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MeRcenas: A casta de Brasília que atravanca o país

MeRcenas: A casta de que atravanca o país

Quem foram os Mecenas sabemos todos. Aqueles senhores ricos e poderosos que financiavam produções artísticas, durante os séculos XV e XVI. É fato que possivelmente o financiamento se dava menos por boa fé e bom gosto e mais pelo interesse em prestígio e títulos de nobreza, mas, de todo modo, os Mecenas foram importantes para o Renascimento cultural.

Poucos sabem, no entanto,  que há em Brasília uma casta parônima: os MeRcenas. Em comum com os burgueses europeus, tão somente a busca por prestígio e títulos de nobreza, porque os modos de atuação e os resultados sociais que provocam são muito distintos, para não dizer nefastos.

Os MeRcenas são integrantes de um grupo da alta Administração Pública Federal brasileira, cujo objetivo maior é a obtenção de prestígio e o enriquecimento. Caracterizam-se por não se importarem com o da população e não cultivarem nenhum tipo de coerência ou ideológica.

Observe que não falei em partidarismo, mas em visão política. Eles não são de direita, não são de e tampouco estão ao centro: são do governo de plantão e a ele atuam fiéis para manter o poder. Gostam de funções altas, participação em conselhos de estatais e outras cositas que permitem o salário passar do teto constitucional. Quando percebem que um governo está prestes a acabar ou vai cair, rapidamente mexem seus pauzinhos para seguirem bem, ou melhor, num próximo. E pra isso fazem de um tudo!

MeRcenas não têm limites éticos.  Comumente são servidores concursados, do sexo masculino, que gostam de frequentar restaurantes chiques e praticar a sedução como demonstração de poder.  Em resumo: são os mercenários da Administração Pública Federal brasileira.

Não é fácil identificar um MeRcenas, mas há três dicas válidas.  Primeiro, eles cultivam um apego profundo ao tal do bottom. Ah, você não sabe o que é bottom? Vou lhe explicar: bottom é um brochinho criado para identificar, entre os funcionários públicos, os que ocupam posições de poder.  Quem usa o brochinho pode, por exemplo, usar a portaria privativa dos Ministérios. Legal, né?

Bem, em vários contextos é quase uma obrigação usar e muita gente boa o utiliza, de maneira que o simples uso do bottom não é o suficiente para diferenciar um MeRcenas de um cara gente boa e comprometido com o . Mas as circunstâncias nas quais o bottom é utilizado ajudam na identificação.

Os MeRcenas adoram ostentá-lo por bares e restaurantes caros no fim do expediente de sexta-feira. O trabalho acabou, ele não vai mais pegar o elevador privativo, mas tá lá, com o diabo do brochinho plantado no paletó. Se você questioná-lo sobre por que não tira o bottom, ele rapidamente responderá: é porque tenho medo de perder. E a resposta está completamente certa. Só que o objeto de medo da perda não é o broche, mas o poder com o qual ele se sente investido quando usa essa minúscula insígnia de status.

A segunda é pelo papo: os MeRcenas adoram longos papos sobre trabalho que demonstrem sua relação íntima com o poder. Aí, cara, ontem você não foi ao jantar do Meirelles? Ficamos lá te esperando! – dirá um MeRcenas típico, muito possivelmente perto de uma garota bonita e jovem pra quem ele quer, feito um ganso, se amostrar.

A terceira é pelo olhar. Eles invariavelmente têm olhos opacos, sem vestígio de brilho. Fixe um MeRcenas nos olhos por 10 segundos e você será tomado por uma sensação de vazio existencial profundo, de superficialidade e solidão. Você quase sentirá pena, mas eu lhe digo que não sinta.

A tristeza ali embutida foi pura escolha, uma opção racional pela mediocridade de caráter. Entre carros oficiais, reuniões dispensáveis e conversas fúteis em jantares caros, deixam eles de estar atentos aos famintos, aos miseráveis e aos milhares que morrem, diariamente, de . E, feito quem não se importa que o País vá à idade das trevas, perambulam pela cidade murchando a luz do , com seus olhos nublados de poder.

Letícia Bartholo
Socióloga e escrevinhadora. Gosta de olhos que
brilham.

Arte: Daniel PXeira. Sociólogo e rabiscador.
Sempre desprezou bottons


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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