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O difícil transporte público

O difícil transporte público

A vida nas cidades brasileiras é hoje tema de grande preocupação de toda a sociedade. Especial destaque é dado à questão da mobilidade urbana, setor que passa por uma crise sem precedentes na história do Brasil. Assim, vem ao centro das atenções o problema do transporte público.

Por Antenor Pinheiro

É inegável que esse enfoque tem razão de ser, mas é de igual modo inquestionável que aquilo que muitas vezes apontamos como “problema do transporte” não é um problema somente do transporte. É da cidade inteira e de regiões metropolitanas. E só será resolvido se olharmos em primeiro lugar para o ser humano que nelas vivem.

Ou seja, o transporte público é apenas o aspecto mais aparente de uma situação que envolve muitas facetas da urbanidade, de modo que não há como tratá-lo de forma isolada. Não devemos esperar que a solução de seus problemas seja uma panaceia que nos caia do céu. Podemos e devemos tomar medidas urgentes, em curto prazo, mas sabemos que serão paliativas, emergenciais.

O certo é que o transporte está no centro de nossas vidas. Um bom indicador é o de que a maior conquista da sociedade brasileira no início do século passado foi, sem dúvida, a jornada de oito horas de trabalho. Quase cem anos depois, entretanto, o trabalhador volta a ter jornadas de doze ou mais horas diárias, por conta dos demorados deslocamentos a que é submetido.

Outro aspecto que desperta preocupação é o da natureza deste serviço público. Afinal, no posto de saúde ou no hospital coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ninguém paga nada. A escola pública de nossos filhos é de graça, e o ProUni banca a universidade privada. Mas, para andar de ônibus, trem ou metrô, a gente paga. Por quê?

E o que é pior: um terço da fatia de mais baixa renda da população (10% do total) sequer consegue fazer uso do transporte público, pois não pode pagar. E os demais cidadãos situados nessa faixa gastam até 15% da sua renda mensal em locomoções.

Nunca é demais lembrar, como exemplo, que parte do transporte público de Goiânia (o corredor Anhanguera) é gerido diretamente pelo governo estadual. O restante da rede é concessão de empresas privadas, que obtiveram esse direito por meio de licitação pública das 18 prefeituras da região metropolitana, que têm dificuldades de ajustar normas.

Os governos, em todos os níveis, têm a obrigação de planejar, colocar as medidas em operação e fiscalizar. A Constituição Federal de 1988, em vigor, definiu com clareza o papel de cada ente da Federação também na área do transporte público. Ao governo federal caberia a tarefa de formular políticas, induzir sua execução e capacitar pessoal para tanto.

Com a política de redução do tamanho do Estado, na década de 1990, entretanto, foram extintos os órgãos federais encarregados do planejamento e financiamento dos transportes públicos. Assim, foram dissolvidos, por exemplo, o Grupo de Estudos para Integração da Política de Transportes (Geipot) e a Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU). A parte federal ficou capenga, pois.

É bem verdade, porém, que o Brasil não parou de evoluir e já tem leis gerais a respeito da ocupação das cidades que estão entre as melhores do mundo e dão respaldo a qualquer processo de mudanças neste campo. Em 2012, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff a Lei da Mobilidade Urbana.

Esse instrumento é fruto de décadas de debates e de estudos técnicos de excelente qualidade. Sua mais forte determinação é de que o transporte público coletivo deve ter prioridade sobre o automóvel particular nas políticas governamentais que tratam da mobilidade urbana. Entre o que está no papel e o que é colocado em prática, no entanto, há boa distância.

De toda forma, essa nova legislação passou as ações governamentais relativas à mobilidade urbana para os estados e municípios. As prefeituras, que estão mais próximas do dia a dia do sistema de transporte público, no mais das vezes ficaram com a responsabilidade de implementar essas políticas definidas nacionalmente.

Contudo, especialmente nas cidades de menor porte, os governos locais se deparam com uma série de dificuldades, a começar pela falta de pessoal capacitado para a gestão do setor. Assim, como relatam muitos prefeitos, a autoridade pública municipal recorre às empresas privadas quando pretende fazer alterações na área de transportes, inclusive na definição de reajustes de tarifas.

Assim, o preço do transporte ao cidadão fica muitas vezes fora da realidade, a ponto de ser possível baixá-lo, quando há pressão. Em todo o país, após as manifestações de 2013 ocorreram 90 reduções tarifárias, sendo 15 em capitais, 9 em regiões metropolitanas e 66 em pequenas e médias cidades. A redução média foi de 5%, segundo a Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (ANTU).

Ainda no ano passado, a presidenta Dilma reuniu o Conselho Nacional das Cidades e entidades da sociedade civil e propôs a formulação do Pacto Nacional pela Mobilidade Urbana. Foi aprovado um documento com propostas de diretrizes e objetivos de funcionamento do pacto, elaborado pelo Comitê Técnico de Trânsito, Transporte e Mobilidade, subordinado ao Conselho, que, por sua vez, é um órgão vinculado ao Ministério das Cidades.

Essa lei também estabelece que as cidades com mais de 20 mil habitantes terão que fazer seus planos de mobilidade. No entanto, sua implantação tropeça nos mesmos empecilhos enfrentados pela matriz dela, que é o Estatuto das Cidades, em vigor há 13 anos, mas ainda sem os resultados que eram esperados.

Para todos os efeitos, os municípios até fazem seus planos diretores, como essa norma determina, mas daí a implantá-los é outra história, porque são feitos de forma burocrática, longe da comunidade. Há interesses poderosos em jogo, que só serão vencidos por meio de processos democráticos, transparentes, de debate com toda a sociedade.

O documento do pacto propõe algo bem mais profundo, que busque soluções capazes de satisfazer os anseios de todos. Da jovem menina secundarista que sacode faixas nas ruas ou do trabalhador combalido pelo tempo ao empresário ou governante de todas as esferas. Basta que estejamos convencidos de que as soluções existem.

Não quer dizer que tenhamos que eliminar o automóvel. O problema não é o carro em si, mas o seu uso. É possível, contudo, elevar a cultura do coletivo, o que significa restringir o espaço destinado ao veículo particular, criando um sistema capaz de atender a todos, com qualidade. Capaz de quebrar tabus sociais, de reduzir o poder do automóvel.

Com isso, será possível dar conotação local ao debate em torno do que virá a ser o Pacto Nacional pela Mobilidade Urbana, de forma inovadora e participativa. Somente assim é que iremos resgatar o conceito de que as cidades são (ou deveriam ser) de todos que as habitam e nelas se mobilizam para seus afazeres diários.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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