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Os sentimentos que movem o mundo

OS SENTIMENTOS QUE MOVEM O MUNDO

Os sentimentos que movem o mundo

No e no mundo, 2016 foi um ano repleto de desgraças, promovidas por parte de seus habitantes.

Por Jaime Sautchuk

Por mais racionais que sejam, sob o controle de consciências, todas as ações humanas são movidas por sentimentos, da ganância e do ódio que levam a guerras, invasões e golpes, ao amor e à que levam ajuda aos desamparados, em busca de um mundo melhor.

Em suas épocas, Cristo, Gandhi e Mandela se notabilizaram pelo sentimento de perdão, em gestos considerados nobres, de acordo com os valores em vigor na global.

Segundo a bíblia cristã, Cristo perdoou aqueles que o executavam (“eles não sabem o que fazem”). Já a historiografia moderna mostra que Gandhi pregava a igualdade e isentava de culpas as castas que dominavam a Índia. E Mandela conseguiu perdoar as elites brancas da África do Sul, que praticavam o apartheid e mantiveram ele próprio por décadas na prisão.

No entanto, em pleno ano 2016 da era moderna, no país mais potente do Planeta, é eleito um presidente que prega o fim da democracia, símbolo maior da boa convivência humana. Propõe medidas discriminatórias de cor e religião, além da retomada da corrida armamentista, inclusive no campo nuclear.

Donald Trump e seu colega Vladimir Putin, da Rússia, têm mantido contatos em que pregam os sentimentos da ganância e prepotência. Atendem ao pleito das indústrias bélicas, que querem produzir mais armas, aumentando seus lucros, e da sede de poder das elites de seus países.

Os dois revelam, assim, outro sentimento, o esquecimento. Deixam nas gavetas os acordos internacionais que preveem a redução das armas nucleares e reanimam projetos de países que têm aumentado seu arsenal nos últimos anos, como é o caso de Israel.

Este, aliás, na última semana do ano, manifestou seu desdém pelo Acordo dos Dois Estados, em negociação, ocupando novas áreas em território palestino. Por isso, recebeu severa reprimenda do atual presidente dos EUA, Barack Obama, o que de pouco adianta, pois ele deixa o cargo neste janeiro e Trump apoia a ocupação. Sentimentos diversos.

ORIENTE MÉDIO

Além do mais, estão lá, no mesmo, os focos de eventos que têm provocado as maiores comoções no mundo. Vários conflitos armados, em especial o da Síria, vêm espalhando pelo mundo milhões de refugiados, o que provoca sentimentos múltiplos, muitos dos quais equivocados.

Muita gente em centros da Europa Ocidental, como Itália e Alemanha, por exemplo, parece sentir amnésia de quando países como o Brasil acolheram refugiados de conflitos lá existentes, desde o Século 19.

Também é daqueles tempos, ainda sob o jugo do Império Austro-Húngaro, que poloneses, ucranianos e outras etnias vieram buscar algum conforto pelas plagas daqui.

O mesmo ocorreu durante e após as 1ª e 2ª Grandes Guerras, sendo eles sempre bem acolhidos em solos de todos os quadrantes, inclusive do Brasil. Em parte, eram seguidores da religião judaica. O mesmo ocorreu com os asiáticos, chineses e japoneses em maioria, que também ajudam a formar a amálgama que é a nação brasileira.

Dos povos de origem árabe, então, nem se fala. Creio que não haja nenhuma cidade brasileira, do Caburaí ao Chuí, que não tenha pelo menos uma família de ascendência arábica entre seus habitantes. E agora, em momento crítico, eles chegam aos milhares, ansiosos por amparo.

Ademais, também recebe com igual abraço imigrantes vindos por outras razões, como os haitianos do pós-terremoto, por exemplo.

A última desgraça geológica no Haiti, que já tem bons anos, espalhou gente daquele país mundo afora. Muitos deles vieram pro Brasil, a partir de 2010, e aqui entram pela porteira do Acre, amazônico que foi boliviano até 1905 e faz fronteira com a própria Bolívia e com o Peru.

Os haitianos chegam por ali porque é mais fácil. Saem do Caribe até o Equador, passam pelo território peruano e entram no Brasil, no mais das vezes, pelas mãos dos gananciosos coiotes, os agenciadores de mão de obra ou traficantes de gente do nosso vizinho andino.

De todo modo, os haitianos não são considerados refugiados, pois, em tese, não correm ameaça de morte em seus países. O conceito de “refugiado”, pelas normas internacionais, se refere aos ameaçados por razões políticas.

De um lado, estão aqueles cujo sentimento maior é o de desespero: de outro, os da solidariedade. Em verdade, portanto, como disse a ex-presidente em Assembleia da ONU, no início de 2016, “o Brasil é um país de refugiados”.

RETROCESSOS

No mundo inteiro, um sentimento de desencanto tomou conta de grande parte das pessoas, o que gerou, em 2016, fortes retrocessos na economia e na política em grande número de países, além dos EUA, caso aqui já abordado. Os políticos e os próprios regimes de governo em vigor caíram em descrédito.

As reações mais sentidas foram de redução no grau de participação na política institucionalizada, com altas abstenções em eleições, e a opção por propostas mais conservadoras, direitistas, com forte tendência ao autoritarismo. Aí se incluem os golpes de estado.

