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O estudo foi desenvolvido na Universidade de Coimbra, em Portugal

O Causo do Lobisomem da Lagoa Três Pedras

O Causo do Lobisomem da LagoaTrês Pedras: Mito ou Verdade?

Por Miguel Alves/Causos Assustadores do Piauí

No espólio das antigas estórias do inicio do século passado; a misteriosa aparição do Lobisomem no entorno da cidade de Miguel Alves, representa dentre todos os mitos, o mais singular, macabro e aterrorizante, sua fonte de informações tem relação com os mais velhos moradores e famílias do município, em especial atribuem-se vários registros escritos a de um jovem anônimo que registrou boa parte de tudo o que viu e ouviu e anotando em seu diário, um caderno em papel almaço, grafados com caneta tinteiro, registros adormecidos por quase 100 anos, no fundo de um baú velho, objeto que já fora repositório de centenas de moedas de ouro e prata, joias e artefatos que um dia pertenceram ao Governador do Piauí José da Costa Rebelo.

A Fonte

O jovem autor, cuja obra “exumamos”, faleceu de tuberculose aos 26 anos (1925) tendo em seus momentos finais entregado à sua prima Clemência Marques um mapa onde nesse documento designava os locais exatos no qual havia enterrado um baú, dentre outros objetos separadamente, e dentro dele além de um diário com pouco mais de 20 páginas escritas, havia desenhos rudimentares, um mapa da cidade indicando um lugar em especial; muitos acreditam que juntamente com esse documento havia uma enorme quantidade de moedas de ouro e prata; relíquias de família; e objetos de valor simbólico;

O jovem, uma das poucas pessoas alfabetizadas da cidade naquela época, cujo nome continuará em segredo, a pedido da família, antes da sua morte, deixou escritos, registrados eventos curiosos de nossa terra, acontecimentos de um passado distante.

As anotações ou confissões, em linguagem coloquial, não pareciam ter pretensões de livro, pois algumas páginas consistiam em cartas a parentes e amigos, outras folhas rascunhos de poesias, enfim desconexas, mas que de fato eram verdadeiras confissões que hoje reveladas, ainda que parcialmente, trazem à tona uma das mais impressionantes estórias do Norte do Piauí.

 As anotações foram lidas por uma meia dúzia de pessoas, autorizados apenas parentes, amigos, autoridades, homens de conhecimento religiosos, exotéricos. Os mesmos documentos foram encontrados ainda ano de sua prematura morte em 1925, e logo que verificado seu interior, o artefatofora lacrado e mantido em segredo.

 A posse do artefato, nos dias de hoje, recaiu a um membro da família que não quis se identificar.

Vale argumentar que todos que moraram daquela redondeza, possivelmente tomaram conhecimento, de boa parte dos relatos aqui infra descritos, supõe-se também tenham  sempre evitaram falar sobre o assunto, acreditando, ingenuamente, que o silêncio pudesse apagar essa mancha da história, dissipá-la do mundo real, e desta forma presume-se fortemente o intuito de  apagar a verdade.

È fato que os rumores das aparições sinistras do Lobisomem ficaram guardados na memória dos anciões, e que as estórias inevitavelmente foram repassadas às gerações seguintes, que foram criando sobre a verdade, uma espécie de mito ou lenda, e por este motivo, hoje não se pode afirmar até onde reproduzem fielmente a verdade de todos os episódios macabros, onde começa e termina o imaginário da criatividade popular.

 O diário do jovem que revelarei apenas as iniciais do seu nome F.O.C.R. é real?


 O Tempo

Certo é que os registros, inicialmente datam de Dezembro de 1921, tempo em que tais fatos sobrenaturais aconteceram na recém-emancipada cidade de Miguel Alves, a 120 km da capital, às margens do Rio Parnaíba na vizinhança do Garapa (hoje cidade de Duque Bacelar Estado do Maranhão);

Além dos primeiros moradores de Miguel Alves, cujas origens supõem-se do CEARÁ, notadamente seu fundador que deu nome à cidade Miguel Alves, possivelmente tenha tomado conhecimento das aparições às quais vamos descrever a seguir.

Aprofundando a pesquisa constatou-se que o próprio Miguel Alves, residia na “Sinunga do Meio”, (hoje Praça Enéas Torres/Club Sorema), e que teve conhecimento de todos esses episódios.

