PL 490: o projeto de lei que põe em risco a vida dos indígenas será votado nesta terça-feira
Foi aprovado, na noite desta quarta-feira (24/5), na Câmara dos Deputados, o requerimento de urgência do PL 490/07, projeto que firma entendimento na tese do marco temporal das Terras Indígenas. Dessa forma, a matéria poderá ser votada diretamente no plenário, com previsão para a próxima terça-feira (30/5).
Por Mídia Ninja/Redação
A urgência para a aprovação ocorre dias antes da votação pelo Supremo Tribunal Federal, em 07 de junho, contudo, congressistas da bancada do agro vêm pressionando para que a votação seja decidida na Câmara dos Deputados e tem o apoio do presidente da casa para isso.
A estratégia de atropelar o julgamento do STF, tentando impor uma nova lei, é criticada pelo Ministério dos Povos Indígenas e por organizações da sociedade civil. Para o advogado Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a própria condução do processo seria inconstitucional.
“O PL 490 tem uma situação jurídica que é bastante esdrúxula do ponto de vista regimental, porque eles querem dar uma interpretação à constituição federal por meio de um PL e não por meio de uma emenda à constituição. Estão partindo do pressuposto de que o marco temporal já existe, mas o STF fala que não existe”, aponta.
No total, foram 324 votos favoráveis ao regime de urgência e 131 contrários. Eram necessárias 257 posições favoráveis. A liderança do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liberou sua base. Somente a Federação PT-PCdoB-PV e PSOL-Rede orientaram de maneira contrária.
Mas afinal, do que se trata o PL?
O projeto de lei foi protocolado pelo então deputado federal Homero Pereira, pelo PR de Mato Grosso, em 2007, com a proposta de alterar o Estatuto do Índio (Lei n° 6.001), promulgado em 19 de dezembro de 1973.
O texto do PL prevê alterações nas regras de demarcação de terras indígenas. De acordo com a Constituição, essas demarcações devem ser feitas pela União, por meio da abertura de um processo administrativo pela Funai, com equipe técnica multidisciplinar, que inclui um antropólogo. Não há necessidade de comprovar a data da posse da terra, uma vez que os indígenas são os povos originários, ou seja, já estavam por aqui muito antes da “descoberta” feita pelos europeus.
O PL 490, no entanto, cria um “marco temporal”: só serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Novos pedidos que não tiverem essa comprovação serão negados, caso a lei seja aprovada, e o processo de aprovação caberá ao Congresso – e não ao Executivo. Além disso, fica proibida a ampliação das reservas indígenas já existentes.
Segundo Joenia Wapichana, presidente da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o PL 490/07 surgiu com o intuito de frear a demarcação de terras indígenas no país. Nesse sentido, a Wapichana destacou que a Constituição Federal de 1988, no artigo 231, garante aos povos indígenas os seus direitos originários, imprescritíveis, indisponíveis e inalienáveis.
“A demarcação de terras é um direito dos povos indígenas e um dever constitucional do Estado brasileiro, realizado pela União, mais especificamente pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas. O PL 490/07 e seus projetos apensados são um risco. Em nenhum momento, por exemplo, se teve o cuidado de consultar os povos indígenas sobre as propostas, o que é exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Esse projeto sequer poderia estar tramitando nesta Casa”, pontuou.
Articulação Indígena
Em resistência, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convocou em suas redes, todas as pessoas, indígenas e não indígenas, para um ato no dia 30, próxima terça, quando será votada a PL.
Na postagem a APIB convoca povos, lideranças, anciões, caciques, juventude indígena, homens e mulheres guerreir@s, para juntos mobilizarem contra o genocídio dos povos e contra a tese do Marco Temporal. Ainda segundo a postagem, os atos podem ocorrer “em Brasília, nas suas cidades, nas capitais dos estados, nas comunidades, aldeias, onde for necessário”. E complementam: “façam seus cartazes, suas faixas, pinturas corporais, atos de protesto, se mobilize em defesa da vida e dos nossos povos e territórios.”
Fonte: Mídia Ninja. Foto: Matheus Veloso / Mídia Ninja. Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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