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Mensageira de Dandara

Mensageira de Dandara

Dandara, Dandara, transfere tua essência como exemplo às mulheres que se negam a lutar. (N´zmbi)…

Por Fátima Guedes

Há mais de trezentos anos, Dandara de Palmares provoca mulheres e homens em situação de escravidão a se libertarem de correntes visíveis, invisíveis; também instiga quem, independentemente da condição, não se apercebe escravizado/a.

Mas, sim. Quem foi Dandara?

Foi a valorosa Guerreira, mulher/companheira de Zumbi dos Palmares; líder revolucionária que lutou bravamente pela libertação definitiva de negras e negros escravizados no Brasil. Sustentara sua luta em objetivos que atingiam a raiz dos padrões de gênero impostos às mulheres. Sem dúvida, um dos fatores que a mantém invisibilizada e silenciada nos sistemas patriarcal, machista, capitalista, racista…

Em 6 de fevereiro de 1694, depois de presa, Dandara optou pelo suicídio, jogando-se do alto de uma pedreira para se libertar definitivamente da condição de escrava. Sua memória conserva-se viva e ativa na luta das mulheres por libertação e autonomia. Sob iluminação desta Guerreira da Liberdade, a Personagem que nos confia a narrativa a seguir, identifica-se Mensageira de Dandara…

A partir do momento em que conheci a história dessa valorosa Guerreira, reestruturei minha fêmea essencialidade rumo a libertação. Estou em luta. Entre a escravidão e a morte, opto pela segunda, conforme a herança libertária deixada por Dandara dos Palmares! Reconheço-me sua Mensageira contra quaisquer mecanismos de opressão a mim e à vida das mulheres. 

Vale rememorar o que já referendamos em outros relatos semelhantes: as mulheres, independentemente de classe, escolaridade, profissão, etnia, credo, não escapam às regras da opressão, do controle, enfim, da violência patriarcal. Com base em muitas vivências e escutas a Manas de diferentes classes sociais, reafirmamos: somente a autoconscientização do Ser mulher pode desenvolver ferramentas de empoderamento e efetivos desafios libertadores.

É no auge da dor que a Mulher/Mãe – Mensageira de Dandara – encarna as energias de Dandara dos Palmares. Naquele momento, escuta e colo foram as chaves mestras para fortalecer seus propósitos de libertação das correntes estruturais de uma relação conjugal escravizante…

Esta história começa em 2013, quando conheci Femício, o pai do meu filho. Era divorciada e tinha uma filha de três anos, do primeiro casamentoO relacionamento com Femício aconteceu de forma inesperada; na verdade, não chegamos a namorar, conforme o padrão comum. Ele foi entrando em minha vida extremamente dedicado a mim, a minha filha, à casa… Enfim, atraída por esse perfil quase que incomum, em pouco tempo, já estávamos morando juntos e vivendo como família.

Em 2014, seguindo o plano de afastamentos da universidade em que trabalho, deveria dedicar-me exclusivamente por quatro anos a um curso de doutorado; assim, em comum acordo, escolhemos Florianópolis. A empolgação fora contagiante: passávamos horas escolhendo casas, bairros e um curso de graduação para ele que manifestava o desejo de cursar engenharia. Tão logo saiu o resultado do meu curso, ele agilizou sua transferência para Florianópolis. 

No entanto, dominado por dúvidas e imaginárias limitações relativas ao futuro regresso a Parintins, após quatro anos, desistiu de me acompanhar. Contrariada, mudei-me sozinha. Rápido, as brigas iniciaram. Manifestara-se aí o verdadeiro perfil: extremamente controlador; sequer admitia uma boa convivência entre mim e o pai da minha filha; logo, utilizou-se deste tema para os constantes conflitos entre nós. Duas semanas após minha chegada a Florianópolis, veio me visitar, externando romantismo, fazendo promessas… Entregue ao êxtase seducionista, engravidei.

Os meses seguintes foram marcados por tristeza, solidão e depressão. Sem mais nem menos, ele terminava o relacionamento por mensagem de texto e sumia. Em seguida, avisava que viria me visitar como se nada tivesse acontecido. Usava meu carro, dormia na minha cama, tirava fotos comigo, publicava no Facebook, inclusive fez questão, tanto na gravidez quanto no pós parto, de fazer um álbum com fotógrafo profissional, e, claro, publicou as fotos nas redes sociais. Nos bastidores, no entanto, a vida não era nada daquilo. Cheguei fazer acompanhamento psicológico.