 Nesse mesmo período outros tantos ocupantes vieram para essas terras com intuito de cultiva-la e prover-se do que mais fosse necessário para a família.

O Cenário

Situaram-se muitos antigos e novos moradores, ao redor do Morro do Porto (Hoje Rua São Pedro– Proximidade do Fórum), e se espalharam pelas Sinungas (terras baixas e planas), alguns acharam por bem situarem-se em terras elevadas e povoaram no Alto das Cabras, local que hoje denominamos de Alto Bela Vista.

 O primeiro morador e proprietário do Alto das Cabras fora Claro Honório de Oliveira (MAJOR), comerciante influente, sua venda ficavam na subida da Vereda dos Igarapés (Rua Sete de Julho), passagem dos tropeiros e caixeiros viajantes, rumo ao Maranhão, local que dava acesso também a Theresina,

No inicio do século XX, as águas do Rio Parnaíba não tinham a mesma geografia de hoje, os mesmos contornos, não ficavam tão distante da cidade; tendo como referencial o Morro do Cemitério Velho, (Hoje Igreja de São Miguel Arcanjo) acreditem, as águas do Parnaíba verão e inverno banhavam o que hoje chamamos de Baixa até a Rua Erasmo Rocha.

O espaço onde são montadas anualmente (de 19.09 a 29.09) as barracas dos festejos do Arcanjo Miguel, naquela época, dava lugar às aguas ribeirinhas, onde os pescadores saíam dia e noite com canoas e barcos, com tarrafas e kixós, para pescar, durante todo ano, nesse espaço denominado de “Camboa”;

O vapor Rio Parnaíba (Barco da época que fazia transporte de passageiros e de mercadorias) ancorava (no Morro do Porto ou Atracação) bem em frente à Moagem de Tomaz Honório de Oliveira, (prédio que posteriormente tornou-se público, tendo abrigado a cadeia pública e hoje o Fórum Petrônio Portela) na Rua São Pedro;

O comércio era quase inexistente, e as pessoas eram em sua maioria ribeirinhos. Salvo aqueles cujas famílias vieram com o fim especial de colonizar o lugar, (Cearense, Piauienses), esses eram parentes de políticos ou comerciantes de várias outras cidades vizinhas, muitas vitimas da seca em seus lugares de origem, ou descendentes de escravos alforriados, de índios desgarrados de suas tribos vítimas do genocídio, homens e mulheres com desentendimentos com seus antigos patrões, exploradores e pessoas de toda sorte.  Havia também os funcionários públicos como da exatoria estadual, religiosos e os demais não se distinguiam.

A economia era movida pelo cultivo do algodão e fumo, da pesca, da lavoura de arroz e feijão, da extração do babaçu, da cera de carnaúba, e como dinheiro era tão escasso quantas chuvas, praticava–se a compra-e-venda e até a velha prática do escambo.


 

 As terras eram devolutas e não havia definições de propriedade e posse, nem havia estrutura do contencioso público, enfim, a Prefeitura era improvisada e o lugarejo tornara-se recentemente cidade.

Esse era o cenário da Miguelalves da primeira metade do século passado.

Geografia

Descendo o Morro das Cabras no sentido oposto da cidade, bem próximo, chegava-se a um lugar cujas aguas eram do Parnaíba, pois findo inverno, elas (as águas) ficavam represadas e criavam um aspecto de lago ou lagoa como chamamos. O lugar era majestoso, águas a perder de vista, rasas, propícias à pesca, ao banho, ao consumo de homens e animais, o lago não tinha nome e por haverem, em suas margens, três grandes árvores (Angico Branco), as pessoas nomearam o local de Lagoa-dos-Três-Paus.

A Lagoa

Pela manhã as Garças Brancas e majestosas com suas pernas longas corriam na beira da lagoa, marrecas, jaçanãs, avoantes, os peixes emergiam na superfície e cardumes provocavam ondas; o sol e o vento, tudo era maravilhoso.

Homens andavam em “côxos” de troncos de arvores e canoas, meninos seminus pescavam com as mãos; a natureza se mostrava em toda sua plenitude, enquanto os adultos pescavam; meninos parecendo curumins montavam cambos de piabas, bem ao longe as lavadeiras de roupas batendo o tecido nas pedras produziam sons de matraca; esse era o cenário à luz do sol, do dia a dia, da Lagoa-de-Três-Paus. Por fim, o sol em sua rotina infalível descia ao longe bem no fim do horizonte, num tom avermelhado anunciando a noite.

