Nós, os primitivos, voltamos e somos milhões

Nós, os primitivos, voltamos e somos milhões

Por: Tierra

 

Fomos conduzidos ao pelourinho das palavras.

Ao açoite público sob a luz impiedosa da tarde.

Arrastados pelas ruas.

Atados às patas dos cavalos.

 

O sangue, o sal, a carne em postas,

Exposta ao sol para o horror dos :

a aterradora pedagogia do medo

gritando no alto dos postes da imensa Vila Rica.

 

De onde brota a sinistra raiz desse ódio?

Do édito

_ que não concebe a recusa.

Dos punhos de

_ que rejeitam a mão que a moenda mastigou.

Do senhor

_ que não tolera o gesto insubmisso.

Da voz

_ que arma a mão do feitor.

 

Essa que maneja a lava da palavra

e dissolve com seu os passos que cumprimos.

Sonham,  senhores e áulicos, nos converter em

cinzas

e nos lançar aos ventos definitivos.

 

Mas, dobramos a esquina e  nos recompomos

na voz de um peão

que ecoa a força dos séculos,

na pedra da praça e nos redime.

 

Sitiados pelo silêncio

– o silêncio aqui são os rios da palavra morta

ditada à diário sob os nossos olhos _

rompemos o submisso idioma do conformismo.

Invadimos a cercada e os espaços do mando.

 

Recriamos o espaço das ruas

(e das redes virtuais que a ordem não captura…)

carregamos pelas ruas a bandeira da .

Desafiamos o pelourinho.

Já não dobramos o dorso,

já não baixamos os olhos.

Com o coberto de cicatrizes,

portando no peito,

nos olhos a invencível vocação de mar,

nós, os primitivos,

voltamos e somos milhões.

 

  da Liberdade, em “A Estrela Imperfeita”, Fundação Perseu Abramo, 2014.

 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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