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Reserva do Cobre na Amazônia: Temer extingue, Sociedade reage

RESERVA DO COBRE NA AMAZÔNIA: TEMER EXTINGUE, SOCIEDADE REAGE

Por Zezé Weiss

 “… e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos. ”

José Saramago

Vende-se o Brasil com tudo dentro. O bordão, amplamente estampado em imagens e campanhas diversas nas redes sociais, expressa a indignação de boa parte da sociedade brasileira com as ações cada vez mais entreguistas, expressadas pela política de privatização do governo Temer.

O estopim da paciência nacional começou a explodir nesta quarta-feira, 23 de agosto, quando o decreto de nº 9.142, publicado no Diário Oficial da União (DOU), decretou a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), de cerca de 4 milhões de hectares (46.450 km2), um espaço maior que o território da Suíça (41.285 km²), localizada na divisa entre o Sul e Sudoeste do Amapá com o Noroeste do Pará.

O que parecia ser apenas mais uma decisão impopular do governo brasileiro contra o patrimônio nacional, provavelmente a ser aceita por uma população aparentemente anestesiada, tomou outros rumos quando intelectuais, artistas e celebridades bocaram a boca no trombone em defesa da Renca, uma reserva mineral do tamanho do estado do Espírito e que cobre oito vezes a área do Distrito Federal.

Uma postagem da modelo Gisele Bündchen em suas redes sociais na quinta-feira, dia 24, contribuiu para mobilizar o Brasil e dar visibilidade internacional à extinção da Renca. “#Vergonha!”, escreveu Gisele em seu Twitter, alertando o mundo para o fato de que o governo brasileiro está leiloando a Amazônia.

“Tem quer ser feito alguma coisa. As áreas que o presidente está desprezando e que é do povo brasileiro serão utilizadas apenas para o interesse privado”. Em seguida, a modelo postou uma foto da Amazônia, convocando o povo brasileiro a dizer não à decisão de extinguir a Renca, e a se posicionar em defesa da usando a hashtag #todospelaamazonia.

Reserva do Cobre Carta Maior

Foto: Carta Maior

COBIÇA CONTEMPLADA 

Criada em 1984, durante a ditadura militar, pelo general-presidente João Figueiredo, a área da extinta Renca,  era delimitada para a “pesquisa na mineral, sendo permitida a participação privada somente por meio de convênio”,  sendo a pesquisa ou extração econômica  exclusividades da Companhia Brasileira de Recursos Minerais.

Com a extinção da Renca, uma reserva rica em ouro, ferro, manganês e tântalo, o presidente Michel Temer, rejeitado por 94% da população brasileira, atende às empresas mineradoras, que cobiçam a área há décadas.

Segundo dados de 2010 do Diagnóstico do Setor Mineral, produzido pelo Ministério de Minas e Energia (MME), existem 250 processos ativos solicitando a realização de atividades minerais no território da Renca.  Segundo estudo da WWF Brasil, dos requerimentos sob análise,  142 apresentam o termo “processo situado em área bloqueada”.

Fontes do próprio governo federal informam que a proposta de extinção da Renca vinha sendo discutida desde o início do ano e faz parte do novo pacote de medidas de Temer para não somente para  a ampliação do setor mineral do país, mas também para a entrega da Casa da Moeda, da Eletrobrás, e de outros ícones do patrimônio nacional.

Reserva do Cobre GGN

Arte: GGN

PATRIMÔNIO AMBIENTAL AMEAÇADO

Existem, no mesmo espaço físico da reserva, sete áreas de conservação e duas terras – o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este.

Por lei, a exploração mineral é proibida em unidades de conservação de proteção integral. Até esta recente extinção da reserva, apenas uma pequena região delimitada da Floresta Estadual Paru permite a pesquisa de minérios. Nas demais áreas, a exploração era 100% proibida, seja conta da relevância ambiental da unidade ou por falta de um plano de manejo florestal.

Embora o texto do decreto afirme que a extinção da Renca “não afasta a aplicação de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservação da , terras indígenas e áreas em faixa de fronteira”, o Brasil tem 500 anos de história recorrente onde essa equação nunca funcionou.

“Sabemos que a mineração é a porta de entrada para outros interesses, como abrir rodovias, atrair madeireiros…. É uma ameaça para essas unidades de conservação”, declarou o professor de da UERJ,  Luiz Jardim, ao El País.

Teme-se, portanto, que o Brasil possa repetir os mesmos erros da década de 1970, quando os governos da ditadura militar autorizaram a exploração desenfreada da Amazônia, causando imensos danos para a floresta e os povos que nela vivem.

“Uma eventual corrida do ouro para a região poderá causar danos irreversíveis a essas culturas e ao patrimônio natural brasileiro. A floresta ali está relativamente bem conservada, à exceção de alguns casos pontuais de garimpos, que precisariam ser combatidos”,  disse Jaime Gesisky, especialista em políticas públicas da WWF-Brasil para o UOL.

Segundo a WWF Brasil, 69% de toda a área da reserva encontra-se  bloqueada para todo e qualquer tipo de estudo visando a exploração de minérios.  Ou seja, até a extinção da Renca, menos de 30% da área da reserva estava acessível à exploração de recursos minerais.