Chegada à escuridão, a Lagoa tomava outras dimensões, ficava escura, fria, e os barulhos que se ouvia durante o dia, à noite pareciam representar outras coisas, não mais o movimentar dos cardumes nem movimentação dos animais que ali habitavam durante o dia.

A Lagoa-de-Três-Paus à noite era tenebrosa não por ser noite, nem pelo medo comum que todos têm de águas noturnas.

À noite os pescadores estão no Rio Parnaíba, descendo as águas, jogando Tarrafas, armando Enganchos, nenhum se aventura à pesca da Lagoa-de Três-Paus.

O Mistério

Muitas estórias que já se ouviu da Lagoa- de- Três- de-Paus, pela boca dos primeiros moradores da cidade e de moradores que possivelmente moraram nesse lugar mesmo antes da emancipação ou colonização do município, nenhuma marcou tanto quanto as do LOBISOMEM; essa lenda ou verdade consumiu de dúvidas muitos homens e mulheres da Miguelalves antiga e que até hoje, ainda apavora a todos, alastra medo e pavor, mesmo nos mais corajosos, alguns afirmam ser crendice e outros apostam que seja verdade e não lenda;

Nesses tempos modernos lendas e estórias de monstros não são temidas, mas vários fatos nos levam a termos cautela e repensarmos sobre o assunto;

O Diário de F.O.C.R.

“Constituído de um caderno de papel de folhas soltas, unidas apenas por um grampo de metal, pautadas e numeradas manualmente de um a cem, usadas 20 folhas;” assim declarou João Felix, pequeno proprietário, o qual participou de todos os episódios e conheceu pessoalmente o jovem.

João, antes de morrer, confessou a seu neto, que por sua vez contou a (Mauro Felix Pacífico Castelo Branco), o qual compartilhou a estória a um amigo em 1973.  Antes de entrar para o Seminário e posteriormente mudar-se (com vários parentes e familiares) para Portugal, Mauro tendo apresentado os manuscritos originais a um especialista no assunto apropriou-se de parte dos documentos; visto que F.O.C. R escrevia em duas vias sendo que a primeira arquivava e a segunda era o rascunho que enviava a amigos e parentes.

Em sua confissão João Félix declara ainda ao neto ter servido de carteiro, declara saber de seu conteúdo, afirma ter transcrito parte deste documento histórico em segredo; um dos familiares de posse de uma ou outra anotação disponibilizou esses trechos:

(Carta de F.O.C. R a seu Padrinho no Lugar Peixes).

Transcrição: ao Padrinho ANTONIO FORTES

 


(…) pg. 002 linhas de 01 a 20.

“senhor meu padrinho, parece que a seca teve fim, pela benção de Deus. Faço uso dessas folhas que me foram cedidas pelo meu amigo Chico Alves, para anotar em confissão os fatos que jamais me esquecerei, acontecidos por estas bandas do Miguelalves, que a meu Deus peço de todo, benção, e de meu Padrinho também, pois saiba Padrinho, que eu fui escolhido para ver na noite de ontem, meia noite ou que fosse mais tarde à figura mais feia que já enxerguei.

Meu padrinho, quando voltava da viagem a Marruás (Hoje Porto), fazendo mandado de meu pai, deixar um novilho na Caiana, voltando passando pelos três Angicos Brancos da Lagoa “das cabras”, quase na subida do morro, fui atacado por uma criatura de outro mundo, era peluda, pêlos da cor da noite, olhos brilhantes como fogo de lamparina, forte, tinha uns 20 palmos de altura era parecido com um cachorro, mas o bicho ficava de pé como um vivente, como um “Mambira”,  andava como homem, tinha um olhar de fera; uivava que se podia ouvir acredito que  a mais de léguas,  era ligeiro, eu não vi muita coisa porque meu olhar só mirava nele , eu não podia tirar as vistas, ele saltou e eu puxei minha peixeira e dei um golpe nele, ele pulou de novo, ia passar por cima de mim e me  vali de nosso Senhor,  tirei o punhal de prata para furar o peito dele.

