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Resistência: Mulheres grafiteiras ocupam os muros de São Paulo

: Mulheres grafiteiras ocupam os muros de São Paulo

Por Danielle Lobato, Erica Pacheko, Ira Romão e Priscila Gomes. Publicado originalmente na Agência Mural.
Quem caminha por São Paulo já se acostumou com muros coloridos espalhados pela capital. Em geral, os grafites que dão cor às ruas da cidade são assinados por homens e, raramente, por mulheres. Este cenário vem mudando nas periferias da capital. Cada vez mais há mulheres que levam para as ruas, e unem a rotina da maternidade com o grafite.
Elas contam as dificuldades de reconhecimento e a estranheza que enfrentaram na família ao se tornarem grafiteiras. Ao mesmo tempo, relatam que a arte urbana tem possibilitado novas oportunidades e geração de renda para quem vive nas bordas do município.
 

Grafite com Artitude

No Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, Stefanie Fabian Torelli, 28, Fatyma Regina, 38, e Angélica de Sena Correa, 30, criaram o Mulheres de Artitude. As meninas integram um dos únicos grupos formados inteiramente por mulheres no grafite na região.
Nele, as garotas reforçam a luta feminina. “A Artitude segue a linha de empoderamento  não só na pintura, mas na troca de ideias, conhecimentos e experiências”, afirma Stephanie. “Quando contamos que somos grafiteiras, vemos o espanto no rosto das pessoas”, ressalta.
Para Angélica de Senna, o que era um hobby de se tornou a cura para a depressão. Em 2013, ela foi orientada pelo médico a usar a arte como terapia complementar. “Mal sabia ele que isso transformaria minha vida e me faria parar com todas as medicações”.

Em 2018, o grupo foi contemplado com o  VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), que apoia financeiramente projetos culturais de jovens de baixa renda.  Foram expostos quatro murais além de um evento com grafites, batalhas de MC’s e DJ’s, tudo feito por mulheres.
No último sábado (13), teve início uma exposição na Casa de de São Miguel Paulista que ficará exposta até o dia 27 deste mês. “Fomos o primeiro grupo de mulheres que trabalham com grafite a expor nas Casas de Cultura do bairro”, conta Stephanie.
Stephanie é formada em artes plásticas e se diz apaixonada por arte desde a infância. Mas o primeiro contato com o grafite foi em 2013, por meio de amigos. Começou a estudar o gênero e, em 2016, decidiu pintar junto de um grupo de meninas, o DamafiaGirls. “Mesmo com o passar do tempo o cenário é de resistência masculina”, diz Stephanie.
No caso de Fatyma, ela deixou o trabalho administrativo em escolas para se dedicar  a maternidade e a arte. Unir as duas coisas não foi fácil. “É comum ver um pai deixando o filho com a mãe para ir pintar, mas o contrário não”, conta. “Não há apenas preconceitos com isso, mas também a própria mãe que fica pensando se o filho está bem. Quando o Mike, meu filho, era bebê, eu ficava preocupada”.

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Mães no grafite

A 70 km do Itaim Paulista, a avaliação é semelhante. A suporte técnica, Thainá Soares, 24, conhecida artisticamente por Índia, mora no Grajaú, na zona sul de São Paulo, e também viu resistência para grafitar após ter o filho, aos 21 anos.
“Após ser mãe a gente vê que as coisas mudam, o tratamento muda. Se você leva a criança no rolê, você é irresponsável. Se deixa [o filho] com alguém é desnaturada, mas os julgamentos são apenas quando se é  grafiteira”, afirma. “Quando é grafiteiro, é quase o herói do rolê. É por isso que muitas minas param de pintar, porque não tem uma estrutura para elas prosseguirem fazendo o seu rolê”, completa.
Durante a gravidez, Índia não deixou de pincelar os murais da capital. Ela conta que utilizava máscaras para não prejudicar a do bebê, mas que era um processo difícil, pois se cansava com mais facilidade. A partir deste período a conexão com o grafite ficou mais intensa e passou a desenvolver um trabalho mais expressivo, visando mostrar a ligação entre mães e filhos. O contato com a arte começou cedo, pois a mãe também desenhava. Ela soube mais sobre a arte urbana na e começou a grafitar aos 17.
No grafite, Índia busca expressar a beleza feminina e a valorização da cultura negra e indígena. “Criei personagens que representassem não só a mim, mas também as que me cercam, minha mãe, irmã, tias, primas, amigas e tantas outras mulheres, que são invisibilizadas pelo padrão da de que só o branco é bonito”, diz Índia.
Além da expressão artística, Thainá tem usado o trabalho  produzido em casa para empreender com a criação de pinturas em quadros e personalizações de jaquetas e bolsas.
 

Poesia, música e arte

Quem também tem buscado uma renda extra por meio dos desenhos é Bruna Muniz, 26, no Jardim Fontális, no distrito do Tremembé, na zona norte. “Já ganhei dinheiro com grafite e muito material também, que é sempre bom e ajuda”, afirma.
Bruna começou a grafitar em 2010, por influência dos amigos, quando tinha 18 anos.  A grafiteira conta que foi desinibindo aos poucos. “Ficava admirando de longe”, diz. “Um dia soube do estêncil (aplicação da tinta através de um papel desenhado) que foi uma luz no fim do túnel para mim. Usava chapas de raio-x para praticar”.
Ela foi atrás de um curso de desenho, perto de casa, para se especializar. Mas o estudo que durou dois anos teve de ser encerrado por motivos financeiros. Sem condições de continuar a especialização, ela passou a treinar técnicas de spray e se inspirou em outros artistas como Crânio, morador da zona norte que tem trabalhos expostos fora do Brasil.
A arte urbana não para nos muros. Em 2018, a artista que também é MC lançou um disco chamado S.O.S Pátria Amada. “Sempre escrevi poesias e músicas também. Aprendi a rimar e daí o rap começou a surgir. Tenho até uma que fala de , chamada Onna Bugeisha.”
Apesar  da experiência na área e ter diversos trabalhos expostos, ela ainda não vive por completo da arte, apesar de ser este o objetivo para os próximos anos.
Bruna trabalha como body piercing (perfuração corporal). Quando perguntada se já sofreu preconceito por ser mulher em um ramo que a maioria é masculina, Bruna responde. “Nunca sofri preconceito por fazer grafite, mas algumas pessoas às vezes olham diferente por eu estar suja de tinta”.

Fonte: Portal Aprendiz


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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