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O braço armado do Estado está voltado para nós, negros e pobres

O braço armado do Estado está voltado para nós, negros e pobres

O braço armado do Estado está voltado para nós, negros e pobres

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) realizou audiência pública na última sexta-feira (21) para analisar e discutir as consequências da operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, ocorrida no início de maio e que terminou com 28 mortos. Recorde de óbitos em uma operação policial. Há denúncias de abuso, violência, tortura e execução sumária. Moradores afirmam que houve execução mesmo após a rendição…

Por Benedita da Silva via Assessoria de Comunicação da CLP

“Não justifica dizer que havia pessoas armadas. Não se mata alguém que diz “perdi” e estava desarmado. Disseram que era suspeitos. Se todos os suspeitos merecessem esse tipo de comportamento da polícia, imaginem a situação dos políticos. Morei 47 anos na favela e sei muito bem como essas intervenções acontecem. Não queremos morte de nenhum lado, mas o braço armado do Estado está voltado para nós, negros e pobres”, afirmou a deputada Benedita da Silva (PT-RJ).

A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), autora do pedido de realização da audiência pública, afirmou que a truculenta violência policial atinge o mesmo corpo, negro, periférico, vítima do desemprego, da fome, vítima da bala que chega muitas vezes pelas mãos do Estado. “Esse ciclo precisa ser interrompido, queremos propostas efetivas para parar de enxugar sangue”, exigiu.

E na avaliação do deputado Waldenor Pereira (PT-BA), presidente da CLP, “quando lideranças políticas como um governador, ou como um presidente, dizem que a política de segurança pública deve tolerar a morte, essas lideranças legitimam que forças de segurança ajam como bem entendem, com desvios e abusos”.

Relatos da tragédia
“Dia 6, logo cedo, começamos a receber as primeiras denúncias do que estava acontecendo no Jacarezinho. Era tudo tão absurdo, que fomos para o local. Foi estarrecedor, muito sangue em vários pontos, de corpos arrastados, casas e comércios destruídos. Pessoas traumatizadas, serviços de saúde e educação parados. O que aconteceu foi muito grave e não é um fato isolado, faz parte da história do Rio de Janeiro e só se intensifica. Temos um tenebroso passado pela frente”, relatou Guilherme Pimentel, ouvidor externo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

“Quando chegamos no Jacarezinho, vimos mulheres gritando por toda a comunidade. Mães e mulheres negras que tiveram a maternidade negada. Se não perdemos nossos filhos na hora de parir, por falta de exames e hospitais, ele pode acabar morto pela polícia. Favelado, preto e pobre nesse país não tem direito à segurança pública. A gente continua escravo, açoitado de forma genocida”, denunciou Monica Cunha, do Movimento Moleque, que teve o filho assassinado pelo Estado há 15 anos.

“Temos uma decisão do STF que impede operações policiais em favelas durante a pandemia. Por que não cumprem? Não temos educação, cultura, saneamento básico, saúde. Aqui só entra a polícia”, protestou Mattheus Gonçalves, da Associação de Moradores do Jacarezinho.

“A saúde mental dos moradores está muito afetada, as pessoas estão traumatizadas. Mães que enterraram seus filhos no Dias das Mães. Se não houver federalização das investigações, será mais uma chacina sem solução. Temos uma evolução sistemática, só que ao contrário, de todas as recomendações feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, no caso da chacina de Nova Brasília,” ressaltou Nadine Borges, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.

“São tantas dores, afetos interrompidos, relações rompidas por esses atos de violência e agressão. Pessoas que são rotuladas como bandidos e são retiradas da sua condição de pessoas. Depois de Jacarezinho já houve outras mortes. Agora, a polícia responsável pela chacina, não pode investigar a si mesma. Deve haver uma investigação independente e federal”, defendeu Luciano Marisma, da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

Operações violentas
“Todas as operações policiais no Rio de Janeiro violam direitos, são casos de abuso sexual, tortura. Policiais colocam até água sanitária ou sabão em pó na comida pronta das famílias. E é uma polícia que custa caro. O Rio de Janeiro é o estado que mais gasta com segurança pública e, mesmo assim, 58% dos municípios são dominados por milícias”, destacou Maria Júlia Miranda do projeto “Defensoria em Ação nas Favelas” da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

