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Nas águas da esperança

Nas águas da esperança

As águas de março fecham o verão, contudo é impossível demarcar com precisão o movimento das estações, diante da intensificação dos eventos climáticos, os quais avançam e modificam o nosso cotidiano, ora com chuvas intensas, ora com seca, frio e calor extremos, devastando continentes. 

Por Maria Félix 

Eventos esses que muitos fingem não ver, em nome da acumulação de riquezas, tendo como argumento o conceito bíblico medieval de que o homem pode usufruir e devastar a terra ao seu capricho, sem se importar (até hoje) com as emissões de gases do efeito estufa, as secas agudas, os incêndios florestais e os cataclismos diluvianos a soterrar pessoas, quase sempre os mais pobres, subjugados em encostas de morros e à beira de precipícios e de garimpos ilegais. Na ponta dessa cadeia de sofrimento estão mulheres, crianças, indígenas, negros das periferias e de áreas de risco.  

A chuva, com sua força metafórica, vem refrescar nossa memória, especialmente quando, antes do sono, pingos esparramam-se pelo telhado. Quem se sente acalantado, embalado por agradáveis sons que nos remetem ao útero materno, onde tudo é paz, segurança e placidez? É assim que desejamos nos relacionar com a natureza, numa constante troca equilibrada, o que envolve cuidado, preservação, boa e serena colheita. 

Então, é preciso que entendamos o recado das águas, calmas e bravias, de que devemos retornar à trilha da naturalidade, do bem-querer, da consciência de que só um governo sensível, comprometido com as mais altas causas sociais, ambientais e humanas é capaz de cuidar da gente. Um governo que não incentive e nem promova ódio, brutalidade, exploração, caça às bruxas, feminicídio. 

Pois nesse mês dedicado às causas e lutas femininas constatamos que, sob o jugo de uma insensível extrema direita, contabilizamos números estarrecedores: “Só no primeiro semestre de 2022, quase 700 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, uma média de quatro por dia, sendo o maior número já registrado em um semestre”, de acordo com dados do portal G1.

Coincidentemente, o número de armas despejado no país triplicou nos últimos três anos, numa clara campanha de incitamento à morte.   Estávamos no início de uma barbárie sem fim, estancada nas urnas das eleições de outubro de 2022. 

Enfim, somos o resultado dos cálculos de nossas ações, da soma, da multiplicação e da subtração de várias coisas em nossas vidas. Depois das equações, sem menosprezar as incógnitas, podemos agradecer às grandezas universais, sobretudo ao tempo. 

Afinal, e graças a ele, chegamos em março de 2023 a um novo ciclo democrático e nós, mulheres, temos o que comemorar, pois voltou o tempo das águas da esperança, quando podemos lutar e reivindicar direitos (sem dar murro em ponta de faca) e vislumbrar dias melhores, com chuvas mais pacificadoras e belas estações.   

Maria Félix Fontele – Conselheira da Revista Xapuri, jornalista e escritora, autora dos livros Versos que me habitam (poemas) e O barulho, o silêncio e a solidão de Deus (crônicas), ambos pela Confraria do Vento Editora.

 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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