A doula, a psicóloga e a ginecologista que me acompanhavam concordavam que aquela situação não era boa, mas me deixavam à vontade para decidir o andamento da relação após o parto. A sensação era de uma gestação roubada, mas sem forças para terminar a relação; o padrão protecionista de amparo e acompanhamento na gestação e no parto internalizado em nós é algo muito latente na vida das mulheres.

Já no oitavo mês de gestação, enviei a ele uma passagem para que ficasse comigo alguns dias. Um dia antes da partida ao meu encontro ele desmarcou justificando que um de seus supervisores faria visita ao banco, na cidade de Juruti, no Pará. Descobri que era mentira. Na verdade, ele tinha uma namorada naquela cidade e, por este motivo, desistiu de vir ao meu encontro. Em outra oportunidade, remarcou a passagem e chegando a Florianópolis não perdeu a oportunidade de novamente me humilhar, dizendo que tinha nojo de mulher grávida, além de outras humilhações que só deram trégua às vésperas do parto, em cujo período esteve presente o que me deixou muito contente.

Tão logo retornou a Parintins, convidou-me para ficar com ele em sua cidade, no interior do Amazonas, até o reinício do período letivo. Aceitei. Fazia vinte dias da cesariana. Assim mesmo, embarquei com o bebê. Ali chegando, não havia nenhuma estrutura para nos receber (neste período, ele morava com a avó). Corri atrás de apoio, emprestei um colchão de casal do meu ex-marido e fiquei hospedada na casa de um casal de amigos. Da parte dele, total indiferença; nenhuma ajuda.

No dia em que o bebê completou um mês, ele viajou e ainda me forçou a fazer uma festa de aniversário para o bebê. Mesmo contrariada, cediEm julho, do mesmo ano, uns amigos viajaram e me ofereceram a casa para que eu pudesse ter mais privacidade com as crianças e mesmo com o então companheiro. Dois dias com ele e eu já não aguentava mais. Transformou-me numa verdadeira serviçal; num governanta gratuita. Queria tudo na mão…

Aquele companheiro zeloso que me acompanhou por um ano, quando eu tinha minha casa, não existia mais.  Eu não mais saía de casa, a menos que fosse para buscá-lo, de madrugada, no porto da cidade, vindo de suas viagens. Tornou-se totalmente omisso em relação ao compartilhamento das funções paternas. Nunca levantara de madrugada para me ajudar com o bebê. Eu estava sem total apoio e extremamente exausta.

Um dos objetivos da luta de Dandara dos Palmares consistia em compartilhar sua essência libertária com mulheres escravizadas; também com aquelas que não se apercebem escravas e, em consequência, se negam lutar por emancipação. A questão da escravização não atinge apenas mulheres em situações de vulnerabilidade socioeconômica e/ou intelectual. O conflito é milenar e encontra-se na matriz dos determinismos patriarcais de gênero, assimilados inconscientemente pela grande maioria de mulheres…

Saturada de tanta humilhação, de tanta exploração, criei coragem e gentilmente pedi que encerrássemos o relacionamento. Sugeri que fôssemos amigos; que ele voltasse para a casa da avó… Silenciou. Após três dias, era meu aniversário. Imaginem! … Ele fez uma senhora festa e, após os convidados se retirarem, pediu-me em casamento. Tudo isso, como se nossa relação fosse perfeita. Encheu-me de promessas, dizendo que mudaria, que tudo seria diferente…

Voltei para Florianópolis com aliança no dedo e com a ideia fixa de terminar as disciplinas, voltar para o interior do Amazonas e realizar o anunciado casamento: nas palavras de Femício – “unir a família”. Nesse meio tempo, a mãe dele veio ao meu encontro em Florianópolis e ficamos muito amigas: ela me ajudava com as crianças e com os planos de mudança. Em dezembro, entreguei o apartamento. No domingo anterior, ele disse: “- Esse é o último final de semana que passarei sozinho; semana que vem vou ter minha família de volta”. Vibrei! Investi alto na mudança de planos. Gastos além do planejado.

