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Manoel de Barros: A poesia sem limites

Manoel de Barros: A sem limites

Por Jaime Sautchuk

As tardes morenas de Mato grosso, decantadas pelo mineiro Goiá, nunca foram as mesmas nos versos de . Pantaneiro por escolha, o poeta nos deixou há menos de dois anos, que parecem séculos e ao mesmo se diluem nas águas como se fosse agora. Pois ele já é eterno...

As tardes morenas de Mato grosso, decantadas pelo mineiro Goiá, nunca foram as mesmas nos versos de Manoel de Barros. Pantaneiro por escolha, o poeta nos deixou há menos de dois anos, que parecem séculos e ao mesmo tempo se diluem nas águas como se fosse agora. Pois ele já é eterno.

Tinha razão, talvez, outro mineiro, Carlos Drummond de Andrade, que recusou o título de maior poeta vivo das plagas tupiniquins. Dizia que era Manoel o merecedor dessa distinção. Mas ele mesmo, o Manoel, pouco estava se importando com isso, quieto no seu canto, poetando até os 97 anos, quando desligou.

Manoel Wenceslau Leite de Barros já nasceu meio que por acaso, em 16 de dezembro de 1916. Seu pai, roceiro por natureza, estava passando uns tempos em Cuiabá, no Beco da Marinha, um bairro próximo ao rio do mesmo nome, mas um ano depois, como capataz, foi implantar outra fazenda no , em Corumbá, onde a família ficou.

Foi nesse ambiente de roça, vendo “a atrapalhação das formigas”, como ele dizia, que Manoel passou sua primeira infância, com os olhinhos meio puxados, quase de índio, ajuntando informações.

Seu voo inicial, pra fora dali, foi aos oito anos, quando o internaram em um colégio religioso de Campo Grande. Após o primário, seguiu no mesmo regime ao Rio de Janeiro, onde teve sua iniciação em tudo, do manuseio da língua escrita aos embates políticos das ruas.

Na escola, arranjou encrenca com os padres por causa de outro padre, o Antônio Vieira, cujos escritos ele criticava, mas que lhe foram fundamentais na formação. Ele achava que Vieira se preocupava mais com o jeito de escrever do que com a pregação religiosa.

“A frase para ele era mais importante do que fé”, disse certa feita. Mas foi isso mesmo que o fez se apegar à poesia, um modo de expressão que, no seu dizer, “pode misturar todos os sentidos, sem compromisso com a verdade”. O poeta inventa seu mundo.

Ainda na adolescência, antes de ingressar no curso de Direito, ele se filiou à Juventude Comunista, o que o afastou dos catecismos cristãos e o colocou em contato com a realidade do país. E foi também o mote que faltava à sua iniciação na literatura.

Aos 18 anos, escreveu seu primeiro livro, que não era de poesia. Era um romance ou uma novela, ninguém sabe ao certo, que tinha o título de “Nossa Senhora da Minha Escuridão”, mas foi confiscado pela polícia e sumiu.

Manoel havia pichado um monumento, com a inscrição “Viva o Comunismo”, e a polícia foi atrás do autor, em casa. A dona da pensão onde ele morava o defendeu, alegando que se tratava de um rapaz estudioso, pacato, que era até escritor, e mostrou o livro. Convencidos pela doce senhora, os policiais não prenderam o autor, mas levaram o manuscrito.

Seu primeiro livro de poesias foi editado, digamos assim, por amigos, que produziram 21 exemplares artesanalmente, em 1937. O título era “Poesias concebidas sem pecado”, que já revelavam sua verve de poeta ousado na forma e singelo no conteúdo, marcas de toda sua vasta obra.

Mas ele foi parcimonioso na sua produção artística. Era cuidadoso, meticuloso até, e por isso parecia escrever pouco, não fazia poesia por encomendas. E assim era em tudo na vida, mesmo nos estudos, pois foi obter o diploma de advogado só com 33 anos de idade.

Foi nesse período que sua vida mudou, a começar pela política. Após passar anos preso, o líder comunista foi posto em liberdade e fez um grande comício no Largo do Machado, no Rio. Manoel estava lá, ansioso pelo discurso. Era pleno Estado Novo de Getúlio Vargas.

“Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não aguentei. Sentei na calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente com o Partido e fui para o Pantanal”, contou ele, muitos anos depois.

Em verdade, não foi direto ao Pantanal. Seu pai havia se tornado grande fazendeiro, com forte influência política. Orgulhoso do filho advogado, já tinha combinado a criação de um cartório pra ele, mas Manoel não quis nem saber. Foi passar uns tempos viajando pela América Latina até parar por um ano nos .

Em Nova Iorque, estudou e artes plásticas, onde criou profunda admiração pelo japonês Akira Kurosawa, um mágico no trato com a imagem. Nessas artes, Manoel via a representação visual da poesia.

De volta ao , ele mudou também sua vida pessoal. No Rio, conheceu Stella, moça de tradicional família mineira, com quem se casou, a contragosto da parentalha dela, que via nele um sujeito desleixado, pé-rapado. Mas ela foi sua companheira pra sempre. Tiveram três filhos e sete netos.

O fato é que aí, já casado, Manoel de Barros voltou ao Pantanal e virou fazendeiro, criador de bois. Enfurnado nas grotas do Pantanal Sul-mato-grossense, passou a viver quieto, mas sempre vertendo poesia. Até ser descoberto, já na década de 1980, pelo escritor Millôr Fernandes, que o pôs na mídia.

Revelava assim um poeta múltiplo, de um vigor incomparável e um jeito muito próprio de compor seus versos. Por mais que queiram, críticos literários não conseguem carimbar nele um estilo. Veem na sua obra influência da Semana de 22 até do repentista nordestino ou do violeiro pantaneiro. Mas ele é apenas Manoel de Barros


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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