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Eduardo Meirelles: Lucélia Santos, uma mulher imprescindível

Lucélia Santos, uma mulher imprescindível

 Lucélia Santos, uma mulher imprescindível

Diz o poeta que tem pessoas que são imprescindíveis porque lutam a vida inteira. Lucélia Santos é uma dessas pessoas…

Por Eduardo Meirelles

Lucélia Santos, menina de origem humilde, filha de operários de chão de fábrica no ABC Paulista, cresce sem muita perspectiva cultural e política. Sai ainda muito jovem de Santo André da Borda do Campo, mas sai com muita coragem rumo ao Rio de Janeiro para lutar pelo seu sonho: ser atriz.

Em terras cariocas, chegou a trabalhar como atendente em uma clínica de estética em Copacabana, viveu em casa de uma família muito querida, e lutou com muita garra, esforço e coragem pelos seus sonhos profissionais, tendo a satisfação de poder realizá-los.

Mas o sucesso, a fama, o glamour, aquilo tudo não preenchia o coração de Lucélia, que andava angustiado, porque ao chegar na cidade maravilhosa, ela via o que não se estava à vista. Ela sentia. Sentia a dor de sua amiga Leda que estava grávida e tinha seu marido Jorge Raimundo prisioneiro da ditadura.

Sentia em sua alma a dor dos presos torturados, e das famílias dos mortos pelo regime golpista. Como sempre se manteve coerente com sua essência, Lucélia abraçou a luta pela Anistia aos presos políticos.

Lucélia ainda guarda essa coerência, coerência com a luta do povo brasileiro. Lucélia tem um quê de Lula, porque vem para transformar a realidade doída do povo brasileiro.

Foi mágico esse processo de pesquisa e escrita dessa obra. Sabem de uma coisa que eu aprendi nesse período que convivi com a Lucélia? É que ela é teimosa. Ela é rebelde.

E eu me identifiquei com essa rebeldia, sou fruto do movimento estudantil. E foi graças à rebeldia e teimosia de pessoas como a Lucélia, que os militares caíram. Que as liberdades democráticas em nosso país foram restabelecidas. Que o Jorge Raimundo pôde sair da prisão e pegar seu filho no colo.

Não satisfeita, Lucélia continuou a teimar, e quando digo que ela tem um quê de Lula, é que quando o Lula ainda era muito jovem, sua mãe, Dona Lindu dizia, teima Lula, teima meu filho, pois bem, a teimosia de Lucélia a fez organizar junto de outros companheiros, como o Fernando Gabeira, Carlos Mink, Sirkis, Herbert Daniel, o Partido Verde.

Lucélia fundou o Partido Verde. Era a única mulher sentada à mesa na foto histórica do ato de fundação do partido, em um período extremamente machista. Mas Lucélia era teimosa, fez-se mulher forte, dura, pois o machismo é testa dura. Ela precisava se impor.

Sempre muito atuante pelas causas ambientais, Lucélia tornou-se amiga de Chico Mendes, esteve por diversas vezes no Acre e foi até o governador exigir proteção para Chico Mendes, que infelizmente, foi assassinado. Mas essa luta não foi em vão.

Inconformada e revoltada com o assassinato de Chico, Lucélia lutou pelo seu legado. Denunciou ao mundo as reais intenções por trás de seu assassinato, quase tomou um tiro em Altamira quando fazia uma denuncia em praça pública.

Nesse processo de envolvimento com os povos da floresta, Lucélia se envolveu na luta em defesa dos povos originários, os povos indígenas. Ela nunca se furtou em defender nossas matas e os nossos bichos, e nem os nossos povos originários.

Denunciou no parlamento português e na Europa, a devastação que acontecia no Brasil. Pediu que os europeus não comprassem produtos com carimbo da devastação e sangue indígena. Enfrentou os Alemães em sua casa quando apontou o dedo em riste a eles e disse “Se nossos solos estão doentes, se nossos bichos estão morrendo a culpa é de vocês! É a Bayer quem vende os produtos que envenenam o nosso solo”.

E o Rio de Janeiro é a pedra fundamental, por ali existia uma terra que era viva e pulsante antes do Brasil Império, e que precisa ter a sua memória resgatada e re-contada do ponto de vista oposto aos dos colonizadores, a história de antes do Brasil da Coroa, quando existia o Brasil do Cocar.

Portanto no Rio existe uma territorialidade, uma realidade infeliz para os rejeitados pelo sistema, pelos descendentes dos negros escravizados, uma realidade que se for trabalhada por pessoas sérias, com compromisso com a verdade, com a justiça, pode se contornar em uma área de resistência de toda a barbárie que passa hoje a nossa gente.

Lucélia lutou na constituinte pela inclusão dos direitos das Prostitutas na nossa carta magna, deu voz aos Soropositivos quando a aids e hiv ainda eram um tabu na nossa sociedade. Foi fundamental na construção das relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e China.

Em suas produções independentes, sempre trabalhou para ampliar a voz de um povo que não era ouvido. Denunciou ao mundo o massacre que existia no Timor Leste, um pequeno país asiático colonizado por Portugal que passava por uma terrível guerra, era guerra atrás de guerra, o povo timorense já estava a ponto de ser extinto. Vejam o documentário “Timor Lorosae – o massacre que o mundo não viu”.

Xanana Gusmão deu lápis e papel para que Lucélia pudesse ajudar a escrever a história daquela nação, por gratidão, a Constituição foi promulgada no mesmo dia de aniversário de Lucélia.

Em 1992, trouxe ao Brasil o diretor alemão Werner Herzog para dirigir a peça floresta amazônica em sonho de uma noite de verão, atentou e atentou o governador Brizola para reformar o teatro João Caetano, adaptá-lo para pessoas portadora de necessidades especiais, e conseguiu, ocasião na qual o nosso grande Brizola, a dar-se por vencido disse: “Lucélia, nos menores frascos não só estão os melhores perfumes, mas também estão os mais terríveis venenos”. E ela conseguiu, o teatro foi reformado, adaptado e pessoas que antes nunca tiveram acesso ao teatro, seja por condições físicas ou sociais, puderam experienciar pela primeira vez cultura.

Infelizmente, não só o Bolsonaro, mas a direita, realmente não gosta da cultura, porque o arbítrio é testa dura, por toda forma como a gente se faz gente a cultura significa espaços de criação, e todos espaços de criação são espaços de liberdade, quem faz cultura, possibilita a subjetividade, dá contornos de humanidade à nossa sociedade.

Pois cultura é política; é política generosa; é política que transborda.

Assim como iniciei este texto citando o poeta, assim também a encerro:

Bendito o que semeia livros
Livros à mão cheia
E faz o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar!

Eu tenho uma espécie de dever
Dever de sonhar
De sonhar sempre,
pois sendo mais que um espectador de mim mesmo,
tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco, cenário,
Para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis.

Viva o poeta. Viva a cultura. Viva nossas matas. Viva nossos bichos. Viva o povo brasileiro. Viva Lucélia Santos. Viva Luiz Inácio Lula da Silva

A biografia política “Lucélia Santos – Coragem para Lutar”, pode ser encontrada clicando neste link


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
 

 

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