Tata Txanu Natasheni: O grande pajé Yawanawa fez a passagem
“Tata fez a passagem”. Com essas poucas palavras, o líder indígena Tashka Yawanawa, presidente da Associação Sociocultural Yawanawa, informou sobre o encantamento do grande pajé Tata Yawanawa, aos 104 anos de idade. Ao povo Yawanawa nosso carinho, nosso afeto, nosso abraço solidário. Ao Tata, nossa gratidão pelo rastro de luz que deixa neste mundo. Para homenageá-lo, publicamos seu perfil, escrito por Tashka Yawanawa há pouco tempo atrás. Paz e Bem.
Tata Txanu Natasheni Yawanawa
Sentado numa rede, o pajé reza toda a noite para curar uma pessoa enferma. Reza também para a comunidade global viver saudável, em harmonia com as pessoas e com o meio ambiente em que vivem.
Shumo é o pote de barro que o pajé Rumeya utiliza para rezar para uma pessoa enferma. Os cantos de reza são a comunicação direta entre o Rumeya e os espíritos. Uma reza pode durar toda a noite.
O pajé nunca repete as mesmas palavras, porque reza exatamente o que vê em sua visões de Uni. É a tradução da força do pensamento em forma de palavras, que são depositadas na Caiçuma dentro do pote de barro.
Após terminar de rezar, a Caiçuma já se transformou em medicina com poder de curar a pessoa enferma. Para que a reza traga a cura, a pessoa enferma tem que cumprir a dieta que o Rumeya lhe passar.
Na época em que não utilizávamos a medicina ocidental, Tata, curou muita gente. Graças a ele, nosso povo continua a perpetuar por gerações. A Agente de Saúde e liderança indígena, Mariazinha Luiza Naiweni, faz as seguintes descrições:
Em 2006, quando duas jovens Yawanawa pediram para serem iniciadas no shamanismo Yawanawa, Tata quebrou um tabu ao iniciar duas mulheres no shamanismo, que antes sempre foi uma função exercida exclusivamente por homens.
NOTA DE PESAR DO GOVERNO DO ACRE
A cultura e a história indígena do Acre perdem um dos seus principais líderes. O mais respeitado ancião da etnia Yawanawá, Tata Txanu, faleceu na tarde da última segunda-feira, 19, aos 104 anos de idade.
Mais que um líder, o pajé era um irmão de espiritualidade, e um grande amigo que sempre nos trazia o brilho do sol, e a luz do amor, regidos pelos ensinamentos da floresta.
Direto da mata, o pajé viveu um centenário de muita sabedoria, preservando a cultura Yawanawá, além de transpor as curvas dos rios e tornar a cultura dos povos da floresta acreana conhecida mundialmente, por meio do encantador Festival Yawa.
Tata parte deixando um legado de conhecimento que é uma verdadeira inspiração para a busca do equilíbrio e vida em harmonia.
O Acre se solidariza com a partida deste homem que representou na sua totalidade não apenas a cultura dos Yawanawá e das demais etnias desse estado, mas de todos os povos da floresta. Estendemos nosso abraço e solidariedade a todos os txai [irmãos], certos de que todos nós sentimos e lamentamos tamanha perda.
Tião Viana – Governador do Estado do Acre
Nazareth Araújo – Vice-governadora do Estado do Acre
Imagem: ceudomar.org
Créditos: Exceto pela última foto desta matéria, as demais fotos acima são todas de autoria de Tashka Yawanawa.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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