Protesto em Brasília marca o Dia Internacional dos Povos Indígenas

Dia Internacional dos Indígenas é marcado por protesto em Brasília

POR RAFAEL NAKAMURA E MICHELLE CALAZANS

Durante ato em Brasília, foi divulgada uma nota, assinada por 126 organizações, pedindo a revogação do Parecer 001/2017 da AGU

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No Dia Internacional dos Povos Indígenas, 126 organizações da civil divulgam nota questionando o Parecer Antidemarcação dA AGU. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Na manhã desta quinta-feira (9), no Memorial dos Povos Indígenas, lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) exigiram a imediata retomada dos processos de demarcação de terras indígenas pelo governo federal. Durante o ato, que marcou o Dia Internacional dos Povos Indígenas, as lideranças se manifestaram contra o Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), visto pelo movimento como uma manobra do governo Temer para paralisar as demarcações.

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Ato contou com a presença de 50 lideranças Guarani e Kaiowá. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Durante o ato, que contou com a presença de 50 lideranças Guarani e Kaiowá, foi apresentada uma carta assinada por 126 organizações da sociedade civil, entre organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas que compõem o coletivo da Mobilização Nacional Indígena (MNI) e apoiadores.

A carta denuncia os ataques do governo Temer aos direitos dos povos indígenas que, além dos diversos cortes de recursos destinadas às políticas públicas executadas pela FUNAI e pela Secretaria Especial de Indígenas (SESAI), paralisou totalmente os processos de demarcação de terras indígenas.

“Desde que assumiu o seu posto como chefe do Executivo nacional, Michel Temer tem promovido uma política subserviente aos interesses do capital, principalmente da bancada ruralista do , e dirigida à violação das garantias previstas na ”, diz um trecho da carta.

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“A caneta pode dizer uma coisa, mas na prática não acontecerá, pois continuaremos resistindo”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

A liderança indígena Guarani Kaiowá, Eliseu Lopes, destacou que o Parecer 001 da AGU acaba ainda mais com os povos indígenas do Mato Grosso do Sul. “Muito do nosso sangue foi derramado. e crianças estão morrendo por causa de um pedaço de . Ontem (8), quando nossa delegação Guarani e Kaiowá protocolou na AGU um documento contra o Parecer 001, nosso posicionamento foi fortalecido: a caneta pode dizer uma coisa, mas na prática não acontecerá, pois continuaremos resistindo”, ressaltou.

Atualmente, existe um passivo de pelo menos 836 Terras Indígenas a serem demarcadas. Dentre essas, ao menos 12 terras com processos de demarcação em curso tiveram pedidos de adequação ao Parecer e regrediram para a Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

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“O apoio contínuo em todas essas décadas foi fundamental para o atual momento. Não ao marco temporal”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Valéria Paye, da coordenação da APIB, fez a leitura, na íntegra, da nota contra o Parecer 001 da AGU e pontuou a resistência histórica dos povos indígenas e a relevância do apoio a sua luta. “Neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, é importante reiterar os 518 anos de luta e resistência, desde o período colonial, em defesa dos . O apoio contínuo em todas essas décadas foi fundamental para o atual momento. Não ao marco temporal”, pontuou.

Além das lideranças indígenas estavam presentes à mesa representantes da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF) e membros de organizações indigenistas.

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“Essa nova perspectiva jurídica, trazida pelo Parecer da AGU, é equivocada”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Para o coordenador da 6ª Câmara do MPF – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, Antônio Carlos Alpino Bigonha, o Parecer 001 traduz um momento de grande arrogância por parte do governo, do ponto de vista jurídico. “É muito tosco retomar a questão da posse civil, pois trata-se de direitos originários da propriedade da terra, dos índios. Essa nova perspectiva jurídica, trazida pelo Parecer da AGU, é equivocada. É lamentável que o governo preste esse desserviço ao gerar insegurança jurídica”, assegurou.

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“O Parecer 001 não é resultado de um estudo técnico e sim de um acordo político do atual governo com o setor ligado ao agronegócio”. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

O contexto político, explica o secretário Executivo do Cimi, Cleber Buzatto, é grave e adverso aos direitos constituídos no Brasil. Segundo ele, as falsas reformas do governo Temer caminham na contramão do que estabelece a Constituição de 1988. “O Parecer 001 não é resultado de um estudo técnico e sim de um acordo político do atual governo com o setor ligado ao agronegócio. Junto com a estratégia do enfrentamento político, avaliamos que é necessário estabelecer um enfrentamento jurídico”, retificou.

O assessor Jurídico da APIB, Luiz Eloy Terena, fez duras críticas à postura da AGU frente ao Parecer 001. “Neste ano em que a Constituição completa três décadas em vigor, direitos já reconhecidos estão sendo negados. Estamos vivendo tempos tenebrosos, pois a AGU, que possui a missão de defender as terras indígenas, por se tratar de bens da União, está inerte. É preciso pensar em mecanismos de fortalecimento e analisar se existe crime administrativo neste caso. Isso é uma verdadeira guerra. O direito à vida não pode ser negociado”, acrescentou.

O assessor Jurídico do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Aluízio  Azanha, resgatou o processo histórico de demarcação de terras dos povos indígenas. “Historicamente, presenciamos um forte ataque aos povos indígenas, em função do interesse de crescimento econômico por meio da exploração das suas terras”, citou.

A coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, ratificou a necessidade de mudança no quadro geral de retrocesso estabelecido no Brasil, ressaltando a renovação das esperanças que se abre no ano eleitoral.

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“O ato desta quinta-feira reforçou o posicionamento unificado do movimento indígena e indigenista”. Foto: Tiago Miotto/Cimi

O Parecer 001/2017 da AGU, chamado também de “Parecer Antidemarcação”, estabelece que a administração pública adote as condicionantes do julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para todos os processos de demarcação de terras indígenas. Para as lideranças do movimento indígena, o Parecer limita os direitos territoriais dos povos indígenas previstos na Constituição Federal de 1988 e tem sido utilizado pelo atual governo para paralisar os processos de demarcação em curso e mesmo para anular processos já em fases mais avançadas ou concluídos. O MPF já emitiu uma nota técnica em que aponta diversas inconstitucionalidades do Parecer e pede a sua anulação.

Recentemente, após forte pressão do movimento indígena, foi formado um grupo de trabalho para analisar o Parecer da AGU. Desde então, através de um despacho, o Ministério da Justiça solicitou a sua Consultoria Jurídica que enviasse todos os processos de volta para o gabinete do ministério, onde deverão ficar “até que seja garantida a necessária segurança jurídica, e uniformidade de entendimento na condução dos processos demarcatórios”. O despacho oficializa a paralisação dos processos, conforme já apontava o movimento indígena.

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Foto: Tiago Miotto/Cimi

Um dos principais pontos do Parecer é a tese do Marco Temporal, segundo a qual só poderiam ser demarcadas como território tradicional as terras que estivessem ocupadas por comunidades indígenas na data de 5 de outubro de 1988. A tese, uma das principais apostas da bancada ruralista no Congresso, é contestada por juristas por restringir a interpretação dos direitos constitucionais dos povos indígenas. Na prática, o Marco Temporal desconsidera o direito das comunidades indígenas sob as terras das quais foram expulsos com uso da força antes da data de promulgação da Constituição.

O ato desta quinta-feira reforçou o posicionamento unificado do movimento indígena e indigenista, com forte apoio da sociedade civil, pela revogação imediata do Parecer.

ANOTE AÍ

Fonte: CIMI

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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