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O Espelho Gentil

O Espelho Gentil

Toda forma de autoconhecimento – meditação, análise, ayahuasca – tem na metáfora do espelho, a ideia de que podemos, e devemos, ser capazes de se enxergar com nossos defeitos e qualidades. Também é lugar comum de que “enxergar-se a si mesmo” é tarefa tão imprescindível quanto difícil de ser empreendida. Até o mais iniciante nos caminhos de autoconhecimento sabe o quanto” olhar-se no espelho não é fácil”.

Leandro Altheman Lopes

No entanto, o que a idade, e a vaidade, também nos ensinam é de que alguns espelhos são mais gentis que outros.
Quem nunca percebeu que um espelho às vezes nos deixa mais gordos, ou mais velhos, enquanto outros parecem realçar nossa beleza natural?
 
Quando o espelho é gentil, até as rugas valorizam nossa beleza.
 
O mesmo pode ser dito da luz. Qualquer fotógrafo amador, com seu celular mesmo, sabe que certas luzes, em determinada hora do dia, em determinado ângulo, podem transformar a pessoa numa artista de cinema.
 
O contrário também é verdade. Tem luz que destrói completamente a imagem da pessoa.
 
Penso que a metáfora possa ser aplicada também ao autoconhecimento. Seja em qual linha for, cabe uma boa dose de gentileza: saber olhar a si mesmo, seus erros e defeitos em compreensão amorosa consigo.
 
De nada adianta o anti-narciso odiar a própria imagem refletida no espelho, e tentar destrui-la.
 
O mesmo pode ser dito da luz. Erroneamente às vezes tem se colocado a luz como sinônimo de bem absoluto. O que qualquer jardineiro sabe que não é. Se for acreano então, mais ainda.
 
São os intervalos entre luz e sombra que nos trazem a saúde e bem-estar. A luz absoluta não nos permite enxergar. Ela cega.
 
O espelho gentil é aquele que vê os supostos defeitos e sabe ser gentil com a humanidade e a natureza presentes naquela imagem.
 
Essa ideia de que existe um espelho gentil na qual podemos mirar e admirar a nós mesmos, poderia advir da simples observação da realidade e qualquer pessoa pode chegar às mesmas conclusões apenas na observação.
 
No entanto, para ser justo com quem me deu essa inspiração, atribuo e agradeço esse conhecimento à Oxum, senhora das águas doces, que porta seu espelho – que pode ser tanto uma arma contra malfeitores, quanto um gesto de doçura de que só a senhora do mel é capaz.
 
A Oxum peço a gentileza de me mirar em seu espelho com a doçura de seu mel em meu coração.
Ora Iê Iê ô
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 
 
 
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