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O Buriti e a Carnaúba: entre a Academia e a Ciência

O Buriti e a Carnaúba: entre a Academia e a Ciência

Na constante busca para entender a distribuição geográfica das palmeiras Buriti e Carnaúba, é importante considerar duas realidades cujas interpretações e interação podem muito bem alargar a visão do pesquisador. Essas duas interpretações podem ser denominadas de “êmica e ética”.

Por Altair Sales Barbosa 

A interpretação êmica reflete categorias cognitivas compartilhadas pelos povos ditos tradicionais, moradores antigos de certos territórios e, portanto, conhecedores profundos dos elementos que compõem os ecossistemas. A interpretação ética é a interpretação que segue regras metodológicas com propósitos analíticos. Isto não descarta da interpretação êmica a utilização de regras rígidas.

A pesquisa científica até agora desenvolvida no Brasil leva muito pouco em consideração os elementos elucidados pela Etnociência, quer seja por falta de conhecimento desse ramo do saber, quer seja pelo próprio modelo ocidental de saber, que não valoriza o tipo de conhecimento produzido fora das chamadas academias.

A interpretação de realidades diferentes não é uma tarefa fácil, requer como pré-requisito que situações diferenciadas possam ser compartilhadas.

As ditas academias caminham muito pouco nessa direção, por isso dão pouca importância ao que muitos denominam, às vezes até sem conhecimento de causa e conceitos claros, saberes tradicionais.

Entretanto, os trabalhos pioneiros derivados da etnologia, como a etnobotânica, a etnobiologia, a etnozoologia, a etnomusicologia etc., têm de certa forma contribuído para romper essa barreira e procurar caminhar no sentido de uma integração de saberes.

Esse fato poderia causar uma revolução pedagógica, pois certamente iria utilizar como premissa primordial a interdisciplinaridade, o diálogo, no pleno sentido paulofreiriano, e a atenção para outras realidades e cosmovisões. Espera-se com muita esperança essas iniciativas, fundamentadas nos reais princípios da Etnociência.

Posey (1992) um dos pioneiros nos trabalhos de etnozoologia constata que:

Com a utilização de conceitos indígenas, atalhos ou mesmo revolução na investigação científica podem ocorrer através do apropriado método  científico de geração de teste de hipóteses. Nenhum etnobiólogo defendeu ou defende que o conhecimento tradicional seja aceito prontamente, mas sim que tais afirmações sejam usadas para ajudar pesquisadores na procura de categorias ou relações desconhecidas do conhecimento etc., para propor hipóteses voltadas a testar os conceitos indígenas.

Através desse modo de investigação, novas espécies e subespécies de abelhas foram “descobertas” a partir de especialistas nativos; compostos ativos de interesse foram incluídos em laboratórios como resultado de pesquisas etnofarmacológicas desenvolvidas em  conjunto com pajés; dietas animais foram analisadas com o auxílio de hábeis caçadores, estudos etológicos pioneiros de espécies pouco conhecidas foram desenvolvidos com a ajuda de especialistas indígenas; e complexas relações solo-planta-animal foram descritas a partir de agricultores experientes.

As decisões que os cientistas tomam na proposição de hipóteses baseadas no conhecimento indígena revelam a natureza arbitrária desta etapa básica da busca científica, uma vez que os pesquisadores frequentemente precisam excluir de suas considerações os elementos  “improváveis” e “inacreditáveis” presentes nos relatos de informantes. Entretanto, o que é “improvável” e “inacreditável” em geral reflete mais a inabilidade dos pesquisadores  em reconhecer a “realidade” indígena do que qualquer critério científico real. A proposição e o teste de hipóteses provê a ponte metodológica e teórica necessária para interligar a pesquisa científica com o conhecimento tradicional.

 Certamente a integração com os ditos conhecimentos tradicionais poderá conduzir a alguma ponte que ilumine a busca para a solução dos problemas científicos, ambientais, sociais e humanísticos, que ainda não temos a capacidade de resolver.

A palmeira, cujo nome popular é conhecido como buriti, que ocorre nas nascentes, lagoas e brejos, formando no Cerrado o ambiente de veredas, é classificada atualmente pela botânica como pertencente ao gênero Mauritia e à espécie flexuosa, antiga Mauritia vinífera de Mart.

Até bem pouco tempo, a Família botânica que a englobava era conhecida como Palmae; atualmente, todas as palmáceas pertencem à Família Aracaceae.

No que se refere à Biogeografia, o buriti é uma palmeira típica do Cerrado, ambiente onde também teve sua origem. Essa informação contradiz a informação puramente botânica, que atribui a esta palmeira uma distribuição geográfica muito mais ampla.

A palmeira carnaúba é classificada como pertencente ao gênero Copernicia, espécie PruniferaCopernicia prunifera (Miller). Também pertencente à família Aracaceae.

Da mesma forma que o buriti, os dados para a carnaúba são contraditórios, quando se referem à distribuição geográfica e diferenciação entre os indivíduos, ou populações. Estudos de etnobotânica relatam a existência de dois tipos de carnaúba.  Esses estudos foram desenvolvidos principalmente no município de Ipanguaçu, Rio Grande do Norte, por professores da Universidade Federal desse Estado.

