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Carajás

E quando Carajás acabar?

E quando Carajás acabar?

Em 2016 entrou em operação a mina S11D, em Carajás, no Pará, depois de um investimento de 14 bilhões de dólares (quase 60 bilhões de reais pelo câmbio atual), para a extração de minério de ferro da maior jazida de alto teor do planeta, com mais de 4 bilhões de toneladas. A história desse empreendimento, o mais caro da mineração neste século, irá durar apenas 30 anos. Depois, S11D será apenas um dolorido retrato na parede, como o poeta Carlos Drummond de Andrade previu o destino da extração do minério em sua terra, Itabira, em Minas Gerais.

Mais motivo para lamentar e se indignar teria o grande poeta se examinasse a história de Carajás, a mais importante província mineral do mundo, situada bem no coração do Estado do Pará. A presença de minério com elevado teor de hematita pura foi comprovada em 1967 por pesquisadores a serviço da United States Steel, então a maior de todas as siderúrgicas.

Dez anos depois, a USS se retirou da sociedade com a estatal Companhia Vale do Rio Doce, que passou a ser a única dona de todos os minérios existentes na área (manganês, ouro, cobre e níquel, além do ferro). No início de 1984, o primeiro trem carregado de minério chegou à ilha de São Luís do Maranhão, 972 quilômetros distante da mina, desembarcando minério para exportação. O principal destino era o Japão. Agora é a China, que compra quase metade de toda a produção.

Quando Carajás entrou em produção, estimava-se que as jazidas iriam durar 400 anos, na escala máxima de 25 milhões de toneladas ao ano. Mas agora se sabe que a exaustão será atingida em 76 anos, considerando-se as três minas em atividade, em 2060. A escala de produção subiu para 10 vezes mais do que o limite máximo do projeto original.

É uma situação muito mais dramática do que a do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. Ali a exploração começou em 1942, 42 anos antes de Carajás, com a criação da CVRD, privatizada em 1997, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. A última jazida de Minas só chegará à exaustão em 2118, com um minério mais pobre, depois de 176 anos de atividade.

Em todos os casos, a Vale, dona exclusiva de Carajás há 40 anos, não foi além da extração de matéria prima. Mesmo no caso do cobre, o beneficiamento primário foi para concentrar o teor. Simplesmente porque comercializar o minério em estado bruto não tem viabilidade econômica.

Carajás é e continuará a ser um presente de primeira para os compradores. Mas não para o Pará. Por isso, com os números oficiais em mãos, os paraenses deveriam estar acompanhando o que acontece em Itabira, onde a mineração do ferro em alta escala começou.

Em 2003, a Vale comunicou aos itabiranos que a vida útil das jazidas, que começou a explorar em 1957 e que já foram as maiores do Brasil, seria de 71 anos. Neste mês, a empresa admitiu que a mineração irá durar apenas mais 10 anos, chegando ao fi m em 2028. Foi um choque. Itabira entrou em estado de alerta, e a questão começou a ser debatida. Talvez tardiamente.

A Vale retrucou que não havia motivo para surpresa: “Desde 2002, o relatório Form 20-F, que é publicado anualmente, indica exaustão das reservas de Itabira ocorrendo na década de 2020. O último levantamento indica a data provável para 2028. Os relatórios sempre estiveram disponíveis no site da Vale”.

Em nota, a empresa sustenta que continuará em Itabira. Diz que “está estudando possibilidades de manter atividades na cidade para além de 2028. Entre as possibilidades está a de continuidade das operações das usinas de Itabira para processamento de minérios produzidos em outras localidades”.

A Vale garante que “sempre trabalhou para deixar um legado positivo para Itabira”. Arrola números do seu desempenho, que mantém 4.100 empregados, gerando massa salarial de cerca de 14 milhões de reais por mês; que Itabira recebeu mais de R$ 182 milhões de royalties entre 2015 e 2017; e quase R$ 240 milhões de ICMS no mesmo período. Além disso, a empresa ajudou a colocar Itabira “como importante polo regional de educação e turismo” e “na implantação da Unifei (a universidade federal)”.

A mineradora pondera: “As discussões sobre o futuro da economia pós-mineração são importantes para todas as cidades que contam com a presença da atividade, independentemente da duração das reservas. A Vale já se comprometeu com o prefeito e com o presidente da Câmara de Vereadores a continuar a participar ativamente dessas discussões e, na medida do possível, dar apoio às iniciativas do grupo de trabalho criado”.

Se a Vale fez tudo isso, Itabira não fez quase nada. Principalmente, não se antecipou para viver sem suas montanhas de minério de ferro, extraídas com tal intensidade, em 76 anos contínuos, que mudaram a paisagem da cidade e levaram seu mais célebre fi lho, o poeta Carlos Drummond de Andrade, a lamentar que a sua Itabira se tornara apenas um retrato na parede “e como dói”.

A Vale tem razão no seu argumento principal. Todas as informações sobre a exaustão das suas minas estão contidas no relatório que registrou na Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, que administra a bolsa de Nova York, onde a Vale comercializa suas ações, em 13 de abril. Mas se os brasileiros não leem documentos, a empresa deveria prestar-lhes informalmente suas informações relevantes. Não só para partilhá-las democraticamente como para prevenir conflitos futuros. Não é isto a tal responsabilidade social das empresas?

Lúcio Flávio Pinto
Jornalista desde 1966. Sociólogo
formado pela Escola de Sociologia
e Política de São Paulo, em 1973.
Editor do Jornal Pessoal, publicação
alternativa que circula em Belém (PA)
desde 1987. Autor de mais de 20 livros
sobre a Amazônia, entre eles,
Guerra Amazônica, Jornalismo na
linha de tiro e Contra o Poder.
Matéria originalmente publicada no
site www.amazoniareal.org.


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