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Os efeitos da soja no Cerrado

Os efeitos da soja no Cerrado     

A soja é um alimento de valor nutricional inquestionável, com capacidade de gerar diversos produtos para várias finalidades. Entretanto, botanicamente é sazonal e tem raízes subsuperficiais, o que exige cuidadoso estudo quando esta planta ocupa locais estratégicos do ponto de vista ambiental e substitui plantas com sistemas radiculares complexos. Por isso o plantio deverá seguir normas rígidas de zoneamento ecológico e de planejamento ambiental, para que elementos importantes da ecologia regional sejam preservados.

Inicialmente apenas uma espécie de soja foi introduzida no Brasil. Após experimentos patrocinados pelo governo e por empresas para corrigir a acidez e o oligotrofismo do solo do Cerrado, com a utilização de calcário específico, adubos químicos e herbicidas, essa espécie adaptou-se muito bem no ambiente dos chapadões tabulares do oeste da Bahia, como também em chapadões localizados em outros estados situados no espaço geográfico coberto pelo sistema biogeográfico do Cerrado.

Esses chapadões, conhecidos também como campinas, são ambientes de relevo plano, vegetação rasteira e altitudes que oscilam entre 900 a 1000 metros, acima do nível do mar. Após esses experimentos que aconteceram no início da década de 1970, o plantio dessa variedade se deu de forma indiscriminada.

Toda vegetação nativa foi retirada de forma avassaladora. O manejo do solo aconteceu de forma dinâmica. No início, plantava-se somente no período chuvoso, mas com a abundância de água e com o desenvolvimento de sistemas de irrigação movidos inicialmente por geradores a diesel, depois com energia hidrelétrica implantada pelos governantes, o sistema de irrigação foi dinamizado, permitindo o cultivo durante todo ano, inclusive na estação seca.

Como se trata de uma planta exótica, esta trouxe para a região vários tipos de insetos e larvas simbióticas que se associaram a alguns insetos nativos e larvas que também aproveitavam das novas plantas para se alimentarem, já que as plantas nativas foram retiradas. Este fato obrigou a utilização de toneladas de venenos para serem dispersas de várias formas, incluindo a forma aérea, para pôr fi m aos predadores das novas plantas.

Isso desencadeou um processo acelerado de desequilíbrio, acabando com a fauna nativa de modo geral, incluindo as abelhas indígenas, sem ferrão, classificadas como meliponae. As plantas nativas que tentavam rebrotar, através das raízes, eram combatidas com herbicidas específicos. A utilização desses agentes provocou a contaminação do solo, depois a contaminação das águas subterrâneas e depois a contaminação das próprias águas superfi ciais.

Num primeiro momento, o primeiro grande impacto social causado por este modelo foi a impossibilidade de os vaqueiros utilizarem o capim nativo para alimentação do gado criado extensivamente. Primeiro porque o gado estragava as novas plantações, e também porque o capim nativo havia sido retirado. Outro fator é que os seguranças dos “novos” proprietários os impediam de levar o gado.

Para entender tal situação, é bom que se explique que essas terras ocupadas para plantação de soja eram terras devolutas e que, quando a pastagem em função de uma estiagem mais prolongada secava nas partes mais baixas, o gado criado ali era transportado para as partes mais altas, onde o pasto composto por gramíneas nativas permanece verde toda época do ano.

Os nativos que, sazonalmente, faziam uso dessas terras reuniam o gado durante a época do regresso em cercados primitivos que recebem o nome de fechos. Essas pessoas tinham às vezes a titulação provisória das terras. O título definitivo é dado pelo Estado. O novo proprietário adquiria esses títulos definitivos e, uma vez em suas mãos, expandia em muito os limites adquiridos.

Os chapadões tabulares ou campinas são os grandes responsáveis pela recarga dos aquíferos, primeiro porque a vegetação, que possui um sistema radicular peculiar, não deixa escorrer as águas das chuvas. Segundo, porque a própria geomorfologia plana faz com que esse escoamento não exista, ou seja restrito.

Os impactos advindos dessa situação podem ser assim resumidos:

1. Redução dos níveis dos aquíferos, que acontece principalmente por causa da retirada da cobertura vegetal;

2. Redução do patrimônio genético com a destruição de comunidades vegetais, com potencial farmacêutico. Aliás, muitas das plantas componentes desse subsistema já estão incorporadas na farmacopeia universal, como é o caso da douradinha (Palicuria couriácea), com princípios ativos para várias funções reais;

3. Modificação do solo, impedindo no futuro, quando necessária, a revitalização com plantas nativas;

4. Extinção de animais endêmicos, pela ação de herbicidas e inseticidas;

5. Contaminação do solo e dos lençóis de água pela grande utilização de agrotóxicos.

Do ponto de vista social, aconteceu a desestruturação de um sistema de ocupação humana secular, fato que poderá em curto espaço de tempo ser o estopim ainda maior de grandes conflitos sociais.

Embora a soja seja originária da China, foi no Brasil em que essa planta sofreu as maiores modifi cações científi cas. Hoje o Brasil produz sementes de soja adaptadas a diversos microclimas.

De posse dessa tecnologia, os grandes proprietários rurais expandiram suas plantações para diversos subsistemas de Cerrado, como o cerrado strictu senso, cerradão, as veredas e os cerrados existentes nas mesetas dos interflúvios, que são aqueles espaços que separam as microbacias. E assim, dessa forma, alcançaram todo o Cerrado, criando infraestrutura de suporte para o escoamento, vários pontos urbanos novos surgiram e as comunidades que viviam dos sistemas agrícolas tradicionais foram ou estão sendo totalmente desestruturadas.

Quase tudo que era consumido nos antigos centros urbanos, nos povoados e nas fazendas, era produzido com base no sistema familiar: feijão, arroz, mandioca, com seus inúmeros subprodutos, açúcar mascavo, açúcar refinado, cachaça, frutas, doces, café, carnes, tecidos de algodão etc. As poucas coisas importadas eram o sal e as ferragens. Quase tudo era produzido no próprio local.

O avanço da agricultura intensiva acabou com esse sistema. E os sistemas de irrigação utilizados que acabaram primeiro com a vida aquática, agora estão tirando dos rios a pouca água existente.

Altair Sales Barbosa
Dr. em Antropologia e Geociências
Smithsonian Institution de Washington D.C. USA –
Pesquisador do CNPq – Membro Titular do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás

 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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