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Marielle e o custo da coragem

Marielle e o custo da coragem

Por Carolina Maria Ruy

Lembrei-me do assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, em 1968, que, embora tantas pessoas tenham morrido naquele período, tornou-se mártir de uma insurgência que veio depois. E também do José Martinez, sapateiro, cujo assassinato na greve geral de 1917 fomentou uma revolta que deu uma dimensão inesperada àquele movimento. Muitos e alguns policiais morreram na greve, mas o Martinez, a exemplo de Edson Luís, tornou-se símbolo. Ambos marcaram nossa história.

O fato de não ser só mais uma morte, mas a possibilidade de um ponto de virada, um evento catalisador, iguala Marielle, ao sapateiro e ao estudante. Considero, entretanto, que a execução da vereadora tem um sentido ainda mais amplo e mais complexo. Isso porque ela é mais do que a imagem de uma pessoa comum, gente como a gente. Ela dava voz a uma luta social em favor da igualdade e contra o sistema de privilégios citado acima. Por isso, muito provavelmente, foi assassinada. Foi assassinada porque não era apenas um indivíduo, era a voz de milhões. Seu assassinato representa, neste sentido, a defesa e a manutenção do sistema de privilégios citado acima.

Lembrei, então, de outro assassinato, que considero ainda mais semelhante ao de Marielle do que o dos jovens de 1917 e 1968. O assassinato da jornalista irlandesa Verônica Guerin, que conheci através do filme “O custo da coragem” (2003).

Verônica investigou a fundo a máfia e o tráfico de drogas em Dublin, capital da Irlanda, durante a década de 1990 e denunciou a ligação que alguns dos mais importantes gângsteres tinham com o IRA. Foi ameaçada e, por fim, executada com seis tiros , na estrada de Naas, arredores de Dublin, por dois jovens que a seguiam de moto, em plena luz do dia, em 1996.

Sua morte trágica não foi em vão. A população foi às ruas fazer protestos e os barões do tráfico tiveram seus bens confiscados e foram presos. Um ano depois do acontecido, os crimes caíram em mais de 50% na Irlanda.

Matar uma pessoa para calá-la é uma medida extrema com custo alto. No limite a ação demonstra que a pessoa calada, morta, estava no caminho certo. E pode acabar sendo um tiro no pé em casos em que a tragédia se torna um amplificador para uma voz que atingia apenas um raio determinado de mobilização.

É cedo para elucubrações. Estamos ainda atordoados com o choque dos acontecimentos. Mas penso que o caso de Marielle pode fomentar uma revolta capaz de gerar alguma uma transformação que ao menos sinalize para a diminuição da violência, para a social dos fracos e oprimidos, valorização dos trabalhadores etc. Assim sua morte trágica não terá sido em vão.

Marielle e a jornalista Irlandesa Veronica Guerin, assassinada em 1996 (no alto). O sapateiro José Martinez (abaixo à esquerda) e o estudante Edson Luis alçados a mártires da greve de 1917 e da ditadura militar, respectivamente. Marielle e a jornalista Irlandesa Veronica Guerin, assassinada em 1996 (no alto). O sapateiro José Martinez (abaixo à ) e o estudante Edson Luis alçados a mártires da greve de 1917 e da , respectivamente.

Fonte desta matéria, assinada por  Carolina Maria Ruy , coordenadora do Centro de Sindical: Portal Vermelho  http://www.vermelho.org.br/noticia/308886-10


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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