Paguei multa pelo contrato do apartamento, pintura do imóvel… Vendi meu carro a um preço bem abaixo da tabela, uma vez que a mudança seria imediata. Paguei transporte das caixas de livros e pertences pelo correio; arquei com os custos das minhas passagens, das passagens das crianças, da “sogra” e, claro, do excesso de bagagem. Na época, junto ao advogado que me acompanhou, conforme as notas fiscais, os gastos ultrapassaram dez mil reais.

Cheguei em Parintins, dia 13 de dezembro, pela manhã. Em menos de uma hora de desembarque, soube que não haveria mais casamento; ele já estava envolvido num outro relacionamento. Os dias que se seguiram foram de tortura: sem casa, sem apoio de parentes, sem recursos financeiros que me garantissem voltar a Florianópolis e com ele, hora voltando e hora terminando… Esse tipo de dependência afetiva, muito presente na maioria de nós, mulheres, transforma-se em doença.

Daí, decidi voltar para o meu estado de origem – São Paulo (uma vez que estava sem recursos financeiros e sem perspectivas que me garantissem um retorno a Florianópolis). Neste meio tempo, novamente conversamos e decidi voltar a Parintins para comemorar o aniversário do meu filho e resolver as coisas com Femício definitivamente.

Neste mesmo dia, ele voltou pra casa. Ali, já mobiliada, arrumada e claro, sem qualquer ônus financeiro para ele. Disse-me com maestria teatral que havia terminado o relacionamento paralelo – o que claramente era mentira, além de manter outros relacionamentos extraconjugais. Como se não bastasse, um dia, o oficial de justiça vem a minha porta: Femício estava pedindo o ajuste da guarda. Neste momento, percebi que cai em mais um golpe. Ainda tentei conversar amigavelmente com ele: “- Que é isso? Moramos juntos, como você pode pedir ajuste de guarda?” Ele se esquivava e, poucos dias antes da audiência, saiu de casa.

Entrei em prantos na sala de conciliação. Assinei o que pediram, e ficou acordado que a guarda seria minha (o pai não quis guarda compartilhada): quartas e quintas ele teria direito de visitar e os finais de semana seriam alternados. Poucos dias depois, o encontrei com a namorada, no mercado da cidade. Na hora, ele disse que ficaria comigo; que priorizaria a família e que tudo daria certo. Protestei: “- Não! Chega!” Terminamos. Em menos de duas semanas, ele reaparece em casa.

Com ares impositivos e autoritários, diz que quer a família dele; que não vai abrir mão de nós. Aleguei que já não confiava nele e que suas palavras já não me convenciam de nada. Nisso, ele sentou-se em frente ao computador e comprou as passagens para que, nas férias, fôssemos em família para o Ceará. Mais uma vez, caí no golpe. Às vésperas da viagem, ele teve um rompante e sumiu. Chorei muito e “minha sogra” me consolava pra eu não me preocupar; que eu deveria encontrá-lo em Manaus, conforme o planejado. Chegando em Manaus, mais humilhação: na frente de toda a família, ele disse que não iria. Obriguei-o a levar nosso filho, uma vez que a separação era entre nós, não dele com a criança, e que não havia motivos para se negar.

Em dezembro, ele voltou a nossa casa, mas só durou um dia. Ao que eu soube, foi morar com a nova namorada. Fui até lá e, possuída de raiva, vergonha e humilhação, o desmascarei na frente da moça. Deste dia, guardo um arrependimento: cheguei a ofendê-la com palavras. Cinco meses depois, a mesma moça veio pedir-me perdão e desabafar outras monstruosidades sobre o pai do meu filho; coisas que, até então, desconhecia.

Nisso tudo, descobri que os dois já estavam juntos antes do meu retorno a Parintins. Durante esse período, ele tentou convencer as pessoas de que eu estava desequilibrada: motivação para pedir ao pai da moça autorização para namorá-la. Era a razão por que não poderia andar comigo em público na cidade. Espalhava na cidade que não tinha nada comigo, mesmo enquanto morávamos juntos. E claro, quando terminou com ela, em um outro jogo de traição, também a acusou de louca.

Em 2017, ele tomou ciência de que eu colocaria nosso filho na escola. Paguei matrícula, uniformes, livros, mensalidades… Quando iniciaram as aulas, ele decidiu que a criança não estudasse; que era cedo para colocá-lo na escola. Indignei-me! Considere-se: não tenho parentes em Parintins; dependo de terceiros para estudar, trabalhar, e o pai do meu filho resolve interferir de forma abusiva, depois de tudo acordado? … Os dias subsequentes foram um tormento.