Padrinho, mas o que mais me deixou impressionado, é que o Antônio da Égua, agora à tardinha, passou trazendo consigo boa nova de que esse bicho foi avistado lá pras bandas do Olho D’água d¹fronte ao casarão, no Jaboti; nas taperas das senzalas, na Lembrança; atrás da casa do coronel Teixeira, nos Pombistas (Faz. Três Irmãos Rebelo), no Barreiro dos Lages e por fim ainda hoje já no inicio da noite, chega o Chico Preto dizendo que viram a besta na Fazenda Pubas dos Pires(Batalha)

Padrinho Antônio, a criatura viajou por mais de 30 léguas?  Andar toda essa distância em menos de três horas.   Tomo-lhe a benção, senhor meu padrinho e queria lhe dizer que aprendi uma reza nova, que o senhor talvez já saiba, mesmo assim mando-lhe escrita num pedaço de papel farei chegar ate suas mãos.  Oração SANTO ANJO DO SENHOR; Ano de nosso Senhor Jesus Cristo, Miguel Alves, 10 de janeiro de 1921;

Pg. 04 linhas de 01 a 06

“Hoje estou anotando, contra vontade de minha mãe e de meu pai, pois pediram que eu esquecesse o que vi, e do que soube do dito acontecido com Maria Cardoso quando ia à fonte buscar água na lagoa, perto dos pés de angíco, segundo ela era cedo da noite, quando ouviu o uivo da criatura, do Lobisomem, ela andava com a menina menor e com a cachorra Bonita, não viu o bicho, mas sentiu sua presença bem perto, no mesmo instante o jumento “sagrado” saiu em disparada, largando as ancoretas que se quebraram no chão, ela disse que se apegou com nossa Senhora da Conceição e o bicho sumiu” Ano de Nosso Senhor Jesus Cristo 02 de março de 1921;”

Pg. 07 linhas 01 a 15

“Completa mais de ano que nós estamos encontrando no meio das roças, carcaças de animais mortos dilacerados, esquartejados, uns com as cabeças arrancadas não cortados com faca, nem foices ou alfanjes, mas parece que foram arrancadas ainda nos corpos vivos, animais com os fatos de fora, galinhas sumindo dos galinheiros e até cachorros mortes por golpes de unhas; o senhor Felix  juntamente com muitos homens daqui de perto e de outras  paragens armaram tocais mas nada foi visto apenas sombras que passam na ligeireza maior que de uma raposa” Ano do Nosso Senhor Jesus Cristo Miguelalves, 04 de abril de 1922;”

Entre um e outro relato haviam escritos de sua vida pessoal, poemas e pensamentos, o autor não sabia mais que o suficiente para escrever, registrar da sua vida e alguns acontecimentos do lugar onde morava, havia tido contato com alguns livros que se lhes haviam sido apresentados por um tropeiro de nome Zé Verçosa, que os mantinha (livros) guardados junto com a Bíblia Sagrada, numa mala velha de couro, que carregava consigo no lombo de seu animal de viagem.

 Verçosa contou ainda que em suas paradas lia livros do poeta Coelho Neto além de outros, tendo o mesmo lhes dado de presente um exemplar de O Rei Negro, o dito tropeiro dissera inclusive ter conhecido o próprio poeta pessoalmente, pois o vira em Caxias- Maranhão numa de suas paradas.

Vê-se que F.O.C. R nada mais sabia do mundo exterior, sabia apenas da seca, ouvia rumores de guerras, sabia também o nome Presidente do Brasil, em alguns escritos se refere também ao Governador do Piauí Eurípedes de Aguiar referindo-se a ele como ilegítimo, usurpando a eleição contra o professor Antônio José da Costa.


 

Disse em uma das passagens do diário

Pg. 04(sem data) (possivelmente de 1915 ou 1916)

: “Dr. Eurípedes tomou o poder”; e o prefeito em nada se manifestou, nem se deslocou a Theresina, para trazer boas novas, ficamos aqui sem saber do mundo. “

A Origem

Contam os mais velhos, que por volta dos anos de 1902, estabeleceu-se às margens da Lagoa dos Angicos (Lagoa dos Três Paus), uma família composta de 09 pessoas. Chegaram, acredita-se que em fim de tarde, e ergueram para si e sem pedir permissão, uma casa, utilizando-se do local: madeiras e palhas.