Parte das elites, que apoiavam mudanças sociais, como a maior distribuição de renda, refluíram, voltando seus olhos aos interesses particulares. E nisso foram seguidas por grande parte das classes médias, impregnadas por crises reais ou imaginadas e buscando amparo no dito popular “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Trata-se, em vários locais, de um sentimento meio difuso, contraditório até. É o caso brasileiro, em que um golpe foi perpetrado com certo apoio popular, mas o governo resultante do processo padece de altos índices de rejeição. Passa dos 60%, conforme pesquisas do Ibope e do Datafolha.

MEDO

Entra em campo, então, o medo, um sentimento que hoje toma conta de grande parte da população. Começa pelo medo de perder o que possui, ter que dividir com os demais é uma de suas manifestações, que se reflete em ações políticas e do cotidiano. Gastos com supérfluos e com o lazer são visivelmente reduzidos.

É grande, também, o medo deerder a própria , diante da criminalidade que assola o País, nas de todos os tamanhos e também na zona rural. Algo em dimensões nunca vistas.

A banalização da vida é sentida e a todos assusta. Não satisfeito com levar seus pertences, o bandido nem pisca ao apertar o gatilho e matar sua vítima. Sociólogos, antropólogos e outros estudiosos buscam explicações, mas não chegam a uma conclusão satisfatória.

Esses bandidos seriam movidos por um sentimento de vingança, por se acharem excluídos pela sociedade. Todavia, dados dos órgãos de segurança confirmam que muitos deles são filhos de famílias bem situadas economicamente, o que torna a análise um pouco mais complexa.

Vemos de igual modo os livres matadores, que atiram em pessoas ou grupos em escolas, centros comerciais, festas e até tribunais. No mais das vezes por motivos fúteis ou mesmo sem justificativa alguma, o que leva a diagnósticos de problemas mentais. Refletem, de todo modo, a vulgarização da agressão extremada.

Ou manifestam preconceitos de modo violento. Como o caso em uma estação do metrô em São Paulo, próximo da virada de ano. Dois jovens de classe média agrediram até a morte um vendedor de rua que tentava proteger dois homossexuais, moradores de rua, que eles estavam maltratando. Dezenas de transeuntes viram o assassinato, mas se mantiveram à distância, apáticos.

SOLIDARIEDADE

Em meio a desgraças, porém, brotam gestos de solidariedade que comovem o mundo inteiro. Foi o que ocorreu após a queda do avião que levava o time da Chapecoense, de Chapecó, Santa Catarina, que iria disputar a final da Copa Sul-americana de Futebol na Colômbia, contra o Atlético Nacional, de Medellin, matando 71 pessoas.

O acidente gerou uma onda mundial de manifestações em solidariedade ao clube, que foram desde a decretação de luto em campeonatos até a premiação da equipe como campeã sul-americana de 2016, título que ela iria disputar dois dias após a data da tragédia, em 28 de novembro passado.

A preocupação de todos era de que a equipe, destroçada no acidente, viesse a cessar suas atividades. Além dos recursos das premiações, no entanto, foi aberta uma campanha nacional que levou milhares de pessoas a se associarem à Chape, como a equipe é carinhosamente tratada pela sua torcida, passando a pagar mensalidades.

Além disso, os principais clubes de futebol do Brasil ofereceram jogadores pra que o time mantenha suas atividades normais este ano e a sua escolinha foi reforçada pra gerar mais jogadores que serão profissionalizados no futuro.

Assim, a população de Chapecó, de cerca de 210.000 pessoas, abalada pelo ocorrido, conseguiu forças pra tocar adiante o apoio ao clube, que já vinha despontando como a grande novidade do futebol brasileiro nos últimos anos.

ESPERANÇA

Solidariedade, amor e piedade são sentimentos que estiveram presentes no mundo inteiro em 2016. Mas, infelizmente, os que mais marcaram foram o ódio, a ganância, a prepotência e o medo em mais um ano de vida da . O ano que entra, no Brasil, deverá ser de manifestações contrárias às medidas que vêm sendo propostas e implantadas pelo governo criado após a derrubada de Dilma Rousseff. A indignação toma amplos setores da população.

Esse foi o caso dos estudantes secundaristas que ocuparam escolas em todo os país. Primeiro, houve a manifestação de São Paulo, contrária à decisão do governo estadual de mudar a localização e a destinação de centros públicos de ensino.

No decurso do segundo semestre, porém, as manifestações tomaram dimensões nacionais, em protesto contra a reforma do ensino apresentada pelo atual governo. As mudanças propostas pelo MEC foram interpretadas como uma tentativa de embotamento da escola pública, incitando a rebeldia da juventude.

A tese da convocação de eleições presidenciais diretas de imediato, como forma de levar o país de volta à normalidade institucional, é um sentimento que vem crescendo a passos largos.

Próximo da virada do ano, morreu Dom Paulo Evaristo Arns, aos 95 anos de idade. Sua caminhada foi marcada por ações firmes em defesa da democracia e dos , especialmente durante o período da ditadura, que ele enfrentou com coragem e determinação.

Ele se dizia triste com os acontecimentos no mundo e no Brasil, mas até seus últimos momentos ressaltava o sentimento da esperança como o mais importante, pois é o que abre as portas do futuro.

No mundo inteiro, o que devemos esperar é que os conflitos sejam equacionados por meio da empatia e solidariedade, em lugar da ganância e prepotência. Que o ódio e a vingança abram espaço ao amor e o perdão

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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