O Beijo Profano
Por Fabrício Carpinejar
Um vídeo de fevereiro, que se popularizou nas redes sociais recentemente, registra uma audiência do Dalai Lama, de 87 anos, com uma criança no norte da Índia.
Dalai Lama mostra a língua para o menino e faz um convite absurdo: “Você pode chupar a minha língua”.
O fã mirim recua desconcertado, pois só queria um abraço. Ficou até com nojo de um possível contato gosmento e inapropriado com a boca escancarada à sua frente.
Sua careta demonstra o quanto a admiração logo se transformou em medo.
É o mesmo que uma criança subir no colo do Papai Noel para fazer seu pedido de Natal e ser seduzida. Não vejo diferença nenhuma.
Trata-se de um adulto manipulando um ser indefeso, sem discernimento, sem capacidade de escolha, sem maturidade para reagir e se defender. É gesto de tarado usando o seu poder e influência para coagir e obter o que deseja.
Em uma nota, o líder espiritual chamou o ato de “inocente e brincalhão”. Não tenho certeza do que me assusta mais: a oferta sem vergonha ou a importunação naturalizada.
Você simplesmente não provoca uma criança de igual para igual. Existe uma fronteira intransponível de responsabilidade.
Mesmo que fosse uma prática tibetana de cumprimento, o que não é, Dalai Lama é um exemplo de pensamento e de reflexões para todas as culturas.
Não dá para admitir que uma figura pública de alcance mundial passe dos limites da decência, ainda que seja por impulso inconsequente de uma pretensa brincadeira.
A postura de Dalai Lama, no mínimo, é de uma infelicidade criminosa, pode virar um incentivo a pedófilos, uma licença para abusar da infância, uma autorização para justificar assédios intoleráveis, uma carta branca para a circulação indiscriminada de pornografia infantil a partir de montagens de fotos familiares.
Fabrício Carpinejar é Jornalista. Coluna publicada no jornal Zero Hora, @gzhdigital, Porto Alegre (RS), 11/4/2023. Matéria amplamente divulgada nas redes sociais. Nota da Redação: Optamos por não reproduzir o Dalai na capa da matéria. Em seu lugar, optamos por El Beso de Gustav Klimt. Quem sabe, assim, expressamos nossa indignação, sem contudo aumentar os algoritmos da figura.
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