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Peregrinos do Alvorecer

Peregrinos do Alvorecer 

Altair Sales Barbosa

Esta narrativa começa com a história do povoamento humano no centro da América do Sul, que tem seu início por volta de 12.000 A.P. Naquela época, muitas paisagens que hoje caracterizam o Continente Americano, e a América do Sul em particular, ainda não existiam na forma que se apresentam hoje.

O planeta Terra estava vivendo a fase final da glaciação Pleistocênica. Havia muita turbulência. As correntes oceânicas possuíam raios de abrangência, diferentes dos atuais, que refletiam de forma decisiva nas correntes atmosféricas e que, aos poucos, foram modelando as paisagens continentais, distribuindo tipos climáticos por todos os cantos do continente, consolidando alguns biomas e modificando drasticamente outros. Era a aurora de uma nova época, conhecida como Holoceno.

O planeta estava se aquecendo. As geleiras do Ártico despencavam em blocos sobre o mar ou provocavam, pelas correntes de águas derretidas, sulcos medonhos no interior dos continentes.

O nível do mar estava subindo e tomando lentamente as partes expostas do que hoje constitui as plataformas continentais. Havia uma lenta subida do nível das águas oceânicas, que proporcionava o represamento dos cursos d’água interiores. Com isso, a mecânica dos rios foi mudando, transformando esses cursos d’água menos velozes e mais largos, brindando oportunidades para a formação de planícies e lagoas marginais.

A temperatura, entretanto, era mais baixa que os padrões atuais. Os ventos de junho e julho provocavam as friagens na parte central da América do Sul, um fenômeno tão forte que causava muitas mudanças de comportamento na fauna nativa.

Por falar em fauna nativa, nessa época ainda existiam nos chapadões centrais da América do Sul elefantes, conhecidos como Haplomastodon; preguiças gigantes, conhecidas como Eremotherium; tatus gigantes, conhecidos como Gliptodontes, e tantos outros gigantes que compunham a megafauna da América do Sul.

Perseguindo esses animais, existia um grande carniceiro, oriundo da América do Norte, conhecido pelo nome popular de tigre-dentes-de-sabre, grande felino do gênero Smilodon. Ao lado desses animais, uma fauna variada de médio e pequeno porte partilhava seus nichos e ecossistemas. Alguns desses animais de médio e pequeno porte conseguiram sobreviver até os dias atuais.

O Cerrado, com os seus diversos ambientes, já existia em toda a sua plenitude e servia de acolhida como uma manjedoura de palha para toda a diversidade de fauna, desde os mamíferos até os pequenos insetos polinizadores.

Foi nesse cenário que os primeiros seres humanos chegaram ao interior da América do Sul.

PEREGRINOS DO ALVORECER

Tratava-se de um grupo pequeno, composto de quatro a cinco famílias nucleares, tendo, ao todo, de dezoito a vinte pessoas, incluindo crianças. Pelo que se conhece acerca do comportamento dos grupos caçadores e coletores, essa população chegou ao alvorecer.

Certamente veio “verediando” pelo alcantilado de alguma serra, atraída pelo aroma dos cajuís. A época correspondia, no calendário atual, ao que deveria ser final de setembro. A claridade já permitia a visão de um céu azulado e uma brisa temperada tal qual um manto de algodão cobria de calor aqueles corpos maquiados com cinzas.

Enquanto o sol ia irradiando seu clarão, aquela gente pôde enxergar um pequeno córrego de águas límpidas. Mais ao longe, se descortinaram as brumas brancas de uma pequena cachoeira. Bem próximo, uma lagoa e, mais distante, um rio de águas correntes parecia indicar que ainda existiam outros caminhos.

O dia foi-se evidenciando e, à medida que isso se concretizava, os animais de hábitos herbívoros se aglomeravam para deliciar o gosto meio adocicado dos brotos novos das gramíneas que surgiam como um tapete, esverdeando o solo escuro, chamuscado pela última queimada.

Juntos estavam também animais insetívoros, que se banqueteavam ao redor dos cupinzeiros. Ao largo, na espreita, estavam camuflados os carnívoros, esperando apenas um vacilo para agarrar sua presa.

Aqueles humanos se sentiam quase que alucinados diante de tal abundância. Ao olharem mais adiante, avistaram a testa esbranquiçada de um paredão de arenito. Sua intuição os conduziu ao local. Ali encontraram vários abrigos naturais. Nos taludes desses, mas embaixo, sempre havia uma mina d’água de excelente qualidade. Talvez o sonho do paraíso estivesse naquele momento se concretizando. O local foi batizado com o nome Jardins da Plantas Tortas, e assim tornou-se conhecido.