 Em menos de sete dias situaram-se.

Diante dessa notícia, existem várias especulações. Fato curioso é que dos nove integrantes da família, dois eram os genitores, e os demais, filhos do casal. Dentre eles, o mais novo ainda no colo e o mais velho com 13 anos de idade, nenhuma menina, todos homens.

Os moradores do Alto das Cabras aproximaram-se dos novos vizinhos, a fim de colher informações sobre suas vidas, descobriram que nenhum deles era batizado e do seu passado pouco se pode extrair face o ar misterioso dos pais.

Chamou- lhes atenção suas feições de pessoas de bons costumes, brancos, altos, esguios, sendo que o menino mais velho, orelhudo, estranho e pálido, calado.

 Sobre esse episodio encontramos no DIARIO DE F.O.C.R.

Pg.08 linhas de 06 a 15

“tudo o que vem acontecendo na nossa terra só pode ser por causa dos comunistas, eu soube pelo Sr. Umbelino, que os comunistas estão invadindo o mundo e praticando muita coisa ruim. Só para se ter uma ideia a alguns anos, chegou aqui uma família e sem pedir permissão “se apossou” de uma gleba de terras  próxima à Lagoa dos Angicos,  no caminho do Morro do  Mangue como que indo para Marruás pela Macaúba, é o fim do mundo, nem duvido que esse LOBISOMEM seja um comunista souto para devorar todos que veem pelo fren te”

 As Aparições

Após os episódios com F.O.C. R e a senhora Maria Cardoso, muitos outros ataques foram relatados pelos moradores: Zéca da Carroça conta que fora atacado pelo monstro na madrugada quando saia da olaria de adobes na Lagoa-de-Três-Paus. O Lobisomem segundo Zeca, tentou passar por cima dele por três vezes para lhe transferir a maldição e ele só escapou por que seu cachorro Cospe-Fogo saltou imediatamente nas costas do bicho, desferindo – lhe um corte no pescoço; disse ainda Zéca, ao Sub- Delegado Raimundão, que o bicho andava em duas patas como homem, dentes de um palmo de comprimento, cheiro de enxofre e que era mais ligeiro que bala de “Para- bellum”;

Logo chegaram novas noticias: Maria dos Aflitos declarou tê-lo visto também, e que o Lobisomem transformou-se na sua frente na encruzilhada da Lagoa rumo aos Estirões, disse ela: era um homem novo, de boas feições e que em menos de um minuto enquanto ela “se acabava” num “passamento” no chão quase desacorda de agonia e medo, o homem virou a fera e que ela valendo-se de todos os santos, viu ele “voltar e desvirar”, que o bicho deixara um monte de pêlos no meio da vereda e que ela só não os trouxe consigo com medo de pegar a doença da maldição e como testemunha apresentou seu macaco Rabo Seco que viu tudo e a todo tempo agarrando-se nela. 

O Medo

O boato foi geral, homens e mulheres reforçando as portas e janelas, travando tudo com tramelas, pintando com tinta vermelha por onde fosse, o sinal da Cruz para “rebater” a besta;

Engraçado que “Chico Doido” (que era doido mesmo) correu os quatro cantos, anunciando o final dos tempos, divulgando que na Lagoa-dos-Três-Paus o “Cão” tinha aparecido transfigurado no Lobisomem, na besta do Apocalipse.

O Pároco que visitava a cidade, a fim de situar-se como titular, descrente de tamanha blasfêmia, não querendo se envolver em crendice, preferiu segundo contam, pelos próximos 30 dias (de sua visita) ficar em casa, não por medo, que ele não era homem de “tremer na base”, prudentemente decidiu não sair à noite, nem tomar banho de lagoa, muito menos tocar no assunto, pois naquele mesmo dia estava dedicado a declinar da futura Paróquia, que segundo ele, refletindo bem, ficava muito distante de Theresina, disse até que ia pernoitar trancado, em casa, em oração;

O Prefeito homem educado, fino e de família das mais corajosas e valentes, religioso como era, ao Padre resolveu imitar; trancou-se também.

O Lobisomem era o assunto das rodas de conversas.

