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O grande pajé Tata Txanu Yawanawa fez a passagem

O grande pajé Tata Txanu Natasheni Yawanawa fez a passagem

“Tata fez a passagem”. Com essas poucas palavras, o líder indígena Tashka Yawanawa informou do encantamento do grande pajé Tata, aos 104 anos de idade, em dezembro de 2016. Ao povo Yawanawa, nosso abraço solidário. Ao Tata, nossa gratidão pelo rastro de luz que deixa neste mundo. Para homenageá-lo, publicamos um pouquinho de sua história, registrada no carinho da escrita de Tashka Pehaho Yawanawa.

Por Tashka Pehaho Yawanawa

“Sentado numa rede, o pajé reza toda a noite para curar uma pessoa enferma. Reza também para a comunidade global viver saudável, em harmonia com as pessoas e com o meio ambiente.

Shumo é o pote de barro que o pajé Rumeya utiliza para rezar para uma pessoa enferma. Os cantos de reza são a comunicação direta entre o Rumeya e os espíritos. Uma reza pode durar toda a noite.

O pajé nunca repete as mesmas palavras, porque reza exatamente o que vê em suas visões de Uni (erva sagrada). É a tradução da força do pensamento em forma de palavras, que são depositadas na caiçuma ((bebida feita de mandioca) dentro do pote de barro.

Após terminar de rezar, a caiçuma já se transformou em medicina com poder de curar a pessoa. Para que a reza traga a cura, a pessoa tem que cumprir a dieta que o Rumeya lhe passar.

João Ferreira, em Português, e Tata Txanu Natasheni, em Yawanawa, raquítico, semblante suave, caminhada leve, de voz fraca, assim era o Tata. Engana-se quem pensa que se tratava de uma pessoa frágil. Tata possuía uma energia de dar inveja a qualquer jovem.

Ele dirigia, cantava e dançava durante todo o dia e toda a noite, durante os cinco dias do Mariri (Festival Yawanawa). Quem teve o privilégio e a honra de conhecê-lo, logo descobria que aquele velhinho tão humilde e caladinho era um Rei no mundo espiritual.

Tata dedicou sua vida inteira à espiritualidade Yawanawa.  Enquanto muitos jovens desfrutavam da vida, ele seguia o caminho dos mais velhos. Sentado nas grandes rodadas de Uni com os pajés, ouvia os cantos e as rezas atentamente.

Quando perguntavam a ele o porquê do seu interesse em, ainda tão jovem, ser um aprendiz de pajé, Tata respondia que era para quando os mais velhos não estivessem mais vivos ele continuar repassando os conhecimentos do mundo espiritual para nosso povo. Ainda jovem foi aceito e iniciado no caminho do shamanismo Yawanawa pelos grandes pajés de sua época.

Na época em que não utilizávamos a medicina ocidental, Tata curou muita gente.  Graças a ele, nosso povo continua a se perpetuar por gerações. A Agente de Saúde e liderança indígena, Mariazinha Luiza Naiweni, faz a seguinte descrição:

“O pajé Rumeya reza a caiçuma para curar uma pessoa doente, mas também como medida preventiva. Quando alguém tem um sonho ruim, conta para o pajé, que interpreta o sonho e, de acordo com esse sonho, reza a caiçuma para a pessoa beber, evitando assim que adoeça. Essa caiçuma atua como uma vacina”.

Tata foi sempre um amigo, um guia espiritual e uma pessoa de extrema sabedoria, com quem aprendemos muito para viver neste mundo. Ele era uma das pessoas mais sérias, honestas e respeitosas que conhecemos.

Ele representa a memória viva dos Yawanawa. Ele sempre usou sua sabedoria e a ciência indígena para curar as pessoas enfermas que o buscavam atrás de cura. Tata sempre usou sua força espiritual para fazer o bem para a humanidade.

Em 2006, quando duas jovens Yawanawa pediram para serem iniciadas no shamanismo Yawanawa, antes uma função exercida exclusivamente por homens, Tata quebrou um tabu e iniciou as duas mulheres no shamanismo. Uma das coisas que mais admirávamos do Tata era a sua humildade. Tata era uma pessoa com muita sabedoria do conhecimento espiritual Yawanawa, no entanto ele sempre dizia que “não sabia de nada, que ele não era de nada”, diferente de muitos “pajés” espalhados pelo mundo que dizem saber de tudo.

Mas Tata era assim. Ele nem precisava dizer que era o pajé mais forte, mais sábio e mais autêntico, porque suas próprias ações falavam e mostravam isso ao mundo. Podemos afirmar que Tata pode ser considerado uma das personalidades do milênio, por sua sabedoria, por sua humildade e pela paz que transmitia a todos que o conheceram.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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