“As regiões que apresentam contexto geológico favorável à mineração estão inseridas em áreas protegidas que bloqueiam a extração de recursos minerais”, diz o relatório, que antecipa “o risco de um potencial conflito entre os interesses do setor mineral e a conservação das áreas protegidas com interferência na Renca”.

Agora, 100% da área fica liberada.

Reserva do Cobre Revista Mineracao

Foto: Revista Mineração      

JUSTIFICATIVAS DO GOVERNO 

Ante a inesperada reação nacional sobre o decreto que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), a Secretaria Especial de Social da Presidência da República emitiu nota com o seguinte conteúdo:

  1. Como explicita o nome, o que deixou de existir foi uma antiga reserva mineral – e não ambiental. Nenhuma reserva ambiental da Amazônia foi tocada pela medida.
  2. A extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) não afeta as Unidades de Conservação Federais existentes na área – todas de proteção integral, onde não é permitida a mineração.
  3. Qualquer empreendimento futuro que possa vir a impactar áreas de conservação estaduais do Amapá e Pará – essas sim sujeitas a manejo – terá de cumprir exigências federais rigorosas para licenciamento específico, que prevê ampla proteção socioambiental, como já mencionado no decreto.
  4. A Renca não é um paraíso, como querem fazer parecer, erroneamente, alguns. Hoje, infelizmente, territórios da Renca original estão submetidos à degradação provocada pelo garimpo clandestino de ouro, que, além de espoliar as riquezas nacionais, destrói a natureza e polui os cursos d ‘água com mercúrio.
  5. A nova legislação permite coibir essa exploração ilegal, recolocando sob controle do Estado a administração racional e organizada de jazidas minerais importantes, que demandam pesquisas e exploração com alta tecnologia.
  6. O compromisso do governo é com soberano desenvolvimento sustentável da Amazônia, sempre conjugando preservação ambiental com geração de renda e emprego para as populações locais.

O comunicado do governo não foi suficiente para acalmar os ânimos. À la Presidente Trump, o próprio Temer julgou necessário usar sua conta no Twitter (@MichelTemer) para defender a medida: “Nosso compromisso é com o desenvolvimento sustentável da Amazônia, unindo preservação ambiental com geração de renda p/ as populações locais”.

Reserva do Cobre Jornal O Globo

Foto: Jornal O Globo

BRINCANDO COM O NOSSO PATRIMÔNIO?

Nem a nota do governo, nem o twitter do Presidente foram capazes de responder às preocupações dos mais diversos segmentos da sociedade nacional.

Para Michel de Souza, coordenador de políticas públicas da WWF, se desconhece outra medida que possa gerar tanto dano ambiental.

“Como o material vai ser escoado dali? Uma infraestrutura imensa seria necessária. Como você faz exploração mineral sem derrubar floresta? Não tem como”, declarou Souza ao BuzzFeed News.

Na Câmara dos Deputados, as ofensivas do “Leilão de Temer”, foram repudiadas pelo deputado Valmir Assunção, do Partido dos Trabalhadores, por representarem “um retrocesso para a e para a soberania do país.”

Para Assunção, “Voltaram a leiloar o Brasil e agora colocaram a Amazônia no meio, fonte de riqueza inestimável para o planeta. Temos que lutar contra esse entreguismo,” disse o deputado.

No Senado Federal, o senador Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá, protocolou na mesa diretora do senado um projeto  pedindo a suspensão do decreto e informou que que vai mover uma ação popular contra a extinção da reserva. O senador também respondeu, ponto-a-ponto, à nota da Presidência:

  1. Uma reserva mineral nada mais é do que uma área na qual se proíbe a mineração, preservando-a para futuras explorações. A Renca interage com outras unidades de conservação, uma vez que as áreas são concorrentes e até sobrepostas. Ao se liberar         mineração na Renca, reservas e terras indígenas são diretamente
  2. A extinção da Renca afeta as unidades de conservação na medida em que permite uma atividade econômica de altíssimo impacto ambiental em terras indígenas e unidades de conservação.
  3. Licenciamento ambiental é pré-requisito para qualquer empreendimento, mas isso não é o mesmo que . Licenciamento ajuda nas áreas próprias para empreendimentos econômicos, não é o caso de reservas no coração da . Ali, os únicos empreendimentos econômicos recomendáveis são os de manejo sustentável. Basta vermos o que aconteceu na tragédia de Mariana, empreendimento de mineração que contava com todos os licenciamentos ambientais.
  4. A Renca não é um paraíso e existe garimpo ilegal na região porque o governo federal, responsável pela proteção da área, é omisso no combate ao garimpo ilegal. A solução para combater o garimpo que acontece no meio da floresta amazônica é não deixar que ele ocorra, e não legalizá-lo.
  5. Não existe alta tecnologia que impeça o desmatamento e a degradação de áreas ricas em fauna e flora – as mais ricas do planeta – para a instalação de mineradoras.
  6. O compromisso do governo é se manter no poder a qualquer custo destruindo nosso patrimônio social, ambiental e econômico. Temer mente!

Em sua conta no Instagram, a cantora baiana Ivete Sangalo expressou o sentimento popular: “Quanta notícia difícil de aceitar. Brincando com o nosso patrimônio?”

Reserva do Cobre Blog do Arimateia Rocha

Arte: Blog do Arimateia Rocha

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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