Mãos Contrárias

Mãos Contrárias

Poema de Antônio Victor

Minhas mãos não nasceram para as palavras,
mas para as ações pesadas que tantas vezes dispensam
o tão inútil pensar.

Minhas mãos em sua essência
são mãos ásperas, agrestes,
que de rugas se revestem na perpetuagem do tempo.

Minhas mãos nasceram para amansar cavalos
e segurar bois.
Procuram, no entanto, amansar as palavras
e em vão tentam dominá-las.

Nasceram as minhas mãos para as tetas da vaca
e a feitura do queijo.
E espremem e apertam e buscam extrair o leite das palavras.

Estas mãos nasceram para derrubar madeira,
para rachar lenha, para bater estaca,
esticar o arame, levantar cercas.
Mas lutam com as palavras, dividem as palavras, puxam as
palavras e acabam erguendo cercas entre elas e as palavras.

Minhas mãos nasceram para laçar o gado
e tentam laçar as palavras.

Nasceram para o cultivo da terra e tentam lavorar as palavras.

Nasceram para cortar a cana e tentam moer as palavras.

Nasceram para construir açudes e tentam represar as palavras.

Minhas mãos nasceram para abrir buracos
E tentam tanger estrelas.

Minhas mãos vivem escravas
de um ofício forçado para o qual não foram feitas.
Minhas mãos vivem escravas do verbo e da palavra,
porque nasceram para os calos e para o braço da enxada.

É por isso – tenho certeza – que minhas mãos,
sempre presas, nunca conseguiram nada.

Antonio Victor é o maior e mais conhecido poeta da cidade de Formosa-Goiás. Nasceu em 29 de outubro de 1958. Cultiva a  arte dos versos e da prosa, preferencialmente em pequenos contos nos quais trabalha o regionalismo e a temática urbana. Aventura-se às vezes em temas universais e procura dar um toque de humor às suas histórias, sempre despretensiosas.

Slide

VISTA NOSSA CAMISA
FORTALEÇA NOSSO PROJETO

DOAÇÃO - PIX: contato@xapuri.info

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapui.info. Gratidão!