Museu da Escravidão e da Liberdade recebe primeiro objeto do acervo

Museu da Escravidão e da Liberdade recebe primeiro objeto do acervo

A 21 de março deste ano da graça de 2017,  Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, na cidade do Rio de Janeiro, vestidas de branco e entoando cânticos rituais, as chamadas  “baianas do abarajé”  aspergiram e benzeram o primeiro objeto doado para o acervo do Museu da Escravidão e da Liberdade (MEL): um cadeado da época colonial.

A doação do cadeado de ferro, utilizado por escravos na senzala de uma fazenda de café no município de Vassouras (RJ), marcou o início do trabalho para instituir o museu, que tem prazo de 40 meses para ser implantado.  A peça histórica foi entregue à Secretaria Municipal de Cultura do Rio pelo restaurador Marconi Andrade, integrante do Conselho Municipal de Cultura.

 um cadeado de ferro utilizado em senzala localizada numa fazend
Foto: O cadeado de ferro era  utilizado em uma senzala numa fazenda de café Tânia Rêgo/EBC

Segundo a coordenadora do futuro MEL, Cristina Lodi, um grupo de trabalho formado por órgãos da prefeitura foi instituído para levantar o que já existe em cada pasta municipal e que possa ser incorporado ao museu. Lodi informa que, nos próximos dois meses, o grupo deve definir o local em que o museu será instalado.

Espaços na zona portuária do Rio estão em análise, para que a unidade integre o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que tem como um dos principais pontos o histórico Cais do Valongo. Redescoberto nas obras de revitalização da zona portuária e candidato a se tornar patrimônio da humanidade, o cais recebeu cerca de 500 mil dos 2 milhões de africanos trazidos à força para o Rio de Janeiro.

Fio condutor

Dentro de três meses, o grupo planeja realizar uma oficina de três dias com representantes do movimento negro, para ouvir ideias de como deve  ser o acervo e a proposta do museu. A partir dessa oficina, será constituído um conselho consultivo que vai participar da construção do fio condutor do projeto.

“A gente está em um processo de escuta contínua, A gente não bate o pé em nenhuma questão. [Ouvimos] sugestões e nomes provisórios, para partir de algum lugar, debater e tentar um consenso. Se ele existir, maravilhoso”, disse Cristina Lodi.

A proposta de criar o Museu da Escravidão foi alvo de críticas ao ser divulgada no início do ano. Uma das que ganharam mais eco foi a do compositor e pesquisador negro Nei Lopes, que afirmou que o resgate da escravidão é lesivo à autoestima da população negra.

A escravidão no país, argumentou o compositor nas redes sociais, deveria ser lembrada apenas “por ter legado ao Brasil e ao mundo um inestimável patrimônio cultural, expresso em novas e instigantes formas de pensar, agir, trabalhar, criar, produzir, viver enfim. Em vez de um museu da escravidão, muito melhor seria projetar um museu da herança africana”, disse Lopes, que afirmou ter se manifestado para chamar a atenção para a “impropriedade da iniciativa”.

Diretrizes da sociedade

A secretária municipal de Cultura, Nilcemar Nogueira, disse que um grupo constituído na oficina a ser realizada para ouvir ideias de como deve ser o museu vai participar da decisão do peso que terão a memória da escravidão e a herança cultural africana.

“Tais anseios serão respondidos pouco a pouco nessas etapas. Na primeira etapa [da oficina], minha escuta é do povo negro. Sem desprezar nenhuma das pesquisas existentes. A instalação de um conselho será em um segundo momento. As diretrizes serão dadas pela sociedade.”

Neta de Cartola e dona Zica, baluartes da Escola de Samba Mangueira, Nilcemar disse que o museu fará “emergir memórias subterrâneas”, que ajudarão a explicar a desigualdade racial no Brasil. “É inegável que muitos grilhões permanecem em nosso inconsciente coletivo.”

Segundo Nilcemar, a criação do MEL é uma oportunidade de “celebrar um Brasil culturalmente rico, valorizando as conquistas do povo negro e as contribuições da cultura de matriz africana. [Servirá ainda para] refletir sobre as influências de nosso passado escravocrata na situação de exclusão social na qual ainda vive uma parte dos afrobrasileiros”.

Museu da escravidão

Foto:  Museu da Escravidão – Primeiro objeto doado ao futuro museu é um cadeado da época colonial, Tânia Rêgo/EBC

Fonte: EBC

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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