            A tarde foi chegando e a revoada de mariposas e tanajuras era a festa para muitas aves. Os homens daquele grupo acamparam no abrigo. Providenciaram uma fogueira, reconheceram melhor o ambiente, escolheram os locais mais protegidos para as crianças e se distribuíram pelo abrigo de pedra, conforme suas conveniências. E ali permaneceram. Também existia uma profusão de meliponíneas, abelhas sem ferrão, que recheavam as cavidades dos paredões, das árvores ou do solo, com seus deliciosos potes de mel.

Os descobridores do  Jardim das Plantas Tortas tinham à sua disposição proteína animal, vitaminas diversas, oriundas dos variados frutos, e açúcares, provenientes da coleta do mel silvestre. Sua dieta ainda era complementada pela cata de ovos e pelo consumo de alguns insetos ou de suas larvas. A sobrevivência era ainda presenteada com espécies lenhosas para as fogueiras e com uma variedade de matéria-prima mineral, que utilizavam para fabricar instrumentos.

Não se sabe ao certo se os Peregrinos do Alvorecer usavam algum tipo de vestimenta. Entretanto, como a temperatura era ligeiramente mais fria do que a atual, é de se supor a existência de algum agasalho, confeccionado com couro, principalmente de cervídeos, que lhes servia de proteção contra as friagens. Além do mais, seu grande arsenal de ferramentas de pedras mais bem trabalhadas ressalta a presença maciça de raspadores encontrados com marcas de sangue, sugerindo uma associação com o preparo do couro.

Quanto à temperatura ambiente, embora fosse um pouco mais baixa que os padrões atuais, não havia excessos, isto é, nem frio nem calor muito intensos, a não ser em poucos dias do ano. As chuvas se distribuíam de acordo com os padrões atuais. Os estudos da estratigrafia em abrigos e fora deles revelam uma estação seca, outra chuvosa.

O que se pode concluir dessas inúmeras observações é que os efeitos do final da Era Glacial, tão marcantes em outras partes do planeta, não chegaram a causar modificações bruscas nos chapadões do centro da América do Sul, ocupados pelas vastidões de variedades dos cerrados.

          

NOVAS LEVAS DE POVOADORES

Imediatamente após a chegada das primeiras hordas de povoadores ao centro da América do Sul, outros bandos começaram a habitar a área. Para evitar conflitos territoriais, cada clã, se assim pode-se caracterizar o sistema de organização social desses grupos, procurava ocupar nichos específicos, com uma distância razoável onde houvesse recursos para a sobrevivência de cada grupo. Essa distância situava, em média, 150 km, que variava de acordo com as condições oferecidas pelo ambiente físico e biótico.

O isolamento entre os grupos não era totalmente definitivo. Vez por outra havia encontros visando à prática de algum ritual, e certamente encontros menores ocorriam quando da exploração de algum tipo de matéria-prima mineral.

O fato é que, rapidamente, uma área de dois milhões de quilômetros quadrados do Brasil Central foi ocupada em nichos específicos por essas populações, desde terras de Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, até alguns tabuleiros da chapada do Araripe, do sul do Ceará até Pernambuco.

Outro dado impressionante a ressaltar é que esses grupos visitaram, em toda a extensão de terras, cada local onde quer que existisse afloramento de matéria-prima mineral para a confecção de ferramentas e lascas. A impressão que se tem tem é que eles colocaram suas mãos em quase todos os fragmentos de rochas, pois a maioria apresenta sinais de lascamento.

É claro que esses afloramentos foram utilizados por sucessivas gerações, mas também é evidente que os grupos que mais os exploraram foram os criadores da Tradição lítica denomidada Itaparica.

Fazendo uma tênue relação com a etnologia, é possível afirmar que esses grupos de povoadores iniciais eram parentes próximos que falavam uma única língua, caracterizada mais tarde pelos linguistas como Tronco Macro-Jê.

As diferenças regionais que surgiram pelo isolamento e pelo desejo de uma identidade própria foram certamente a causa principal da diferenciação linguística entre os diversos grupos Macro-Jê que conseguiram sobreviver até os tempos históricos.

Foto: Divulgação/Monique Renne

A TRADIÇÃO ITAPARICA

A revisão da Pré-História da América do Sul revela a existência, em períodos anteriores ao povoamento do interior do Brasil, de um horizonte cultural que atuava em áreas de savanas e outras formações abertas.

Esse horizonte estava estabelecido em espaços ao leste dos Andes, ou próximas a essa orientação, e quase à borda da área nuclear de vegetação de cerrado dos chapadões baixos da Amazônia.

Esse horizonte, conhecido como “Horizonte Descontínuo das Savanas e Formações Xenófilas”, ocorre em forma não homogênea, desde aproximadamente 15.000 anos A.P. até 12.000 anos A.P.

Suas principais categorias espaciais são representadas por El Abra, Ayacucho e Guitarrero I, que englobam um conjunto de complexos culturais similares, caracterizados por uma organização social baseada na coleta e na caça, em que os animais de grande porte, atualmente extintos, constituíam uma alternativa significante.

