Sou moderno… Sou Ashaninka… Sou Puri… Sou Krenak… Sou Índio!

Sou moderno… Sou Ashaninka… Sou Tukano… Sou Puri… Sou Manchineri… Sou Munduruku… Sou Guajajara… Sou Tupinambá… Sou Krenak… Sou Índio! 

Voltada já alguns meses ao tratamento de minha saúde, que andou me avisando que precisava de cuidados, deu saudade de escrever. E escrever para mim é como uma reza forte. É como deixar escorrer pelas pontas dos dedos as dores, as certezas e muitas dúvidas, as ideias, os sonhos, as alegrias, as reflexões da alma.

Em dezembro de 2016, minha vida parou. Recebi um exame com um diagnóstico-bomba: um câncer de colo de útero. Pensei: – Puxa vida! E eu que sempre fiz tudo tão direitinho! Sempre me cuidei e achei que estava protegida com minha saúde invejável! – Amargo engano! Mas essa experiência me trouxe revelações nunca vividas, nem sentidas. No entanto esse é outro assunto. Qualquer dia desses escrevo sobre.

Retornando a quase “normalidade” da minha vidola, chegando ao final desse tratamento de efeitos colaterais que arrepiam a nossa alma, muitos assuntos que fazem parte da minha vida, do meu cotidiano foram fluindo… Como esse rio Acre… Robusto com suas águas de inverno amazônico. E papo de “índio” é o que não falta na minha vida!

E confesso meu amigo Jairo Lima que teu último no Crônicas Indigenistas, como tantos outros, mas esse de forma bem especial, me instigou, pois abordas um tema do qual eu venho tratando, embora numa outra perspectiva e em outra linguagem: Civilização desaparece? Não!

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Sou Moderno… Sou “índio”

Sou moderno… Sou Ashaninka… Sou Tukano…Sou Puri…Sou Manchineri…Sou Munduruku… Sou Guajajara… Sou Tupinambá… Sou Krenak… Somos tantos! Somos 305 povos falantes de 274 línguas, que vivem em diferentes regiões desse país chamado Brasil, onde falam apenas uma língua, e que não é a deles. Creio que chegou a hora desses “caras pálidas” enxergarem nossos parentes.

Difícil perspectiva nesse momento onde esse dito país mergulha em políticas cretinas, com as portas do agronegócio escancarado, e que cada vez mais vem massacrando, assassinando parentes, destruindo direitos dos Povos Indígenas já conquistados a custo de duras lutas, negando toda a sua existência.

Faz tempo que negam que os existem! Negam suas identidades…Suas culturas… Sua .

Negaram quando aqui chegaram pela primeira vez invadindo nossas terras e nos chamando de “índios…” E continuam chamando de “índios”. Um genérico que nada quer dizer, a não ser, que nada somos. Apenas um “amontoado de seres estranhos que vivem ocupando terras e bairros nas cidades e nada produzem. Seres que atrapalham o deste país varonil” Assim sempre foi!

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Assim, os Povos Originários são vistos por esses “caras pálidas” trambiqueiros – Sim, porque não consigo nem chamá-los de políticos – apoiados pelo poder midiático, que alimenta e reforça entre a sociedade brasileira, de uma maneira geral,  os vários clichês sobre os “Índios”, os quais refletem bem a visão estereotipada que esta sociedade, em pleno século XXI, ainda expressa em relação a esses Povos.

Uns expressam a visão que os Povos Indígenas são sociedades, que “naturalmente” (sic) estão fadados a extinção e por tanto não precisam de tanta . Outros acham que os “Índios” até têm direito sim, mas para “tanto”, para serem “merecedores” “têm que ser índios de verdade, têm que andar nus, têm que usar ‘mim’ no lugar de ‘eu’… Serem ingênuos e não terem acesso à tecnologia.”. Esses são alguns dos clichês que refletem essa visão estereotipada da sociedade brasileira

Essa visão também carrega preconceitos e outros equívocos, que são adotadas como referências e critérios para leigos definirem o que é, e o que deve ser um “índio de verdade”. Qualquer indígena saindo desse padrão é identificado como “um índio que perdeu suas raízes”.

Junto com meu amigo e um grande Txai – o cineasta Carlos Eduardo Magalhães – pensamos como contribuir efetivamente com mudanças possíveis dessas visões, e não ficarmos apenas escrevendo e lamentando uma realidade que querem nos enfiar goela a baixo. Pensamos então uma série para TV, com produção da produtora Lente Viva Filmes em parceria com a Cinebrasiltv e financiada pelo Fundo Setorial Prodav 02. Elaborada por uma equipe de indígenas e não indígenas, que revela o “índio contemporâneo”, que ajudam de diferentes formas e em distintos contextos, na desconstrução desses paradigmas fabricados, e hoje reforçado por uma anti-indígena.

Esses personagens indígenas também lideram movimentos e participam ativamente do cotidiano urbano, e que ajudam a estabelecer novas relações entre seu povo de origem e a sociedade ocidental.

