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O mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). Este primata habita uma região com cerca de 4.000 quilômetros quadrados, dos quais cerca de 1.300 quilômetros quadrados são protegidos. A espécie está se recuperando devido aos esforços enérgicos da Associação Mico-Leão-Dourado dedicada a trabalhar com os proprietários locais para protegê-la em suas terras particulares. Foto: Stuart Pimm.

Para salvar o máximo de biodiversidade possível do planeta, o que faz mais sentido? Continuar investindo na criação de grandes reservas ou áreas protegidas em regiões como a Amazônia, onde grande parte do bioma já se encontra pelo menos em parte protegido no interior de um grande número de parques, reservas e áreas indígenas ou valeria mais à pena investir na conservação de pequenas áreas com altíssimo grau de endemismo, locais que guardam espécies únicas, como é o caso da Mata Atlântica?

Um novo estudo que acaba de ser publicado adverte que é a qualidade das áreas protegidas, e não somente a sua quantidade ou maior extensão geográfica, o que importa na tarefa de tentar proteger da extinção ao menos metade das espécies que habitam os continentes do planeta.

“Há muita discussão sobre como proteger, no mínimo, metade da biodiversidade do planeta. O desafio é saber qual metade devemos proteger?” diz o americano Stuart Pimm, professor de Ecologia da Conservação da Faculdade de Meio Ambiente da Universidade Duke, na Carolina do Norte.

Pimm é um dos autores de um trabalho publicado hoje no importante periódico científico Science Advances.

“A predileção dos governos nacionais é proteger áreas que são ‘selvagens’ – isto é, tipicamente remotas, frias ou áridas”, disse Pimm. “Infelizmente, essas áreas contêm relativamente poucas espécies. Nossa análise mostra que proteger até metade das grandes áreas selvagens do mundo não protegerá muito mais espécies do que atualmente.”

De acordo com Pimm, para proteger o maior número possível de espécies em risco, especialmente aquelas endêmicas a hábitats pequenos, os governos devem expandir seu foco de conservação e priorizar a proteção de hábitats-chave fora das florestas, parques e reservas existentes.

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A onça-parda Vitória, morta no começo do ano. População está em declínio acelerado na Caatinga. Foto: Programa Amigos da Onça.

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“Se quisermos proteger a maioria das espécies da extinção, temos que proteger os lugares certos ‒ lugares especiais ‒ não apenas mais áreas, ou reservas maiores localizadas em locais distantes e desabitados do planeta, como o Ártico e os desertos,” disse em entrevista a ((o))eco o segundo autor do trabalho, o ecólogo americano Clinton Jenkins, radicado no Brasil, e que leciona e pesquisa no IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), em Nazaré Paulista, São Paulo.

O estudo de Jenkins e Pimm parte da análise geoespacial de todos os continentes, buscando entender de que forma o atual sistema global de áreas protegidas se sobrepõe aos milhares de hábitats onde vivem quase 20.000 espécies de mamíferos, aves e anfíbios, aquelas melhor conhecidas da ciência. O trabalho abarca 5.311 espécies de mamíferos terrestres, 10.079 espécies de aves terrestres, 6.397 espécies de anfíbios.

“O grupo dos chamados répteis, como cobras, tartarugas, lagartos e crocodilos não foi incluído devido à falta de uma grande base de dados mundial confiável de todas as espécies de répteis e sua localização, o que já existe no caso de mamíferos, aves e anfíbios,” explica Jenkins.

“Combinadas, as cerca de 20.000 espécies de aves, mamíferos e anfíbios que entraram no estudo representam cerca de 1% dos 2 milhões de espécies descritas pelos taxonomistas,” lê-se no trabalho. “Por sua vez, estas 2 milhões de espécies descritas podem significar apenas 10% do total de espécies do planeta.

“Por que não há análises para insetos, já que eles constituem 90% de todas as espécies? Simplesmente, não há dados adequados. Já no caso das plantas, que também não entraram no estudo, estima-se que 15% do total de espécies ainda é desconhecido, e os dados de distribuição das espécies conhecidas ainda são muito grosseiros para estimar sobreposições com áreas protegidas e áreas selvagens.”

 

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Reserva Biológica Poço das Antas, que abriga a maior população nativa de micos-leões-dourados. Foto: Luis Paulo Ferraz/Wikiparques

O estudo revela que tais lacunas continuarão a persistir, mesmo que os governos protejam até metade das áreas selvagens remanescentes no mundo. Isto porque todo o esforço mundial de conservação ainda é ineficiente.Ao realizar este grande levantamento, os pesquisadores descobriram que os esforços de conservação global aumentaram a proteção de muitas espécies. “Por exemplo, quase metade das espécies de pássaros que têm as menores áreas de distribuição geográfica têm agora pelo menos parte de seus hábitats protegidos ‒ mas ainda existem lacunas críticas,” revela Jenkins.

Os pesquisadores apontam a existência de lacunas importantes em todo o mundo, locais que merecem proteção dado o seu elevado grau de biodiversidade, mas que permanecem desprotegidos, como grande parte dos Andes, a Mata Atlântica e o sudoeste da China.

“Certamente há boas razões para proteger grandes áreas selvagens, pois elas fornecem serviços ambientais. Um exemplo óbvio é a Amazônia, onde a perda da floresta pode causar mudanças severas no clima,” diz Pimm. “Para salvar o máximo de biodiversidade possível, temos em primeiro lugar que identificar quais são as espécies que se encontram pouco ou mal protegidas. Em seguida, devemos identificar quais são as regiões que elas habitam. Só assim será possível iniciar ações práticas e efetivas de proteção que abarquem o maior número de espécies possível.”

Mas proteger grandes porções da Amazônia não altera o resultado da complicada equação que é proteger a maior parte da diversidade do planeta. “A Amazônia já tem grande parte da sua extensão geográfica protegida em reservas e em terras indígenas,” diz Jenkins. “Mas para salvar o máximo de espécies possível, faz muito mais sentido que o governo brasileiro passe a priorizar agora a criação de áreas protegidas na Mata Atlântica, um bioma tropical riquíssimo que foi quase totalmente devastado.”

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Uma pequena área não atingida forma uma ilha em meio a destruição do incêndio que atingiu a Reserva poço das Antas, em fevereiro de 2014. Foto: Luiz Paulo Ferraz/AMLD

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“O pouco que ainda resta de Mata Atlântica está confinado em áreas relativamente pequenas, porém com altíssima biodiversidade. Um único vale isolado de Mata Atlântica, por exemplo, contém inúmeras espécies endêmicas de anfíbios ou plantas, criaturas que vivem ali. Assim, preservar regiões com elevado endemismo, confinado em áreas pequenas, geralmente com menos de 10 mil km2, irá salvar um número imenso de espécies.”

Pimm e Jenkins lideram uma organização não-governamental chamada SavingSpecies, cujo objetivo é justamente redefinir as ações de conservação da biodiversidade. “Nossa missão é ajudar espécies endêmicas e ameaçadas a se recuperar de circunstâncias que prejudicam sua sobrevivência a longo prazo,” afirma Jenkins.

“Concentramos nossos esforços em lugares onde a riqueza da biodiversidade do planeta está em perigo extremo. Usamos mapas de distribuição de espécies e modelos de extinção desenvolvidos para definir prioridades de conservação,” diz Jenkins.

ANOTE AÍ

Fonte: O Eco