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Soledad Barret Viedma: Combatente assassinada pela Ditadura 

Soledad Barret Viedma: Combatente assassinada pela Ditadura 

“Se o Bem não existe, é preciso inventá-lo” – Rafael Barret, avô de Soledad.

Por Zezé Weiss

Soledad Barret Viedma tombou crivada de balas numa emboscada da ditadura militar, num sítio de nome São Bento, nas cercanias da cidade do Recife, no dia 7 de janeiro de 1973. Grávida, Soledad carregava no ventre o filho de José Anselmo dos Santos, conhecido por Cabo Anselmo, o traidor que a entregou para os agentes da repressão.

Em Os Filhos dos Dias, Eduardo Galeano relata a brutalidade da traição: “O Cabo Anselmo, marinheiro insurgente, [que se fazia passar por] chefe revolucionário, foi quem a entregou. Cansado de ser perdedor, arrependido de tudo o que acreditava e gostava, ele delatou, um por um, seus companheiros de luta contra a ditadura militar brasileira, e os despachou para o suplício ou para o matadouro. Soledad, que era sua mulher, ele deixou para o fim. O Cabo Anselmo apontou o lugar onde ela estava e foi-se embora. Já estava no aeroporto quando ouviram-se os primeiros tiros.”

Junto com Soledad, que trabalhava como vendedora de roupas para as butiques chiques do bairro de Boa Viagem, no “Massacre de São Bento” também foram executados Eudaldo Gomes da Silva, Evaldo Luiz Ferreira de Souza, José Manoel da Silva, Pauline Reichstul e Jarbas Pereira Marques, todos militantes da Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR.

Neta do escritor paraguaio Rafael Barret, que passou a maior parte da vida na cadeia e morreu no exílio, em 1910, na Espanha, aos 34 anos de idade, seguindo os passos do avô revolucionário, Soledad começou sua militância ainda muito jovem, na Argentina e no Uruguai.  Aos 17 anos, em Montevidéu, foi sequestrada e marcada a navalha por se recusar a gritar “Hi Hitler!”. 

A Soledad não sobrou outra opção: teve que partir para o exílio, em Cuba, de onde veio para o Brasil, casada com José Ferreira de Araújo, marinheiro, militante da VPR e pai de sua única filha, Ñasaindy, nascida em Cuba, para a militância no Brasil, em 1970.

Os versos do poeta Mario Benedetti, no poema Muerte de Soledad Barret, dão conta da trajetória e da morte da guerrilheira, que caiu resistindo:

Viviste aquí por meses o por años
Trazaste aquí una recta de melancolía
Que atravesó las vidas y las calles

Hace diez años tu adolescencia fue noticia
Te tajearon los muslos porque no quisiste
Gritar viva Hitler ni abajo Fidel

Eran otros tiempos y otros escuadrones
Pero aquellos tatuajes llenaron el asombro
A cierto Uruguay que vivía en la luna

Y claro entonces no podías saber
Que de algún modo eras
La prehistoria de Ibero

Ahora acribillaron en recife
Tus veintisiete años
De amor templado y pena clandestina

Quizá nunca se sepa cómo ni por qué

Los cables dicen que te resististe
Y no habrá más remedio que creerlo
Porque lo cierto es que te resistías
Con sólo colocárteles en frente
Sólo mirarlos
Sólo sonreír
Sólo cantar cielitos cara al cielo

Con tu imagen segura
Con tu pinta muchacha
Pudiste ser modelo
Actriz
Miss Paraguay
Carátula
Almanaque
Quién sabe cuántas cosas

Pero el abuelo Rafael el viejo anarco
Te tironeaba fuertemente la sangre
Y vos sentías callada esos tirones

Soledad no viviste en soledad
Por eso tu vida no se borra
Simplemente se colma de señales

Soledad no moriste en soledad
Por eso tu muerte no se llora
Simplemente la izamos en el aire

Desde ahora la nostalgia será
Un viento fiel que hará flamear tu muerte
Para que así aparezcan ejemplares y nítido
Las franjas de tu vida

Ignoro si estarías
De minifalda o quizá de vaqueros
Cuando la ráfaga de pernambuco
Acabó con tus sueños completos

Por lo menos no habrá sido fácil
Cerrar tus grandes ojos claros
Tus ojos donde la mejor violencia
Se permitía razonables treguas
Para volverse increíble bondad

Y aunque por fin los hayan clausurado
Es probable que aún sigas mirando
Soledad compatriota de tres o cuatro pueblos
El limpio futuro por el que vivías
Y por el que nunca te negaste a morir.

Escrito no calor da hora, logo depois da notícia do assassinato de Soledad, recebida por telegrama, em sua bela homenagem o poeta não alcançou traduzir a crueldade do duro massacre que estraçalhou, com rajadas de metralhadora, o corpo de Soledad, “cujos olhos foram encontrados muito abertos, com uma expressão muito grande de terror”, conforme relato da advogada Mércia Albuquerque, registrado no artigo “Soledad Barret em sua última hora”, publicado no Portal Vermelho pelo escritor Urariano Mota, autor do livro Soledad no Recife (2009).

O que mais me impressionou foi o sangue coagulado em grande quantidade. Eu tenho a impressão de que ela foi morta e ficou deitada, e a trouxeram depois, e o sangue, quando coagulou, ficou preso nas pernas, porque era uma quantidade grande. O feto estava lá nos pés dela. Não posso saber como foi parar ali, ou se foi ali mesmo no necrotério que ele caiu, que ele nasceu, naquele horror. 

Segundo o livro Luta: substantivo feminino, Soledad não morreu durante a chacina, mas sob tortura nos porões da ditadura, provavelmente no dia 8 de janeiro, ou mesmo no dia 9. Seu cadáver, que apresentava marcas de algemas e equimoses espalhadas pelo corpo, desapareceu e nunca foi encontrado.

Soledade Barret Viedma foi anistiada 42 anos depois de sua morte, em 11 de dezembro de 2015, quando completaria 70 anos de idade. Em homenagem post mortem estendida a sua filha, Ñasaindy Barret de Araújo, o o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, fez formalmente o Pedido de Desculpas do Estado brasileiro.

Zezé Weiss – Jornalista Socioambiental


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

 

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