Entre esses animais destacam-se Haplomastodon, Equus e Mastodonte (em Tibitó I) e Scelidhoterium, Megatherium, Palaelama e Cavalo americano (em Ayacucho), além de outras formas similares em Guitarrero I.

A observação sobre a formação desse horizonte e sua configuração espacial e temporal demonstra uma fase de implantação situada entre 15.000 e 14.000 anos A.P., seguida pela fragmentação de algumas áreas, provocada por migrações para o Leste, que caracteriza o período de 13.000 a 12.000 anos A.P. A partir dessa época, a principal área cultural ainda habitada nas savanas colombianas fragmenta-se, propiciando migrações para o interior do continente.

O desaparecimento desse horizonte coincide com uma época de grande instabilidade climática, que marca o limite entre o Pleistoceno e o Holoceno. Coincide também com o avanço das áreas florestadas sobre áreas de caatinga nas depressões, e áreas de cerrado, nos baixos platôs da Amazônia.

Essas mudanças significativas do ambiente e seus reflexos certamente intuem nas populações humanas aí estabelecidas a necessidade de buscar novas alternativas e planejamento de subsistência, o que implica novos arranjos sociais.

Esse fenômeno não parece ser exclusivo das populações que constituíam esse horizonte. Ao contrário, a revisão da Pré-História do continente apresenta intensos movimentos ocorridos nessa época nas áreas povoadas do Oeste.

Esse período coincide também com o agravamento de um processo de drástico empobrecimento qualitativo e quantitativo, representado por uma grande extinção da biomassa animal.

Por volta de 12.000 A.P., os ecossistemas tropicais já se mostravam bastante alterados em relação à composição faunística. No caso das áreas tropicais situadas entre os Andes e a área “core” do Cerrado, ainda presente nos baixos chapadões da Amazônia, essa fauna de gigantes já se encontrava bastante reduzida, quase totalmente extinta nesse período ou, quando muito, em torno de 11.000 anos A.P.

O rareamento da biomassa de megafauna afetou a subsistência de agrupamentos humanos, impulsionando estes à busca de novas alternativas e a desenvolverem novos mecanismos de subsistência. Um dos pontos de convergência, e talvez o mais importante, era constituído pelas áreas de vegetação de cerrado, já bastante reduzidas, mas ainda existentes à época nos baixos platôs amazônicos, configurando-se na forma de faixas estreitas que se conectavam com a grande área “core” dos chapadões centrais do Brasil.

Nesse ambiente, a concentração de recursos vegetais, associada a uma grande porcentagem de biomassa animal, representada por animais de pequeno e médio porte, constitui-se uma fonte alternativa de singular importância para essas populações que, lentamente, aperfeiçoam um sistema de coleta e caça generalizada.

A revisão da Paleontologia do continente, englobando o período situado entre o Pleistoceno Superior e o Holoceno Inicial, demonsta que alguns domínios ou sistemas biogeográficos se apresentam como fenômenos recentes e que esse período é marcado por grandes transformações, que representam uma revolução na composição biogeográfica do continente.

Os inúmeros estudos sobre Paleontologia do continente referentes àquele período comprovam essa afirmação e evidenciam a existência de grandes áreas de vegetação aberta, onde hoje ocorre a floresta úmida amazônica. Essas áreas de vegetação aberta eram caracterizadas pela ocorrência de caatinga nas depressões, e de cerrado, nas partes mais elevadas.

Esses mesmos estudos evidenciam também que o Sistema do Cerrado dos chapadões centrais do Brasil foi o menos afetado pelas oscilações do Pleistocento Superior e Holoceno Inicial. A essas observações acrescentam-se observações biológicas, a partir principalmente de estudos de Haffer (1969), Vanzolini (1970) e Brown (1977).

Após estudos de algumas espécies de aves da região amazônica, Haffer (1969) postula que, várias vezes durante o Quaternário, a floresta úmida tinha sido reduzida a manchas concentradas nos locais de maior umidade, que ele denomina de refúgios, separados entre si por formações abertas.

Essa situação, segundo o autor, provocou o isolamento, às vezes  longo, de populaçoes interatuantes da fauna selvática, agindo, assim, para a diferenciação em raças, subespécies ou até espécies completas.

O autor afirma que esse arranjo paisagístico brindou oportunidades para que a fauna não selvática pudesse expandir desde o Sul até as terras baixas, atravessando-as. Populações reliquituais em parques de savanas isoladas, especialmente no interior da área antes denominada Guianas e entre alguns tributários meridionais do Amazonas, testemunham uma antiga continuidade da vegetação aberta, tendo essa configuração influenciado nas áreas de dispersão.