“Foi o massacre do Jacarezinho. Um ponto limite da violência policial que temos no Rio de Janeiro. As ações de segurança pública, com o uso indiscriminado da força sobre a população negra, das favelas, além do uso privado para fins criminosos, com a ação das milícias. Corrupção e impunidade que ameaçam o estado democrático de direito”, afirmou Daniel Hirata, da Universidade Federal Fluminense.

Julgamento
Na última sexta-feira (21), o Supremo Tribunal Federal começou o julgamento de um recurso sobre a realização de operações policiais no Rio de Janeiro. O ministro Edson Fachin acatou pedidos feitos pelos autores do recurso e determinou, por exemplo, que o Ministério Público Federal (MPF) investigue suposto descumprimento das restrições impostas a operações policiais. A decisão foi estendida à chacina de Jacarezinho.

Proposições
Projetos de lei que tratam de reivindicações das famílias de vítimas do Estado estão prontos para a pauta do plenário da Câmara. Entre eles, o PL 4471/2012, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), estabelece o fim dos “autos de resistência” e instauração de inquérito nos casos em que o emprego da força policial resultar morte ou lesão corporal. Já o PL 4894/2016, de Reginaldo de Lopes (PT-MG), pede transparência dos órgãos de segurança pública.

Retrospectiva da violência no RJ
26 de julho de 1990, chacina de Acari, em Magé (RJ)

Três garotas menores de idade e oito rapazes, sendo cinco também menores, foram levados por homens encapuzados identificados como policiais. Os corpos nunca mais foram encontrados.

23 de julho de 1993, chacina da Candelária (RJ)

Mais de 40 crianças e adolescentes dormiam nos arredores da Igreja da Candelária, no centro da cidade, quando homens armados abriram fogo. Oito meninos, entre 11 e 19 anos, foram mortos à tiros. Quatro policiais militares foram condenados, mas todos já estão livres.

29 de agosto de 1993, chacina de Vigário Geral (RJ)

Cerca de 20 homens encapuzados invadiram residências e mataram 21 moradores da favela de Vigário Geral. Nenhum dos mortos tinha ligação com algum crime. Sete policiais foram condenados

8 de maio de 1995, chacina de Nova Brasília (RJ)

Segundo a versão oficial, um tiroteio entre policiais e traficantes causou a morte de 13 pessoas. Os corpos foram levados num carrinho de mão e colocados no caminhão de lixo. Até hoje, ninguém foi preso, julgado ou condenado por nenhuma das mortes.

30 de março de 2005, chacina de Nova Iguaçu e Queimados (RJ)

Atiradores mataram 30 pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos. Onze policiais militares suspeitos foram presos.

29 de junho de 2009, chacina da favela do Barbante (RJ)

Cinco pessoas foram mortas dentro de uma casa. Os assassinatos seriam uma retaliação dos milicianos da Liga da Justiça, comandada por um ex-policial militar. Os corpos nunca foram localizados.

Julho de 2009, chacina da Vila Vintém (RJ)

Disputa por pontos de tráfico deixa 19 mortos. A investigação foi arquivada na 33ª delegacia, de Realengo.

Setembro de 2020, Assembleia Legislativa do Estado (RJ)

O Projeto de Lei 1.326 de 2019, prevê a reintegração de cerca de 2.000 militares expulsos da corporação por desvio de conduta, no período compreendido entre 2007 e 2018. Cerca de 200 policiais deste grupo têm envolvimento com milícias.

Audiência pública
Também participaram do debate a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ; Mariana Gaudino, do Coletivo LabJaca; Monique Cruz, da Justiça Global; deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ); Patrícia Félix Padula, conselheira Tutelar do Rio de Janeiro e Everaldo Patriota, da Comissão de Direitos Humanos da OAB.

A íntegra da audiência pública, em áudio e vídeo, está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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