Nem todos os Povos Indígenas habitam a Amazônia, embora a maioria esteja concentrada nesta região.

A cidade de São Paulo, por exemplo, e creio que a maior parte da população dessa cidade não tem esse conhecimento, abriga uma população indígena considerada a quarta maior em número de concentração indígena contemporânea urbana. São 12.977 índios vivendo na “selva de pedra”, segundo o censo do IBGE/2010

 

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Os principais motivos que levam esses indígenas as cidades e arredores é a busca de “melhores condições de vida: emprego, para os filhos, tratamento da saúde…” Ou ainda quando os limites das cidades alcançam as fronteiras de seus territórios e o contato é mais freqüente e inevitável, o que os torna mais vulneráveis aos clichês racistas e preconceituosos, sem nenhuma chance de oportunidades e dependentes da sociedade ocidental.

Essa população indígena contemporânea urbana já comporia um documentário em si.

No entanto, a proposta da série “sou moderno, sou Índio” é ir além dessas fronteiras da miséria que atinge alguns povos indígenas, especialmente os que vivem nos limites das grandes metrópoles, como São Paulo, e que precisam de visibilidade e de soluções;

Mas o é também encontrar e documentar alguns personagens indígenas contemporâneos, homens e mulheres, sujeitos articuladores políticos, animadores culturais, atores, pesquisadores/Historiadores, comunicadores/cineastas ,escritores, músicos, curadores/Doutores da floresta, os quais lideram lutas e que além de terem trabalhos significativos através de linguagens, técnicas e tecnologias do mundo ocidental, transitam nesse universo conscientes de onde estão, onde querem chegar, e onde é o seu lugar de origem.

São personagens que transitam no mundo ocidental, mas que estão intimamente ligados, não só espiritualmente, mas fisicamente às suas origens, as suas tradições, a sua , e onde se abastecem de força, inspiração poder e motivação para o transito fora de seus territórios. Além de contribuírem definitivamente para a quebra desses paradigmas inicialmente citados.

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Elenco alguns desses personagens que farão parte da série: Eliana Potyguara – Escritora – ativista na luta pelos direitos indígenas- fundadora do GRUMIN rede de mulheres indígenas; Nilson Tuwe Huni Kui – Cineasta – documentários importantes sobre os isolados; Davi Yanomãmi… Líder político e representante do Povo Yanomãmi… Escritor…Conferencista…Pajé; Ailton Krenak – Articulador e líder político, escritor, conferencista, contador de histórias; Sonia Bone Guajajara- Articuladora política…Coordenadora da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Kamikia kisedje – cineasta Kisedje – participou com os parentes arara e juruna do projeto a Grande volta do Xingu; Ibã Sales – Pesquisador/ artista plástico/ professor/ Pajé – coordenador  do grupo MAHKU; Dua Busã – Doutor em plantas de cura (desenvolve escola de pajé na aldeia com jovens Hui Kui e realiza trabalhos de cura no eixo RJ/SP e em outros países. É um dos autores do da Cura, organizado pelo jardim Botânico e Editora Dantes; Haru Kutãnawa – Articulador político e cultural do seu povo. Maior incentivador do renascimento do povo Kuntãnawa; Banda de hip hop – Gurarany; Benki Pyiãko Ashaninka – Articulador político/Ambientalista (também realiza trabalhos de cura cm o camarãbi (cipó/daime);  Daiara Tukano – Articuladora política e membro da equipe da rádio Yandê; Hushahu Yawanwá – Pajé (trabalha na aldeia e em um centro de cura em Florianópolis. Tb realiza rituais em outros países);

Todos esses personagens serão guiados pelas freqüências da primeira rádio indígena brasileira, a rádio Yandê.

Sou Moderno Sou Índio, tem previsão de lançamento para o segundo semestre de 2018.

Haux Haux Haux.

ANOTE AÍ:

dede fot

Dedê Maia é indigenista acreana. Sua trajetória de vida mescla-se com a história do indigenismo acreano. Junto com grandes indigenistas como os Txais Terri e Antonio Macêdo ajudou a construir o que hoje chamamos “a história do Acre Indígena” . Mesmo desenvolvendo vários projetos diferentes em sua trajetória, sempre se destacou como incentivadora e apoiadora do processo de fortalecimento da cultura tradicional em sua expressão artística e material, sendo autora, coautora ou participante de um-sem número de projetos voltados à esta frente indigenista.

 As fotos desta matéria foram selecionadas por nosso grande parceiro Jairo Lima – cronicasindigenistas.blogspot.com.br e são da autoria de:
Foto 1: Biraci Junior Yawanawá – Foto: Blog do Accioly
Foto 2: Daiara Tukano – Foto: Renata Humann
Foto 3 – Ibã Huni Kuin – Foto: MAHKU
Foto 4: Raial Orotu Puri – Foto: Carol Mira

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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