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Sebastião Salgado: Meu mundo é preto e branco

Sebastião Salgado: Meu mundo é preto e branco

“Meu mundo é preto e branco, eu vejo em preto e branco, eu transformo todas essas gamas maravilhosas de cores – e eu acho a cor muito bonita – em gamas maravilhosas de cinza, o preto e branco é uma abstração, é uma forma que eu tenho de sair de um mundo e entrar em outro para poder trabalhar o meu sujeito fotográfico, poder dedicar tempo à dignidade das pessoas. Isso eu consigo em preto e branco, acho que em cores eu não conseguiria.”
– Sebastião Salgado (em entrevista a RFI, 9.11.2017)

“Um mundo em preto e branco”, por Sebastião Salgado
Por Revista Prosa e Verso
Não foi porque me voltei para a natureza, em “Gênesis”, que renunciei ao preto e branco. Não preciso do verde para mostrar as árvores, nem do azul para mostrar o mar ou o céu. A cor pouco me interessa na fotografia. Utilizei-a no passado, essencialmente por encomenda de revistas, mas a meu ver ela representava uma série de inconvenientes. Em primeiro lugar, antes da existência do digital, os parâmetros da fotografia em cores eram muito rígidos. Com o filme em preto e branco era possível fazer superexposições e depois recuperar as fotografias em laboratório, até chegarmos exatamente ao que sentíramos no momento do clique. Na fotografia em cores isso era impossível.
No sistema analógico, eu trabalhava com diapositivos para as fotografias coloridas. Eles eram colocados sobre uma mesa luminosa para serem escolhidos. Mantínhamos apenas os bons. O problema é que, com isso, quebrávamos as sequências e isso me incomodava muito. Em preto e branco, por outro lado, quando trabalhávamos com filme, este era integralmente reproduzido sobre papel, a chamada folha de contato. As sequências ficavam completas, inclusive com as fotos ruins. A história conservava sua continuidade.
Quando editava fotografias analógicas em preto e branco, eu revivia os acontecimentos tão intensamente quanto no momento do clique. Lembro de ter voltado a me sentir doente, esgotado, ao editar os contatos de uma de minhas reportagens para a série “Outras Américas”, durante a qual eu havia contraído hepatite — na época, eu mesmo revelava e copiava minhas fotos. O conceito de continuidade, essencial para mim, é reforçado pelo digital, pois a câmera registra a hora exata de cada fotografia, com segundos de precisão. O que me permite restituir a sequência exata. A folha de contato é uma parte extremamente importante de minha fotografia; a propósito, guardei absolutamente todas as minhas folhas de contato, todas as sequências, todas as tiragens em preto e branco realizadas há mais de quarenta anos.
Na época do analógico, quando trabalhava em cores com filme Kodachrome, eu achava os vermelhos e os azuis tão bonitos que eles se tornavam mais importantes que todas as emoções contidas na foto. Com o preto e branco e todas as gamas de cinza, porém, posso me concentrar na densidade das pessoas, suas atitudes, seus olhares, sem que estes sejam parasitados pela cor. Sei muito bem que a realidade não é assim. Mas quando contemplamos uma imagem em preto e branco, ela penetra em nós, nós a digerimos e, inconscientemente, a colorimos. O preto e branco, essa abstração, é, portanto, assimilado por aquele que o contempla, que se apropria dele. Considero seu poder realmente fenomenal. Por isso, sem hesitação, foi em preto e branco que decidi homenagear a natureza. Fotografá-la assim foi a melhor maneira de mostrar sua personalidade, de destacar sua dignidade. Da mesma forma que para se aproximar dos homens e dos animais, para fotografar a natureza é preciso senti-la, amá-la, respeitá-la. Para mim, tudo isso passa pelo preto e branco. É meu gosto, minha escolha, mas também uma necessidade e às vezes uma dificuldade. Como quando fui para os universos brancos da Antártica e, sobretudo, da Sibéria. Nesses lugares, por menos que o sol apareça, escondido entre as nuvens, sempre falta relevo às imagens. As cópias precisam ser trabalhadas para adquirir profundidade. Mas, no fim, o resultado é de fato belo.
Sebastião Salgado com Isabelle Francq: Da minha terra à Terra. tradução Julia da Rosa Simões. 1ª ed., São Paulo: Paralela, 2014; 2ª ed., Cia das Letras, 2014. 
AMAZONAS INDÍGENA – NO OLHAR DE SEBASTIÃO SALGADO

© Sebastião Salgado / Amazonas images – Ashaninka – Acre, Brasil, 2016
© Sebastião Salgado / Amazonas images – Ashaninka – Acre, Brasil, 2016
© Sebastião Salgado / Amazonas images – Yawanawa – Acre, Brasil, 2016
© Sebastião Salgado / Amazonas images – Yawanawa – Acre, Brasil, 2016
© Sebastião Salgado / Amazonas images – Yawanawa – Acre, Brasil, 2016
© Sebastião Salgado / Amazonas images – Yanomami, Amazonas, Brasil, 2014
© Sebastião Salgado / Amazonas images – Pakayuvá Yawanawá, Acre, Brasil, 2016
Sebastião Salgado. foto: Gorka Lejarcegi

Saiba mais sobre Sebastião Salgado:

Fonte: “Um mundo em preto e branco”, por Sebastião Salgado apareceu primeiro em Revista Prosa Verso e Arte.

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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