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Pele de Foca

Pele de Foca

Por Eliane Potiguara

Minha pele estava pelas vicissitudes da vida. Eu mergulhei nas profundezas dos mares e reencontrei com minha avó-foca, com minhasa sec sagradas ancestrais e os velhos guerreiros que também não se envergonhavam por suas lágrimas.

Elas – sabiamente – me contestaram e me mostraram que eu, inconsciente e pacificamente, aceitava os padrões éticos impostos pela intolerância da sociedade , e voltei com minha alma fortalecida, voltei com meus sonhos definidos, voltei com minha intuição extremamente clara, precisa, determinada.
 
Minhas costelas não estão mais descarnadas, a carne voltou a crescer depois que os homens derramaram suas lágrimas pelas mulheres do mundo e eu não sou mais uma mulher esqueleto, jogada ao fundo do mar, como se fora um sapato velho, pela cultura impostora.
 
Sou uma mulher de fibra, porque eu me reconstruí por mim mesma, depois de dançar desvairadamente na vida com meu iludido sapatinho vermelho. Quase perdi os meus pés, as ervas daninhas enrolaram neles pra que nunca mais caminhasse pelas estradas do saber, da consciência e do mais alto grau da espiritualidade indígena, mas pude dominá-los e arrancar esses malditos sapatinhos vermelhos das chamadas “MULHERES E MÃES BOAS-DEMAIS”!!!
 
Que por serem assim, vivem sufocadas pelo peso da história e da opressão e quando vislumbram uma “semiliberdade”, uma ilusão, a Pseudoliberdade, se perdem nos terríveis sapatinhos vermelhos da cultura falsamente iluminada, que escamoteia o poder, o preconceito, o racismo.
 
Meu ego , não pode ser mais forte que minha alma. Minha alma é ancestral, meu ego não pode dominar minha verdadeira história.
 
Faço agora um acordo entre meu ego e minha alma. Minha alma é primeira , é forte é intuitiva; ela é ética, pra não dizer pura, minha alma é terna, eterna amante, indígena.
 
Mas meu ego, condicionado pela cultura dominante, me leva para a escuridão terrena, celestial, marítima, onírica e filosófica. Conduz minha autoestima para os porões.
 
Não mulheres do mundo! Não aceitemos mais. Não, não, não, não, não! Meu ego não pode ser mais forte que minha alma, meu ânima, minha essência de mulher selvagem, indígena, essencial à preservação digna do planeta e dos seres humanos. Basta de violência.
 
Nós somos lobas. Somos músicas que ecoam no etéreo.
A luz se abriu e a minha pele de foca voltou a se umedecer.
 
Eliane Potiguara – Escritora. Texto extraído do livro: “Metade Cara, Metade Máscara” de Eliane Potiguara). Foto de Eliane: Prezenssa. 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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