Para justificar sua independência do governo, Roberto Campos Neto leva o país ao precipício, mantendo os juros em um patamar injustificável: 13,75%. Brasil tem a taxa real mais alta do mundo. Lula critica: “Ele precisa cuidar da política monetária, mas precisa cuidar do emprego, da inflação e da renda do povo”, disse

Por Revista Focus Brasil 

O governo Bolsonaro acabou em 31 de dezembro de 2022, mas o ex-presidente deixou um cavalo de tróia armado em Brasília contra o sucessor: o economista Roberto Campos Neto, indicado pelo inesquecível Paulo Guedes, que levou ao país 33 milhões de brasileiros com fome e nada menos que 15 milhões de desempregados, além de assegurar o país no ranking das nações mais desiguais do planeta.

E Campos Neto mostrou que segue a orientação do Chicago boy-mor. Na reunião do Comitê de Política Monetária, realizado na terça-feira, 22, o presidente do Banco Central mostrou-se indiferente à realidade. Reiterou que não tem compromisso com o país ao conseguir o aval do Copom — por unanimidade — para manter os juros básicos da economia brasileira, a Selic, em inacreditáveis 13,75. Assim, o Brasil continua a ser o país com a maior taxa de juros do mundo, o que é injustificável dado o nível de contração da economia nacional.

O fato é que a decisão coloca o Banco Central como um empecilho para o projeto de crescimento inclusivo do país que foi escolhido nas urnas, em outubro de 2022. Sem uma inflação de demanda, o Banco Central se mostra alienado e nem consegue convencer o país de um suposto “temor inflacionário”. A alegação de que o país pode enfrentar um risco fiscal é uma clara afronta ao governo do presidente Lula.

“Ele nem precisa conversar comigo, só tem que cumprir a lei que estabeleceu a autonomia do Banco Central”, disse Lula, em visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio de Janeiro. “Ele precisa cuidar da política monetária, mas precisa cuidar do emprego, da inflação e da renda do povo”, afirmou Lula. “É isso o que está na lei, basta ler. Todo mundo sabe que ele não está fazendo, porque se estivesse fazendo, eu não estava reclamando. Eu sou bobo de reclamar de uma coisa boa?”

Lula se mostrou surpreso com o recado duro do Banco Central, que desdenhou os esforços do ministro da Fazenda. Fernando Haddad vem anunciando a criação de uma nova política fiscal. Ele disse que Campos Neto terá de enfrentar a posteridade. “Como presidente da República, eu não posso ficar discutindo cada relatório do Copom. Eles que paguem o preço pelo que estão fazendo. A história julgará cada um de nós”, advertiu.

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, disse que a indiferença do xerife monetário mostra o afastamento dos seus diretores da realidade. “Essa insensibilidade do Banco Central só aumenta o desemprego e o sofrimento do povo brasileiro, não dá para compreender”, espantou-se o ministro.

Ele lembrou que a decisão de subir os juros a 13,75% foi adotada quando a inflação batia a casa dos dois dígitos. “Hoje, está na metade, a inflação está com 5%. Como é que sem mantém a mesma dosagem do medicamento, a dose amarga do remédio, quando a inflação já caiu pela metade?”, questionou Rui Costa.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou como “muito preocupante” o anúncio de Campos Neto, justamente no momento em que o governo Lula divulgou um aumento nas receitas e uma consequente diminuição no déficit para o ano. Ou seja, as projeções da Fazenda apontam justamente para um cenário de estabilidade, o que não justifica a decisão. Ao contrário, era hora de sinalizar com redução dos juros.

“[A nota do BC] deixa em aberto, no momento em que a economia está retraindo e que o crédito está com problema para empresas e famílias, o Copom chega a sinalizar até a possibilidade de uma subida da taxa de juros que já é hoje a mais alta do mundo”, alertou o ministro, logo após o anúncio.

INDIFERENTE A queda da inflação, o anúncio do governo sobre as contas públicas e os apelos políticos não sensibilizaram Roberto Campos Neto

Ele advertiu ainda que, com o quadro monetário estabelecido pelo banco, o “resultado fiscal poderá ser comprometido por conta dos juros altos”. “Daqui a pouco veremos problemas das empresas para recolher impostos. Nossa preocupação é essa”, disse.

Depois do anúncio, Haddad fez questão de reafirmar o compromisso do governo Lula com o “trabalhador, com as famílias e as empresas que geram emprego”. E que vai continuar atuando para melhorar o ambiente de crédito e harmonizar as políticas monetária e fiscal e fazer o Brasil voltar a crescer.

A decisão do Banco Central arrancou críticas também do Partido dos Trabalhadores. A presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann  (PR), concedeu entrevista ao UOL, na qual tratou de apontar aa “irresponsabilidade” de Campos Neto com o Brasil. “Ele não está nem aí para o país, se os empresários conseguem empréstimo, se tem crédito, se tem produção, isso não passa pela cabeça dele”, condenou.

Gleisi reafirmou que o presidente do BC tem a obrigação de se explicar ao país e que terá essa oportunidade, por meio dos convites para comparecer à Câmara e ao Senado, em abril. “Ele terá de explicar bonitinho por que os juros reais chegam a 8%, por que o Brasil é campeão de juros e por que, mesmo com esse juro estratosférico, a inflação continua onde está”, disse. “Ele não entregou resultado e de tem de ser cobrado”.

TENSÃO Haddad disse que a decisão do Copom é preocupante: “Daqui a pouco veremos problemas das empresas para recolher impostos”

O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), alertou para os impactos negativos da decisão de Campos Neto. “O Banco Central segue um caminho muito perigoso, ao não considerar as consequências graves que sua política monetária regressiva tem trazido ao país. Falha também ao não considerar os sinais vindos do sistema bancário dos EUA”, observou.

A decisão anunciada pelo Banco Central também foi alvo de reações indignadas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). As duas organizações emitiram notas sobre a carta do Copom.

“A decisão revela uma completa submissão deste comitê aos interesses dos rentistas e um evidente boicote do presidente do Banco Central ao esforço de todos e todas que trabalham pela retomada das atividades e do crescimento econômico, gerando emprego e distribuição de renda”, disparou a CUT.

Já a CNI trouxe indicadores do PIB para explicar os efeitos nocivos da Selic sobre a economia. “A taxa básica de juros no patamar atual foi um dos fatores determinantes para a desaceleração da atividade econômica no final de 2022, com destaque para a retração de 0,2% no PIB do último trimestre”, destacou a entidade.

“E seguirá sendo um limitador significativo para o crescimento da atividade em 2023, quando as previsões para o PIB indicam alta de apenas 0,88%, segundo o Boletim Focus do BC”, disse a CNI.

A decisão do Copom também não reverberou bem entre economistas do campo progressista. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega denunciou a estratégia de chantagear o governo para submetê-lo ao teto de gastos. “Parece que o BC quer controlar a política fiscal, ele faz chantagem para que a regra fiscal seja aquela que o mercado quer”, frisou. “Determinados setores da economia querem manter o teto de gastos”.

Para Mantega, o argumento de que os juros se mantêm por causa da inflação não se sustenta. “O preço dos alimentos e da energia vem caindo não só no Brasil, mas lá fora também. A inflação teve uma subida em fevereiro, que já era esperada, mas a tendência é de queda, não subida”, argumentou. 


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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