Os pescadores só saiam ao Parnaíba, em grupos de amigos;

Um “bando” de meninos avisou ao Sub-Sub-Delegado Antônio da Maria, (que fora empossado em regime de urgência por Raimundão em virtude de tamanha calamidade pública), que viram a fera descendo para a Lagoa, contaram que enquanto todos os meninos corriam num “bate-pernas” infernal , o homem peludo apenas caminhava a paços largos, isso por mais de quinhentos metros, quanto mais os meninos corriam em direção a ele, mais longe do bicho ficavam;

Diante de todo alvoroço, as autoridades constituídas, sem saída, resolveram pedir reforços ao Comandante da Polícia do Estado, para em trazendo a Polícia Militar, dar fim a tamanho sofrimento das famílias.

Manifestou-se o delegado, logo mandou a embaixada por escrito pelo Raimundo Belé, de última hora e num momento de narcisismo, resolve o Delegado, comunicar não mais ao comandante da Polícia, mas sim ao próprio Governador (não poderia perder essa chance), onde dizia: “Senhor Governador, eu Raimundo da Silva Alves, vulgo Raimundão, e todos meus subordinados, em especial Antônio da Maria (eram apenas eles dois mesmo), solicitamos com a máxima urgência a presença de dois ou três soldados fortemente armados, para combater o LOBISOMEM da Lagoa de Três Paus para prender por desacato autoridade, pois o mesmo está me desafiando, a mais de um ano, informo ainda que o mesmo se encontra escondido na Lagoa, atacando gente e bicho e causando m edo em todo vivente” Miguel Alves PI, 10 de Maio de 1923; vai assinado por Raimundo Alves da Silva Sub- Delegado; acompanhado da guarnição local SSD Antônio da Maria; (o problema era o modelo do oficio, perdoem-no).

A cidade em polvorosa queria descobrir o motivo de tamanha má sorte, de tão vil castigo, abrigar, um Lobisomem, ter que viver com medo, não poder sair à noite, nem viajar, nem pescar, não cassar jacarés na Lagoa, nem passear. Tudo por causa daquela besta que vivia na Lagoa de Três Paus.

 A notícia correu por todo Piauí, caixeiros, médicos, tropeiros, professores, vendedores de quadro de santos, pintores, comerciantes de temperos, compradores de rolo-de-fumo, negociantes da cera da carnaúba, do coco babaçu, fotógrafos de lambe-lambe, ninguém queria aventurar-se a uma viagem a Miguelalves, e a cidade estava à beira de um colapso econômico.

Não bastasse os rumores que chegaram à capital e nas cidades importantes do Estado, no Liceu, no Diocesano, no Sagrado Coração de Jesus, nesses ambientes santos e educativos, os boatos andavam como vento e os jovens estudantes Miguel-alvenses não suportavam mais a descriminação.

 Tem até uma estória de que o filho de um renomado Médico da capital desistiu do noivado com uma moça de importante família Miguel-alvense, porque segundo ele não poderia desposar uma moça que morava no Ades (INFERNO); chamou até Miguelalves de palco da Divina Comédia.

Parecia que era um castigo que havia recaído sobre o povo, sobre a cidade, seria por seu egoísmo, pela mais-valia dos comerciantes, pela língua-ferina das beatas, ou seriam pelas missas perdidas, rezas prometidas nos confessionários e não cumpridas, casamentos em desencanto, desfeitos, sodomia: “raparigagem” dos homens de família que não saiam do “cai-na-água”, também não se podia dizer que fosse por uma maldição desconhecida, ouro enterrado em tempo de guerra, juras, pactos com o diabo, com “o sujo”, afinal na boca do povo todas essas estórias corriam.

Meu Deus a origem desse monstro e dessa derrota, a quê atribuir? Perguntavam todos.

Varias eram as teorias, mas para cada uma delas vinham cem perguntas;

Os meninos já não aguentavam mais, testas dia e noite pintadas com uma Cruz vermelha pintadas com pó de Urucum, os joelhos “em desgraça” num castigo sem motivo, numa reza sem parar, para pagar os pecados que iam cometer no futuro; mulheres unidas rezando terço, e rezando e rezando, até criar calo nas mãos, adormecendo os “beiços”.

O sofrimento era tamanho que num certo instante brotou um ar de ecumenismo, juntaram-se católicos, ateus, “meizinheiros“, xamãs, macumbeiros, espiritas, protestantes, todos unidos pela mesma causa: afastar o “coisa – ruim” de sua terra.