Os estudos, publicados por RODRIGO, SILVA, ROCHA, SANTANA e VIEIRA, relatam que os nativos distinguem dois tipos de carnaúba, as quais chamam de Carnaúba Branca e Carnaúba Comum. A distinção entre elas reside no fato de a carnaúba branca apresentar estipe claro, frutos menores e ausência de espinhos no pecíolo. Quiroga et al (2013) levantam a hipótese de que essas variações possam constituir subespécies diferentes.

Com relação ao buriti, a botânica não faz distinção entre os tipos ou possíveis espécies ou subespécies que aparecem nas terras altas e nas terras baixas, distinção esta perceptível por populações nativas.

Os ribeirinhos denominam a espécie que ocorre nos baixios amazônicos, de Miriti, enquanto para eles o buriti ocorre nas áreas mais elevadas, em termos de relevo. A diferença primordial está nas plantas masculinas das terras altas, cuja seiva produz um vinho muito apreciado por essas populações. Entretanto, a botânica não observa essas diferenças, se é que existem, juntando os dois tipos numa única espécie, denominada Mauritia flexuosa. Também não faz referência ao abandono da classificação de Mart. Mauritia vinífera, que leva em consideração a planta masculina que produz o vinho e a planta feminina que produz os frutos.

Até agora, os variados trabalhos tidos como etnobotânicos referentes ao Buriti e à Carnaúba restringem-se a meras descrições da utilização das partes dessas plantas, são relacionados com economia e alguns com preservação ambiental e não entram em detalhes sobre ecologia, desenvolvimento, idade das plantas etc.

Tive a oportunidade de ler vários trabalhos para escrever este pequeno ensaio, em apenas um encontrei uma citação superficial sobre o assunto. Talvez porque o próprio conceito de etnobotânica utilizado pela botânica parta de um princípio equivocado.

ETNOBOTÂNICA É A PARTE DA BIOLOGIA QUE ESTUDA  O CONHECIMENTO DAS PESSOAS SOBRE AS PLANTAS (Martins – 2015)

 Torna-se necessário salientar que todas as etnociências são derivadas da Etnologia, ramo da Antropologia Geral que estuda o costume e o conhecimento dos povos. O princípio básico é a integração entre o êmico e o ético. Se o trabalho somente descreve os produtos de cada planta, elaborado por pessoas, esse trabalho está utilizando somente a visão ética, sem considerar a cosmovisão que caracteriza populações e não somente pessoas.

Nesse sentido, de acordo com nossas observações, o Buriti (Mauritia vinífera, Mart.), aqui utilizando a classificação de von Martius, é uma planta nativa do Cerrado, que ocorre em áreas com altitudes superiores a 480 metros, caracterizando as nascentes, olhos d’água, lagoas e áreas úmidas superficiais, formando no Sistema Biogeográfico do Cerrado o ambiente das Veredas. Seu limite norte vai até o paralelo 7 graus de latitude sul.

A partir daí, ainda em área com vegetação de cerrado, ocupando o mesmo tipo de ambiente do buriti, começa a aparecer a Carnaúba (Copernicia prunifera – Miller), ou seja, a Carnaúba Comum, com espinhos nos pecíolos.  No início de forma acanhada, depois vai ocupando todos os ambientes úmidos de cerrado. Quando termina o Cerrado, a carnaúba segue avançando sobre outros ambientes.

Porém, associar sua distribuição ao ambiente de caatinga é algo que precisa ser mais bem observado, principalmente em termos de microambientes, pois onde as carnaubeiras ocorrem, mesmo dentro de um ambiente geral de caatinga, são microambientes caracterizados pelos brejos. A carnaúba é uma planta de ambiente úmido. Os brejos são conhecidos como áreas de exceção dentro da Caatinga. Esse fato já era, desde muito tempo, descrito pela geografia, como áreas produtoras de leite bovino e seus derivados.

Na realidade, sempre foram as áreas economicamente mais ricas dentro da Caatinga, justamente por ser ambiente mais úmido que o geral. Portanto, a carnaúba ocorre tanto nos ambientes úmidos de cerrado, sempre a partir dos 7 graus de latitude sul, como nos ambientes úmidos dentro de um quadro geral de caatinga. Já o buriti tem sua grande distribuição e origem no planalto central do Brasil, mas se espalha pelas terras altas e pelos baixos chapadões da Amazônia.

O importante a salientar é que, por um breve espaço territorial, as duas plantas se encontram, principalmente, como já foi mencionado, à altura do paralelo de 7 graus de latitude sul, no vale do rio Gurguéia, no Piauí, nas proximidades da cidade Cristino Castro. A partir dessa localidade, o buriti toma direção noroeste, e a carnaúba, direção nordeste.

Altair Sales Barbosa – Pesquisador do CNPq. Pesquisador convidado da UniEVANGÉLICA de Anápolis. Sócio-Titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás. Conselheiro da Revista Xapuri. Capa: Carnaúba – Visão Piauí. 

Buriti -Dica de Saúde


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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