Reinaldo Azevedo: Expresso minha solidariedade a Lula e explico por que o faço também por mim

Lula e a dor inominável do herói trágico: expresso aqui a minha solidariedade e explico por que o faço também por mim

Ignorar a dimensão profundamente humana da tragédia familiar não concerne à política, mas à psicologia. Só posso lhes dar um conselho, leitores: mantenham distância de pessoas assim. É bem provável que sejam psicopatas. A ignorância política tem cura; a psicopatia não.

Há milhões de brasileiros sofrendo neste exato momento pelas mais variadas razões. Podemos vislumbrar a dor de Lula porque ele é uma figura pública. Quem conhece a estrutura da tragédia clássica — recomendo aos que ignoram o assunto uma pesquisa — constata: ninguém jamais experimentou no Brasil, como ele, todos os relevos da vida do herói trágico. Já neste ponto, um desses idiotas do dedo rápido, sem nem o cuidado de abrir uma janela e procurar no Google o sentido da expressão “herói trágico”, sai vociferando: “Olhem o Reinaldo chamando Lula de herói…” A besta ao quadrado não se dá conta de que herói, na acepção de que trato, é um termo carregado de ambivalências.

Como acontece sempre, sintetizou melhor do que outro qualquer o sentido do destino heroico, nesse particular sentido, no segundo de “Mensagem”:

Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!

Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à
E Filho o ungiu
.

Não estou aqui a fazer uma leitura política do acontecimento doloroso que colheu a família de Lula, com a morte do menino Arthur, seu neto, de apenas sete anos. Enveredar por esse caminho seria reduzir a dor do avô, do pai, da , dos familiares. Expresso a de quem, sendo pai e avô ainda futuro, sente no peito a angústia insuportável só de imaginar o que nem digno de imaginação deveria ser.

Reitero: não há política aqui. Quando quero e acho pertinente, faço esse debate. Vivemos de um notável emburrecimento. Lamento que idiotas convictos achem incompreensível que eu possa ser um adversário intelectual — nunca “adversário político” porque não faço política — do petismo e afirme, sem ambiguidades, que Lula foi condenado sem provas.

E, por óbvio, sempre aceito a contestação: mas então que indiquem as páginas da sentença de Sérgio Moro — o juiz da condenação e hoje ministro do presidente com quem Lula não pôde concorrer em razão da condenação do juiz que virou ministro… — em que elas estão listadas. Ninguém o fará porque as provas não estão lá. “Disse que não trataria de política, mas está tratando, né?” É só para deixar claro que não fujo ao tema. Volto ao eixo deste post.

É ! Lula não é o primeiro a passar por essa dor. Todos os dias avôs perdem netos no Brasil. E não temos a chance de nos comover ou nos solidarizar porque não ficamos sabendo. Esse caso, envolvendo o menino Arthur, ganha relevo por ser o avô quem é. Usar, no entanto, os sofredores anônimos como justificativa para a impiedade, para a falta de empatia, é moralmente asqueroso. Há mais: manifestações detestáveis nas redes sociais assombram pela crueldade, pela estupidez, pela retórica.

Subjacente aos comentários indecentes, há o suposto combate à corrupção. Quem quer viver num comandado por pessoas que, na pele de defensores implacáveis dos bens públicos, celebram a morte de uma porque também esse evento seria mais um justo castigo ao avô? Quem quer ter um Eduardo Bolsonaro como guia do seu humanismo? O seu tuíte restará como um emblema destes tempos. Escreveu: “Lula é preso comum e deveria estar num presídio comum. Quando o parente de um outro preso morrer, ele também será escoltado pela PF para o enterro? Absurdo até se cogitar isso. Só deixa o larápio em voga posando de coitado”.

Comentei a barbaridade no programa “O É da Coisa”. E disse a verdade ao afirmar que, ao ler tal mensagem, não senti repúdio intelectual apenas, mas também ânsia de vômito. Não era metáfora. Não era hipérbole. Era vontade de vomitar. Não que ele fizesse feio diante do pai. Indagado, certa feita, se achava que Dilma terminaria o mandato, Bolsonaro afirmou: “Eu espero que acabe hoje, infartada ou com câncer, de qualquer maneira”. Ah, claro, ele fez essa afirmação porque estaria preocupado com o Brasil.

Ignorar a dimensão profundamente humana da tragédia familiar não concerne à política, mas à psicologia. Só posso lhes dar um conselho, leitores: mantenham distância de pessoas assim. É bem provável que sejam psicopatas. A ignorância política tem cura; a psicopatia não.

Que Lula encontre força para se levantar, qualquer que seja o destino que lhe reserve a Justiça.

Há muitas pessoas que sofrem. Lula é hoje uma pessoa que sofre como poucas.

Tem a minha solidariedade. Sim, eu a expresso aqui por ele e por sua família, ainda que lhes possa ser irrelevante. Mas faço isso também por mim.

Porque há um momento em que só podemos ser salvos pela compaixão.

Artur Lula Presente Pxeira 3

 

 

 

Fonte: https://www3.redetv.uol.com.br/blog/reinaldo/lula-e-a-dor-inominavel-do-heroi-tragico-expresso-aqui-a-minha-solidariedade-e-explico-por-que-o-faco-tambem-por-mim/?fbclid=IwAR2i0hqJw1KPhU7rciDsqX10LSLl097Uq-Hi2oxtG1Ah9dUQdHTfKq4Q9TE

Ilustração: Pxeira

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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