Voltar a comprar e vender.

A Caçada

Como o policiamento parecia não mais chegar, agoniadas, as autoridades (Raimundão e o contingente: Antônio da Maria) e o povo, resolveram convocar todos nos quatro cantos da região e enfrentar o problema. Montou-se uma comissão, presidida pelo Sub Delegado que na solenidade estava inclusive, a caráter, fardado (farda emprestado pelo compadre de União) e esse grupo convocou fazendeiros de Marruás: veio capatazes da Caiana e do Marruás Velho (Porto), do Peixe: do Descuido, do Peixão e Morrinhos (Nossa Senhora dos Remédios) vieram vários, do Olha D¹água dos Azevedos compareceram dez “homens de fibra” corajosos e coronel Domingos veio junto, vieram outros das Barras, de União, do Garápa, conhecidos de Caxias, em meio a todos, sem convite pelo prazer de matar pistoleiros do Maranhão se prontificaram, caçadores de Theresina e toda a comunidade Miguel-alvense.

Era 24 de Maio de 1924, deixadas de lado as comemorações, a cidade em seu aniversário, encheu o peito de civismo e mais de 300 homens estavam armados com mosquetes, pistolas Para bellum, foices, machados, pedras, facas, “mão-de-pilão”, jucás, e tudo o que conseguiram.

Nessa noite de lua cheia e por volta da meia noite: saída do Lugar Lagoa do Meio, próximo ao Sítio Santa Luzia, vinham todos em segredo para junto saírem marchando rumo à Lagoa-dos-Três-Paus, certos de que o Lobisomem seria visto pego e morto.

Naquele instante de medo, não houve discurso nem lamentação, mulheres e meninos foram ver a saídas dos homens, quase em clima de despedida, e um menino chamado Domingos por volta de nove anos de idade, moreno, franzino (magro) e disposto, vendo o pai Diogo Fonseca, nas fileiras da “guerra” o encorajou de repente com seus primeiros “versos de poesia” que nunca foram esquecidos:

“Papai na fileira se encontra

Para guerra na grande missão

Defendendo Cristo e o Céu

Nessa luta de provação

Paisinho lute sem piedade

“Dê um fim na assombração”

Puseram na linha de frente, de isca o Manoel da Vaca (meio “abestado” sabia do que estava acontecendo), que descendo a ladeira do Alto das Cabras, rumo à Lagoa, fora imediatamente atacado pela fera, de longe os homens avistaram o massacre ao companheiro, temeram de início, mas depois correram todos, homens e mulheres encorajados não se sabe por quê, talvez mais pela curiosidade, que  até que por compaixão ao companheiro “boi-de-piranha”.

Foi uma correria, um desespero geral, escuridão, gritos, gente apavorada valentões fugindo pelas laterais, cavalos pisoteando gente, tiros disparados a esmo, gritos de mulheres chamando pelos filhos, lamentações, vaqueiros aboiando a fera, por fim, o bicho foi encurralado, numa porção de terra mais ou menos de “sete linhas”, os homens fizeram um cordão humano, com perímetro de seiscentos metros, e foram fechando o cerco.

À medida que fechavam o circulo o bicho ficava acuado e uivava, estrebuchando na mata, fazia um barulho incomum, galhos de arvores eram arremessados nos homens, a “coisa” rosnava como onça uivava como lobo, de longe se via seus olhos cor de fogo, e os homens avançavam e a fera ficava mais fera.

Todos com tochas a querosene, lamparinas, lampiões, por mais de uma hora.

Por fim a multidão avançou ferozmente contra o monstro, o circulo se fechou, mas de repente a fera sumiu. Nada fora encontrado, apenas troncos de arvores descascados, ”azunhados”, o chão riscado de unhas por enormes garras, pêlos, cabelos no chão, “baba” impregnada nas folhas, um cheiro insuportável de enxofre.

O local revirado parecia o palco de um exorcismo e nada da fera ser encontrada.

A lua, à medida que o tempo passava, clareava mais e mais o lugar, podia-se ver toda a sena, já não eram mais necessárias as tochas, nem lamparinas, a fera parece ter sumido, “desvirou-se” bem na multidão despercebida, transformou-se novamente em homem, e continuava ali mesmo sem dar alarde, misturado …? ou poderia ter-se transformado em cachorro no meio daquelas centenas que latiam no momento? Enfiou-se num buraco rumo ao inferno A fera escapou.

