É a mobilidade, estúpido!

É a mobilidade, estúpido!

O título acima imita o bordão criado por James Carville (“É a economia, estúpido!”), que na campanha presidencial dos EUA de 1992 redirecionou o debate eleitoral para o que de fato era importante aos norte-americanos naquele momento.

A essência da frase é perfeitamente cabível quando tratamos da qualidade da mobilidade social nas cidades brasileiras. O tema tem sido debatido ao longo dos últimos 20 anos de maneira intensa; a produção acadêmica não cessa a respeito; o terceiro setor se desdobra em intermináveis eventos carregados de moções, resoluções, deliberações…, e há uma extraordinária máquina de produzir leis, nas três esferas de governo, cuja abrangência e qualidade são de fazer inveja a qualquer política pública exitosa adotada por países europeus, não obstante a baixa efetividade na sua gestão.

No entanto, de concreto mesmo no Brasil, temos dois institutos legais que se entrecruzam permanentemente, mas batem cabeção quando a questão enseja iniciativas articuladas: o Código de Trânsito Brasileiro/CTB, vigente desde 1998, e a Política Nacional de Mobilidade Urbana/PNMU, mais recente, de 2012.

O que ambas têm em comum? Amobilidade social como objeto-fim. E o que pega na qualidade do serviço? A desarticulação entre a gestão de ambos, que além de tudo conflita, em boa proporção, com as políticas de uso e ocupação do solo das cidades preceituadas nos Planos Diretores das cidades.

Já passa da hora de rever a ingenuidade de tratar essa questão de forma isolada, como se trânsito e mobilidade fossem duas grandezas distintas. Especialmente no momento em que a elas se agrega um novo marco regulatório: o Estatuto da Metrópole que chega em 2015 com o gás todo pedindo Planos de Desenvolvimento Urbano Integrados para as dezenas de Regiões Metropolitanas brasileiras.

Com mais este conjunto de diretrizes e formalidades, estabelece-se novo “samba-do-crioulo-doido” carregado de boas intenções, mas que aponta para a inauguração de insuperáveis interesses envolvendo políticas regionais e as autônomas políticas locais de mobilidade urbana, dentre outras de interesse comum.

O problema é a mobilidade, estúpido!, diriam os mais pragmáticos, como este escrevinhador.

Há tempo, contudo, para corrigir rumos e redirecionar a legislação, a começar da indispensável fusão dos postulados que tratam deste problema comum a todos os municípios conurbados e projetar para somente um ambiente, o metropolitano, a gestão de suas políticas públicas de mobilidade.

Trânsito, transporte, acessibilidade e uso do solo são temas convergentes comuns que designam um conjunto articulado e não podem ser tratados de forma isolada como se a cada município pertencesse de forma desconectada dos demais. Se não no ambiente metropolitano, o mesmo raciocínio caberia na escala municipal não conurbada, posto que aqui também essas dinâmicas urbanas são igualmente convergentes.

O que não é possível é manter o atual desenho institucional que trata da mobilidade social das cidades, onde dezenas de órgãos coexistem com atribuições complementares ou semelhantes ou simplesmente sobrepostas. Além da enorme e dispendiosa burocracia que se cria é fato o choque de interesses ocorrido em razão de diferentes conceitos percebidos e adotados por seus tecnocratas igualmente distribuídos nestes diferentes órgãos de distintos municípios.

O acúmulo de problemas colacionados nas atuais e enormes estruturas administrativas municipais ou metropolitanas requer dos legisladores o esforço de reter a estéril difusão de leis ora experimentadas que resultam em pouca efetividade.

Faz-se necessário construir um somente marco regulatório cabível nos dois ambientes possíveis, o metropolitano e o municipal. Seja em razão da multiplicidade atual de leis convergentes pecar por excesso de cláusulas que se sobrepõem umas às outras, seja pelo fato destas se distribuírem em jurisdições autônomas distintas.

Na contramão da racionalidade, o Brasil, por seus legisladores e gestores públicos, continua a dar exemplos exóticos no enfrentamento de seus problemas de trânsito, transporte, acessibilidade e uso do solo ao insistir em tratá-los de forma fragmentada e diluída, na legislação e na gestão, como se distintos fossem diante da única, comum e fundamental questão: a mobilidade social.

Eis, o que importa e reclama o tema!