Recorri ao Conselho Tutelar que me orientou a não autorizar a visita no horário da aula; no entanto, para amenizar as brigas, volto a ceder. A “minha sogra” se ofereceu para cuidar do neto em minha casa, para que eu desse conta dos meus compromissos. Ela tinha a chave de casa: chegava e saía a qualquer momento com muita intimidade. Como Femício não falava comigo, ela assumiu todas as responsabilidades. Todas as decisões eram feitas em conjunto. No aniversário de dois anos da criança, Femício não compareceu. Arquei com todos os custos sozinha; a família dele toda lá, envergonhada…

No final do mesmo ano, fiz um acordo no trabalho para unir os períodos de férias e ficar todo o recesso entre São Paulo e Florianópolis para terminar a tese. Tudo organizado, família toda mudando planos para me ajudar na empreitada. Dias antes da viagem, nova visita do oficial de justiça. Dessa vez, Femício alegava que eu não cumprira o acordo de visitas. Juntei provas e testemunhas, mas o que me preocupava era a iminência da viagem. Uma tarde, em casa, ouvi “minha sogra” falando no viva-voz com Femício: “- Você não vai atrapalhar a viagem da mãe do seu filho pra Florianópolis, né?”.

Em resposta: “- Fica tranquila, velha! Ela vai viajar com ele, sim!”. A família alegava que a ação judicial, em questão, era um processo antigo, movido na época em que ele não concordava que a criança fosse pra escola… Daí, mais uma surpresa: Femício anexara ao processo uma intimação em que eu não compareci, no entanto, eu sequer tinha ficado sabendo da tal intimação e a assinatura constante naquele documento não era minha. Fiz um boletim de ocorrência e me armei.

No dia da audiência, levei toda a documentação e testemunhas. Ao ser interrogado, Femício se manifestou alegando que eu, na verdade, queria impedi-lo de visitar o próprio filho; que ele só queria a guarda compartilhada; alegou ainda que não havia levado o filho nas férias em família, num passeio à praia, por estar sem falar comigo.  Contra argumentei. Na época, questionei “minha sogra” por ele não ter levado o próprio filho, considerando que havia levado o enteado. Em resposta, ela me disse que a alegação dele era falta de dinheiro. A juíza deu por encerrada a audiência, afirmando que ele tramitara o documento de forma errada e, portanto, iniciaria um novo processo. Assim posto, ele argumenta: “- E a viagem que ela vai fazer com meu filho, que nem estou sabendo?”. A resposta da juíza caiu como uma pedra sobre mim: eu deveria tramitar uma solicitação de viagem…

A viagem era no dia seguinte. Questionei o advogado que me pediu calma. Saímos da audiência e ele retornou para avisar da brevidade da viagem, o que a juíza interpretou como uma ação de má fé. Não adiantou a manifestação favorável do ministério público, argumentando que, sequer se faz necessário a uma mãe pedir autorização de viagem em território nacional. Cheguei no aeroporto e fui impedida de viajar com meu filho. Exposta aos olhares curiosos, eu e meus filhos choramos. O avô paterno foi buscar Femício, que chegou perguntando o que deveria fazer para “desfazer o mal-entendido”.

Ainda teve a audácia de perguntar aos policiais presentes se ele poderia ser penalizado em autorizar a minha viagem com a criança. Em acordo com meu advogado, Femício se comprometeu embarcar a criança sob guarda da “minha sogra” cuja passagem havia sido marcada, no mesmo dia, para Manaus. Nessas circunstâncias, embarquei com minha filha que ia passar férias com o pai. Chegando em Manaus começaram as “surpresas”: meu advogado ligou, avisando que Femício faria o documento desde que eu arcasse com os gastos de passagens aéreas, pois ele estava sem condições financeiras. Embora o advogado achasse injusto, argumentei: “- Desde que ele assinasse, eu arcaria com as despesas”.