Este episódio macabro jamais foi esquecido, ficou no imaginário de seus moradores; perpetuou-se pelas gerações futuras.

O lugar onde a fera mostrou todo seu poder sumindo diante de todos. O Sítio até hoje é temido, os moradores próximos contam que em noite de lua cheia, ouvem gemidos, barulhos sem explicação, o movimentar de folhas secas, soltas, se deslocando insinuando um caminhado, pegadas enormes no dia seguinte, ainda ecoam os gritos daquela noite fatídica, daquele monstro, como se o local ainda revivesse toda a sena, como se as árvores tivessem toda a energia vivida, como se toda noite a floresta voltasse no tempo, por esses e muitos outros eventos as pessoas passaram a acreditar que havia ali um encanto o qual não fora quebrado, o lugar ficou conhecido sitio “O ENCANTO”;

Muitos homens que estiveram naquele dia se perguntam por que o monstro não fugiu? Pois ele corria como raposa, por que escolheu aquele lugar para encerrar seus dias de assombração? Por que ele não atacou a multidão?

Ficava a pergunta inevitável: afinal quem era o Lobisomem da Lagoa-dos-Três-Paus?

O Testemunho

Diário de F.O.C. R na pág. 15 e 16, fala sobre o episódio:

“como posso esquecer-me daquele dia, que a multidão perseguio o Lobisomem, eu estava lá fui à linha de frente, estava com uma espingarda, iluminei o monstro, somente eu o vi de perto mais uma vez, na sua forma de monstro e o vi transformar-se em homem novamente, depois em lobo, e novamente em homem como num ciclo interminável como se ele não tivesse forma física definida, como se não dominasse seu corpo, fiquei a observa-lo, enquanto ouvia gritos de homens e mulheres, tiros, vi a fera na minha frente, seu rosto humano, também sua forma animalesca, vi-o, por mais de dez minutos, apontei a espingarda em sua direção, puxei o cão para trás, mirei em seu rosto, criei coragem, fitei em seus olhos, no seu corpo trêmulo, exausto, suad o, vi o medo em seu olhar, tive a impressão de que ele falava comigo  pelo olhar, que lia meus pensamentos, parecia pedir que eu atirasse,  que desse fim a seu sofrimento, não tive coragem, desarmei-me, e ele transformou –se imediatamente em um cachorro e correu misturando-se às centenas de cachorros calçadores daquela noite, sumiu, desapareceu, mais tarde transformara-se em homem, e  sumiu  misturado na multidão” (janeiro de 1925);

“tomei conhecimento que certo dia na bodega do Chico Leal, estava um homem tomando “um dedo de pinga”, bem vestido, discreto, bem afeiçoado, de chapéu da moda, e num determinado momento seu pescoço à mostra revelou riscos de unhas de animal, tal qual os desferidos pelos cachorros no corpo da fera, era um conhecido, e a desconfiança recaiu sobre sua pessoa“ (Março  de 1925)

A Maldição (O tesouro enterrado)

(…)

Caros leitores, a continuação desse Conto, só será publicada após a adaptação da obra. (revisão de forma geral)

Faz-se também necessária, a substituição de nomes de pessoas e lugares, visto F.O.C. R deixa pistas, um mapa de tesouro (300 moedas de ouro e mais de 200 moedas de prata) além de joias de valor inestimável, que segundo o autor fora enterrado em local no centro da cidade cujo mapa é bem preciso e as informações ainda são passiveis de investigação. Temendo por corrida ao tesouro e suas consequências na cidade, solicito a todos que aguardem.

Informamos ainda que avaliaremos se devemos ou não publicá-los.

Miguel Alves-(PI), 24 de Maio de 2018.

Frederico A. Rebelo Torres(Escritor).

Da Academia de Letras do Vale do Longá

________________________O Causo do Lobisomem da Lagoa____________________

Fonte: Causos Assustadores do Piauí, causosassustadoresdopiaui  que cita as seguintes fontes: Texto originalmente postado no portal de Miguel Alves. Postado por Frederico Rebelo. A gravura foi extraída do site Causos Assustadores do Piauí.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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