A irreverente Pagu: Patrícia Rehder Galvão

Pagu nasceu em junho de 1910, no interior de São Paulo. Pagu sempre esteve à frente de seu tempo. Foi crítica literária, escritora modernista, poeta, diretora de teatro, tradutora, desenhista, ilustradora, jornalista e mãe.

Pagu não participou da Semana de Arte Moderna, em 1922, por ter apenas 12 anos de idade. Mas aos 18, foi considerada a musa do movimento antropofágico, sob a influência de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, com quem passou a ter extrema amizade. Com Oswald, a amizade evoluiu para um caso de amor e de infidelidade. Em 1930, o poeta se separou de Tarsila para se casar com Pagu, que estava grá de seu primeiro filho.

Avançada para os padrões da época, fumava na rua, usava blusas transparentes, saias muito curtas; mantinha os cabelos curtos e volumosos, por vezes compridos e esvoaçantes e gostava de dizer palavrões. Esse comportamento chocava a sociedade do início do século XX e contradizia sua origem familiar conservadora e tradicional.

Moça dada à e aos livros, de imensa capacidade imaginativa, aos quinze anos começou a escrever no Brás Jornal e assinava sob o pseudônimo Patsy e também Patty. Continuou escrevendo e publicando por toda sua vida. Usou o pseudônimo King Shelter, para publicar contos policiais na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues. Estes contos foram reunidos no livro Safra Macabra (1998).

Em ambiente de amigos e familiares era conhecida por “Zazá”. O apelido Pagu surgiu ao acaso. Foi erro do poeta modernista Raul Bopp que lhe dedicou em 1928, o poema, que virou letra de canção em 1929: “Pagu tem os moles/uns olhos de fazer doer/Bate-coco quando passa/Coração pega a bater/Eh Pagu eh! (…) dói porque é bom de fazer doer”. Bopp achava que a moça se chamava Patrícia Goulart e quis fazer uma brincadeira criando-lhe um novo nome. O apelido caiu no gosto dos amigos e assim ficou: Pagu.

A irreverente Pagu defendia e acreditava na participação ativa da na sociedade e na política e, por seus ideais, foi a primeira mulher presa no por motivos políticos, na de Getúlio Vargas.

Em 1931, junto com Oswald, passa a atuar no Partido Comunista e ajuda na organização de uma greve de estivadores em Santos. Faz um bonito discurso com ideias feministas e defendendo a classe operária. Sai direto para a cadeia. Amarga seus dois primeiros anos de prisão. Após o nascimento do filho, viaja para Buenos Aires e participa de um festival de poesia. Lá conhece Luís Carlos Prestes, e volta fascinada pelos ideais marxistas.

Em 1933, sob o pseudônimo Mara Lobo, publica o romance Parque industrial, em defesa da mulher pobre contra as investidas vitoriosas dos playboys sobre as meninas operárias do Brás, bairro da capital: “Pelas cem ruas do Brás a longa fila matinal dos filhos naturais da sociedade. Filhos naturais porque se distinguem dos outros que tem tido heranças fartas e comodidade de tudo na vida. A burguesia tem sempre filhos legítimos. Mesmo que as esposas virtuosas sejam adúlteras…”.

Em 1935, foi detida, torturada e condenada a dois anos de prisão por sua participação no Levante Comunista, que ficou conhecido também como Intentona Comunista ou Revolta Vermelha de 35 e também Revolta Comunista de 35. O movimento foi uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas encabeçado por militares, em nome da Aliança Nacional Libertadora, com apoio do Partido Comunista do Brasil  (PCB) e do Comintern (Comitê Internacional) ligado ao PCB.

Pagu foi presa, detida e repatriada, em Paris, como comunista estrangeira e por ser portadora de identidade falsa imputaram-lhe o crime de falsidade ideológica. Nesse ano, após brigas e sessões de ciúmes de Oswald, separa-se definitivamente do poeta. Volta a ser presa em 1938 e dessa vez é condenada a mais dois anos de prisão. Sofreu 23 prisões ao longo da vida.

Ao deixar a prisão, em 1940, estava com 44 quilos e a mente em frangalhos. Tenta suicídio pela primeira vez, e rompe com o Partido Comunista, passando a defender um socialismo com influência de Trotsky.

De retorno de sua viagem à União Soviética, registrou sua decepção com o comunismo. Como correspondente de vários jornais visitou também os EUA e o Japão. Encontra o companheiro e marido Geraldo Ferraz, com quem teve seu segundo filho.

Juntamente com o marido e alguns militantes passa a integrar a redação de A Vanguarda Socialista. Vive um período de felicidade ao lado dos dois filhos e do marido. Em 1941 vai à China e de lá traz as primeiras de soja que foram introduzidas no Brasil.

Em 1945, escreve em parceria com o marido um novo romance: A Famosa Revista. Tenta se aventurar pelo ambiente político formal, como candidata a uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950. Foi sua primeira e única tentativa fracassada de assumir um cargo eletivo.

A partir de 1952 passa a dedicar-se ao Teatro de vanguarda e leva seus espetáculos para a cidade de Santos –  SP. Sua atuação junto ao meio artístico a faz conhecida como ativista cultural. Motivou muitos jovens a seguirem a carreira artística, envolvendo-se principalmente com grupos de teatro amador.

Nesse e nova missão, Pagu descobre-se com câncer. Procura tratamento e cirurgia em Paris e não obtém a cura. Frustrada, decepcionada e abalada emocionalmente pela doença tenta novo suicídio. Transforma esse triste episódio, em escritos. Retorna ao Brasil e, por fim, é vencida pelo câncer. Pagu morre aos 52 anos, em 12 de dezembro de 1962.

Recebeu homenagens póstumas como exposições de seus desenhos e textos inéditos, inclusive no MASP. Sua vida foi contada em filme: Eternamente Pagu (1987). Pagu foi tema de dois documentários premiados: Patrícia Galvão – livre na imaginação no espaço e no tempo (1988), sob a direção de seu filho com Oswald de Andrade, Rudá de Andrade. O outro documentário, do cineasta Ivo Branco, tem o título Eh, Pagu! Eh! Foi também personagem da minissérie Um Só Coração (2004). As cantoras Rita Lee e Zélia Duncan dedicaram-lhe a canção Pagu: “(…) sou rainha do meu tanque/ Sou Pagu indignada no palanque…”

O teatro também resgatou sua história, no ano de seu centenário de nascimento, com o espetáculo Dos Escombros de Pagu, baseado no livro homônimo de Tereza Freire. Nesse ano, 2010, foi publicada a Fotobiografia Viva Pagu, de autoria de Lúcia Teixeira Furlani e Geraldo Galvão Ferraz, seu segundo filho. Em 2006, Pagu foi enredo da Escola de Samba X-9 de Santos.

“Pagu, maquiagem forte nos olhos, lábios vermelhos e um olhar desafiador. Linda, inteligente e versátil”. Essa foi a Pagu a quem aprendemos admirar pela política, por sobreviver às prisões e torturas, por acreditar em uma sociedade mais justa, por vislumbrar um mundo sem fronteiras, injustiças e preconceitos, por desafiar os padrões vigentes, por ser feminista e por sua irreverência: Salve Pagu!

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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