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Marco Temporal não passo

Marco Temporal não passo, mas teses complementares podem atrasar titulação

não passou, mas teses complementares podem atrasar titulação

Ao concluir do julgamento, ministros do STF fixaram 13 normas que devem ser cumpridas para titulação de Terras Indígenas. Congresso segue batendo de frente.

Por Cristiane Prizibisczki/ O Eco

Após dois anos, o Supremo Tribunal Federal concluiu, na tarde de quarta-feira (27), o julgamento da ação sobre o Marco Temporal, decidindo pela não sustentação da tese que considerava serem passíveis de titulação somente as Terras Indígenas ocupadas na data da promulgação da , em 5 de outubro de 1988. Durante a análise do caso, no entanto, outras 12 teses complementares surgiram e foram aprovadas pelos ministros do Supremo (leia ao final).

A principal mudança trazida pelos ministros na forma como terras indígenas são demarcadas e tituladas no Brasil é a possibilidade de pagamento de indenização da terra para produtores rurais que forem removidos de suas propriedades. A tese não estava prevista na legislação e a Constituição falava apenas em indenização pelas benfeitorias feitas.

Segundo a decisão do Supremo, a partir de agora, caberá indenização quando houver ocupação “de boa-fé”, quando o proprietário tiver um título expedido pelo e em casos em que os indígenas não estavam no território e não havia disputa judicial ou conflito possessório em 5 de outubro de 1988.

Não cabe indenização para áreas já “pacificadas”, ou seja, no caso de Terras Indígenas já reconhecidas e declaradas, exceto em casos já judicializados. 

Em outras palavras: nos casos que ainda estão sub judice, o ocupante pode ter o direito à indenização, dentro dos requisitos estipulados.

Segundo o Instituto Socioambiental, a nova tese pode tornar mais demoradas e dificultosas as demarcações, dificultando também o acesso das comunidades aos seus direitos e territórios.

Isso porque, segundo a organização, no caso de comunidades que estejam fora de seus territórios tradicionais – muitas foram deslocadas à força – há o risco de que elas tenham o direito de reocupá-las somente após o Estado definir o valor da indenização e realizar o depósito para o ocupante.

“A indenização prévia relativa à terra nua pode tornar o acesso das comunidades indígenas às suas terras ainda mais demorado do que já é”, diz o coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB) do ISA, Moreno Saraiva Martins, lembrando que em algumas demarcações o território continuou indisponível para os indígenas por mais de 20 anos.

Outra tese aprovada pelos ministros do Supremo também se tornou alvo de críticas, pois abre a possibilidade de o governo assentar uma comunidade indígena em outra área que não a de ocupação tradicional, em casos de “absoluta impossibilidade” da demarcação. Nesses casos, alerta o ISA, as comunidades indígenas seriam ouvidas, mas não teriam o direito de vetar a decisão.

Além disso, o STF definiu que qualquer ampliação de TI só poderá ocorrer em até cinco anos após a “demarcação anterior” e somente se comprovado que houve erro grave na definição dos limites territoriais anteriores. A regra não abrange ações judiciais ou pedidos de revisão desses limites já registrados na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

Mineração em Terras Indígenas

Por pouco os ministros do STF também não tiveram que decidir sobre a possibilidade de exploração mineral e construção de hidrelétricas em Terras Indígenas.

A proposta havia sido defendida pelo ministro Dias Toffoli e conseguiu apoio de outros magistrados, mas, no último momento, pouco antes da final das teses complementares, foi retirada pelo próprio Toffoli.

((o))eco procurou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) para comentar as teses complementares, mas a organização informou que ainda estuda as novas normas.

Congresso bate de frente

No mesmo dia em que o STF finalizou o julgamento do Marco Temporal, decidindo pela sua invalidade, o Senado aprovou, às pressas, por 43 votos a 21, o 2.903/2023, que justamente estabelece a tese do marco temporal.

O texto foi aprovado na Comissão de Constituição e do Senado pela manhã e colocado em votação pelo Plenário na parte da tarde. Como já passou pela Câmara  – foi aprovado em maio pelos deputados federais -, ele vai para sanção presidencial.

Diante da decisão do STF, deverá vetar os trechos que estipulam o marco.

Tese final do STF

(transcrito da transmissão do julgamento e sujeito a revisão com base no texto que será publicado)

1- A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena.

2 – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições, nos termos do parágrafo primeiro do Artigo 231 do texto constitucional. 

3 – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente, à data da promulgação da Constituição.

4 – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias previsto no Parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.

5 – Ausente a ocupação tradicional indígena, ao da promulgação da Constituição Federal, ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição Federal, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular o direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União, e quando inviável o reassentamento dos particulares caberá a eles indenização pela União com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro ou em título da dí agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitida autocomposição e o regime do Artigo 37, parágrafo 6° da Constituição.

6 – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de Terras Indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados em andamento.

7 – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das Terras Indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida em todo caso a comunidade indígena, buscando-se se necessário a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas, Artigo 16.4 da Convenção 169 da OIT.

8 – O procedimento de redimensionamento de Terra Indígena não é vedado, em caso de descumprimento dos elementos contidos no Artigo 231 da Constituição da República, por meio de instauração de procedimento demarcatório, até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da Terra Indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento. 

9 – O laudo antropológico, realizado por meio do Decreto 1.775/1996, é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com os seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo.

10 – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nela existentes. 

11 – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.

12 – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas.

13 – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutir seus interesses sem prejuízo nos termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.

Cristiane Prizibisczki – Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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