha para Jandira, na beira do grande rio: o Iguaçu, e convidou Jandira para irem lá, tomar banho. Jandira aceitou o convite.

Piatã viu as duas se dirigindo para o rio e as seguiu. Quando chegaram ao rio, Anauá levou Jandira para perto de um formigueiro de formigas venenosas e empurrou Jandira para cima do formigueiro. Jandira bateu a cabeça num galho e desmaiou. Não demorou muito, as formigas começaram a atacar Jandira. Piatã, vendo aquilo, saiu correndo para salvar a amada, mas tropeçou e, também batendo a cabeça, desmaiou e as formigas o atacaram. Assim, os dois morreram. Anauá se arrependeu e ficou desesperada pela morte de seu amado e de sua irmã.

A Mãe D’Água, vendo o desespero de Anauá, enfeitiçou-a, dizendo:

– Vou transformar você num jacaré e você vai proteger os rios da poluição provocada pelo homem. Enquanto houver rio sujo você não verá seu amado e sua irmã viva novamente.

Foto: Retalhos Históricos de Campina Grande

Sobre o Jacaré no fabulário indígena brasileiro

Diz, pois, a lenda que o jacaré (Crocodilus Sclerops), abundante nos rios amazônicos, sobretudo no rio Negro e seus afluentes, é o animal responsável pelos tremores de terra. Câmara Cascudo , na obra acima citada, faz o seguinte registro da modesta presença do jacaré no fabulário indígena brasileiro.

“O jacaré, em todo fabulário indígena brasileiro, não tem papel saliente. Dele vivem restos, elos e tradições. Numa estória já deturpada que Brandão de Amorim recolheu, vemo-lo furtar o fogo a Tupana e esconder o lume detrás da orelha. No ciclo do Poronominare não aparece. Barbosa Rodrigues e Couto Magalhães exilam sua torta silhueta dos contas amerabas.

Os antigos sempre ensinaram que o globo terrestre era sustentado por um gigante (Atlas) ou por animais, tartarugas, touros, aves e jacaré. Este, entretanto, não mereceu as honras de uma área semelhante à da tartaruga. o culto dos Egípcios, africanos-negros e asiáticos, ao crocodilo, veneração divina que tem feito a surpresa dos etnógrafos, não se passou para as três Américas. 

O Amazonas, especialmente a ilha de Marajó, viveiro desses emidossáurios, não fornece vestígio de culto nem mesmo de respeito. O Egito venerava o crocodilo porque (escreve Diodoro Sículo, livro I, LXXXIX) constituíam eles, boiando no Nilo, uma defesa natural contra os invasores da Arábia e Líbia. Diziam que Menes, perseguido por cães, fora transportado para outra margem por um complacente crocodilo. E, perto do lago Moaris, fundou a “Cidade do Crocodilo”, Crocodilópolis, em memória do sucesso. 

Na Ásia, e para os negros africanos, o crocodilo é mágico, dono das águas, e só devora quem lhe foi destinado por mão dos deuses. Podem ser irmãos de sangue (brothers-blood) dos chefes e todos são entidades submetidas a Djata, entidade das águas. 

No Brasil, não há essa tradição nem mesmo nas regiões vizinhas. A abundância dos caimãs e jacaretingas devia determinar um ciclo, mas tal não se deu. O índio brasileiro é um inimigo tenaz do jacaré que lhe devora os cherimbabos, animais de criação, e mato-o sempre que le é possível.

O Jacaré, Mãe-do-Terremoto, recolhido por Stradelli, é uma indicação de fio temático que certamente levará para longe a explicação atualmente desconhecida. 

Foto: Último Segundo – IG


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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