Saul evém chegando: Socorro! Se sangue feder, estou ferido!

Saul evém chegando: Socorro! Se sangue feder, estou ferido!

Por Aparecida Hamu Opa

A juventude de hoje questiona como era nossa naquela era sem TV, sem CD e sem vídeo. No entanto, pouca gente sabe, mas lazer e entretenimento não nos faltavam: piqueniques na Lagoa Feia, na Usina, nas fazendas, na Chácara dos Padres; festas religiosas com leilões e barraquinhas; bailes familiares tão constantes que, mesmo sem motivo, tudo terminava em bolero. Tínhamos também e teatro, às vezes.

Certa feita, em ano que não me recordo, às novenas de Nossa Senhora da Abadia, principal festa daqueles , quando moradores de todas as bandas demandavam à cidade e acampavam no mato da Bica, os leilões iam animados.

A banda de tocava, o leiloeiro apregoava e a moçada namorava. O correio-elegante se encarregava de entregar as flechadas que Cupido disparava.

Tantos casais começaram o namoro assim. Com o coração aos pulos as moçoilas tentavam adivinhar de quem teria vindo a declaração. Entre outros dizeres lembro-me destes:

“Escrevi na areia, veio a onda e apagou

Escrevi seu nome na pedra, ela rachou

Escrevi seu nome no meu coração e até hoje ele ficou.”

Certa feita, no melhor da festança, um gaiato anunciou a notícia bomba: “Saul está entrando na cidade”. Foi aquele corre-corre e a festa acabou, pois todos corriam em demanda às suas casas.

Saul foi o cangaceiro desta região e embora não tenhamos notícias sobre sua ação nesta cidade, a sua fama de Lampião amedrontou várias vezes.

Conta-se que, naquela noite em que a notícia desbaratou o leilão, um determinado indivíduo apavorado corria para casa quando sentiu os fundos de sua calça umedecidos.

Apalpou e, sentindo a mão molhada, levou-a a altura do nariz e reconhecendo um odor característico exclamou: Socorro! Se sangue feder, estou ferido!

Maria Aparecida Hamu Opa – Professora (in memoriam) – Excerto do publicado, originalmente, na Revista DF Letras, Ano III, nº 25,26 – Câmara Legislativa do Distrito Federal, com edições por .

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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