Ao chegar em Campinas, já pela manhã, um novo, mas não surpreendente desfecho: o advogado escrevera durante toda a noite o pedido de liminar, foi ao Fórum no horário combinado, mas o pai do meu filho não compareceu. Após várias ligações, chega ao Fórum desconversando. Ao ser questionado, responde que não vai assinar o pedido de liminar por temer punição, haja vista, ter mentido que não sabia da viagem. Os meses seguintes também foram de constantes sabotagens. Não queria que o menino estudasse; não aceitava os exames médicos solicitados pela fonoaudióloga que tratava a criança. Eu sequer pude sair da cidade para fazer os exames do meu filho…

Em março de 2018, recebo por e-mail uma mensagem de Femício dizendo que passará duas semanas com ele de férias em outro estado; apenas para informar. Enviei a ele um e-mail de teor parecido, uma vez que defendo o doutorado, e meu filho não vê os parentes maternos há mais de dois anos…  A resposta dele: “- Se você conseguir destravar judicialmente a proibição de sair da cidade com meu filho, não me oponho”.

Esta é a situação em que vivo hoje: moro em uma cidade sem acesso terrestre. Não posso viajar com meu filho para fora do Amazonas, mesmo que eu seja paulista, ele catarinense e com meus familiares por lá. Estamos literalmente presos numa Ilha. Resta-me, por fim, pedir Socorro a quem se sensibilize com a dor de uma mulher/mãe cujo filho lhe é tirado impiedosamente. Preciso de apoio…

Seguindo as trilhas problematizadoras de Dandara dos Palmares, nossa Personagem, enfim, percebe-se escrava dos padrões patriarcalistas, machistas, racistas, impostos às mulheres indistintamente. De posse dessa percepção, a Mensageira de Dandara lança-se destemida sobre abismos misóginos vislumbrando possibilidades, ainda que indefinidas. Libertação é sua meta. Nesse salto libertador, olha ao redor e deixa seu recado a outras Manas, provavelmente, em situações semelhantes…

Admito: aceitei um relacionamento abusivo por acreditar, conforme as regras machistas cristalizadas em nossa fêmea subjetividade, que não daria conta sozinha de uma família, do trabalho e do estudo. Pagamos preço caro quando nos deixamos seduzir por tais fantasias. Hoje, porém, acordo do pesadelo e me assumo protagonista de minha história, de minha vida; descubro meu valor humano e forjo passagens… O mundo me abre as portas; experimento o sabor da harmonia e da felicidade em minha casa, em minha vida. Recomendo a todas, mesmo àquelas que se pensam nossas adversárias: ter amigos, família, e/ou uma rede de apoio é tudo o que precisamos, quando os açoites do cativeiro social se impõem a nós sem nenhum respeito. Contem comigo. Contem conosco.

Clamores por Quilombos

Era nos Quilombos que homens e mulheres escravizados/as se refugiavam e, a partir de laços solidários, empoderavam-se e enfrentavam a tirania das senzalas. Trezentos anos depois, contra nossos medos, angústias e silêncios, Dandara de Palmares nos inspira com anúncios provocadores de libertação e aponta desafios – Quilombos Feministas??? Acolhido o desafio, apoio e solidariedade, certamente, tecerão os Nós que nos identificam para um efetivo enfrentamento aos cativeiros existenciais e institucionais.

Nessa perspectiva, Mensageira de Dandara já não estará sozinha. O clamor por Socorro ao direito materno filial violentado, sem dúvidas, encontrará justo acolhimento; ao mesmo tempo, provocará Manas no sentido da estruturação de nossos Quilombos.  O clamor da Mensageira também vai ao encontro do exercício pleno da maternidade – muito além do ato de parir: entre mãe e filho/a, íntimas cumplicidades; laços indeléveis de amorosidade, cuidados… Memórias afetivas que se sobrepõem a conflitos e arbitrariedades sistêmicas. O exercício maternal configura-se ainda como base sócio afetiva para um desenvolvimento humanizante.

Expostos os fatos, faz-se necessária convergência de forças feministas por espaços e redes de apoios a mulheres vitimadas; por atenção jurídica com mais escutas, colos e menos protos; por debates públicos tematizando-se liberdade, autonomia, empoderamento e, ao mesmo tempo, denunciando-se silenciamentos institucionais.

Quilombo Feminista a caminho…

 

Femício – Nome fictício

A ilustração que abre este artigo é de Dandara, do site Geledés.

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta, e Militante da Marcha Mundial das Mulheres. Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia e Algemas Silenciadas.

 

 

Fonte desta matéria: Amazônia Real 

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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