“Assum Preto, cego dum zóio, num vendo a luz, ai, canta de dor”

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“Assum Preto, cego dum zóio, num vendo a luz, ai, canta de dor”

É provável que você já tenha ouvido a música Assum Preto, composta por Luiz Gonzaga, descrevendo a maldade feita com uma ave passeriforme da família Icteridae, comumente avistada por todo o território brasileiro…

Por Eduardo Pereira

Também conhecida no Nordeste como graúna (derivado do tupi “guira-uma” = ave preta), no Maranhão como chico-preto, no Mato Grosso como arranca-milho, chopim e chupão, e nas outras regiões do Brasil como cupido, melro e pássaro-preto, ainda existem regiões no Brasil onde são vistos em gaiolas, cantando incessantemente.

A razão para essa crueldade: diz-se que como o assum preto só canta durante a noite, os passarinheiros furam seus olhos com espinhos de laranjeira para que, em estado de escuridão eterna, “pra ele assim, ai, cantá mió”.

Embora essa prática seja largamente combatida por ambientalistas e amantes da natureza, infelizmente ainda hoje há relatos de graúnas, e também de sabiás, com os olhos furados por esse Brasil afora. Confira a letra do mestre Luiz Gonzaga:

Tudo em vorta é só beleza
Sol de abril e a mata em frô
Mas Assum Preto, cego dos oio
Num vendo a luz, ai, canta de dor

Mas Assum Preto, cego dos oio
Num vendo a luz, ai, canta de dor

Tarvez por ignorança
Ou mardade das pió
Furaro os oio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió

Furaro os óio do Assum Preto
Pra ele assim, ai, cantá mió

Assum Preto veve sorto
Mas num pode avuá
Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Mil vez a sina de uma gaiola
Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Assum Preto, o meu cantar
É tão triste como o teu
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos oios meus
Também roubaro o meu amor
Que era a luz, ai, dos oios meus

Eduardo Pereira – Sociólogo. Produtor Cultural.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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