Enquanto Haffer constatava a ocorrência de flutuações climáticas e de mudanças no quadro da paisagem vegetal, baseado nos padrões de distribuição das aves, Vanzolini (1970) chegava a uma conclusão similar, analisando a variedade e o grau de diferenciação exibidos por dois gêneros de lagartos selváticos: Coleodactylus e Anolis.

Esse autor acredita que o padrão de diferenciação das espécies desses gêneros só pode ser explicado mediante a aceitação da ocorrência de significatias alterações climáticas na Amazônia, capazes de afetar os quadros vegetais.

Na mesma linha, seguem as conclusões de Browm Jr. (1977), a partir de estudos da biogeografia de algumas espécies de borboletas neotropicais, em que o autor demonstra haver forte relação entre os centros de distribuição e a evolução de algumas espécies e subespécies, com fatores ligados à evolução das paisagens, especialmente na Amazônia, durante o Pleisoceno e o Holoceno.

Com base em seus estudos – observações de clima, topografia e solo –, Brown Jr. afirma que os sistemas ecológicos das florestas tropicais, distintos genericamente e taxonomicamente dos sistemas vizinhos e coevoluídos em escala regional, sofreram uma influência bastante clara e forte do longo período paleoecológico frio e seco que caracteriza a última época glacial. Ele afirma ainda que sua relativa viscosidade permitiu a retenção de padrões regionais derivados dessa época até o presente.

Importantes correlações de Meggers (1976), tomando, dentre outras categorias, a linguística, vêm complementar ainda mais esse panorama, são fundamentais no conhecimento da Tradição Itaparica, possibilitando a formulação de hipóteses e abrindo um grande leque de possibilidades até então desapercebidas no processo de seu estudo.

Tomando a classificação proposta por Greenberg (1960), que combina todas as línguas sul-americanas  em quatro troncos ancestrais e comparando as localizações dos grupos associados ao Jê-Pano-Caribe com os mapas dos refúgios, ela sugere que a dispersão teve lugar durante o período mais antigo da redução da floresta.

De fato, as rotas postuladas por Haffer para a intrusão da fauna não  selvática na Amazônia, desde os ambientes abertos do Sul, passam próximos ou através das áreas ocupadas pelos falantes de línguas pertencentes a esse tronco.

Se essa correlação é válida, isso implica que a reconstituição da selva, há uns 10.000 anos A.P., introduziu no centro da Amazônia uma cunha ecológica que isolou os grupos do Norte e do Sul durante um tempo suficiente para permitir a diferenciação do Jê-Pano-Caribe em subfamílias (Meggers, 1976).

Quando o período de aridez retorna ao seu processo final e a floresta úmida começa a avançar sobre as formações abertas, fazendo com que essas se retraiam e com que o Cerrado inicie um processo de regressão à sua área “core”, provavelmente também algumas populações humanas aí situadas, em sua maior parte associadas a esse tronco linguístico ancestral (Jê-Pano-Caribe), tenham acompanhado essa regressão e se instalado na área “core” do Cerrado onde, nos períodos imediatamente posteriores, atingem um clímax adaptativo.

A grande homogeneidade linguística que caracteriza a parte central do Brasil com um grande domínio de línguas Jê, estritamente relacionado com as formações abertas, apoia essa situação.

Se se cruzam esses dados com os dos períodos de maior diversificação das línguas sul-americanas, estimadas mediante glotocronologia (segundo Greenberg, 1960; Noble, 1965; Rodrigues, 1958), constata-se que esse movimento que motiva uma diversificação linguística culmina com a formação de alguns troncos atuais, entre eles o Macro-Jê, num período situado ao redor de 10.000 anos A.P., isto é, o mesmo período em que também atinge o clímax a Tradição Itaparica.

A tentativa de uma projeção em direção a épocas mais recentes, tendo como base dados de arqueologia e etnografia, evidencia que a vegetação do Cerrado constitui elemento fundamental para essas sociedades Jê do Planalto, sobre a qual exercem um controle rigoroso e demonstram grande conhecimento, embora tenha havido significativas mudanças tecnológicas no decorrer do tempo.

Se essas correlações estiverem corretas, é de se supor que, embora os requisitos preliminares da Tradição Itaparica já devam existir mais para Oeste nos corredores e enclaves de cerrado, existentes num período anterior a 11.000 anos A.P., é na área “core’ do Cerrado dos chapadões centrais do Brasil que essa Tradição adquire suas feições mais típicas e seus caracteres morfológicos e tecnológicos.

Portanto, ela não chega nessa área completa, mas aí se completa quando atinge seu apogeu por volta de 10.000 anos A.P. Também é de se supor a existência de estreitas relações entre essa Tradição Arqueológica e os processos de formação do Tronco Linguístico Macro-Jê.

Altair Sales Barbosa – Doutor em Antropologia / Arqueologia. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás. Pesquisador Convidado da UniEvangélica de Anápolis.


Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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