Tinha uma Mulher

Tinha uma mulher. Eleita. Que venceu um homem. Tinha uma mulher que não tinha um homem.
 
Por Vanessa Maia 
 
Que não precisava andar atrás de homem, que não precisava do dinheiro de um homem e, por isso, não precisava de permissão de homem para escolher no restaurante, porque bancava as próprias vontades.
 
Tinha uma mulher que não era amiga, nem condecorava milícia, nem homenageava torturador porque sabia da covardia da violência.
 
Tinha uma mulher que não andava de rosa, nem gostava de babadinhos. Uma mulher considerada “grossa”, “intratável”, essas coisas permitidas aos homens e neles vistas como “atitudes”.
 
Tinha uma mulher que nunca aceitou o lugar de “graciosa” e “delicada” porque nunca aceitou o lugar de “voluntária” e preferiu o de protagonista.
 
Tinha uma mulher que não se escorava na bíblia violenta, machista e fálica das espadas, lanças e de deuses dos exércitos.
 
Tinha uma mulher que gostava das letras, dos livros, do teatro e do cinema.
 
Tinha uma mulher que confiava em outras mulheres em suas áreas de atuação ou ministérios.
 
Tinha uma mulher que respeitava poderes.
 
Tinha uma mulher que respeitava a imprensa.
 
Que nunca determinou revista aos pertences dos jornalistas ou exigiu que estes chegassem em agendas presidenciais com cinco horas de antecedência, ou que ficassem, na cobertura destas agendas, sem água e sem banheiro.
 
Tinha uma mulher que nunca cerceou o fazer profissional cancelando assinaturas de jornais ou ameaçando retirar concessões.
 
Tinha uma mulher que nunca se negou a prestar esclarecimentos para o país.
 
Tinha uma mulher que não se acovardava atrás de claques.
 
Tinha uma mulher que nunca fez menção a opção e práticas sexuais de ninguém porque entendia que isso não era assunto público, muito menos de Estado.
 
Tinha uma mulher.
 
Vanessa Maia – Jornalista / Professora via Maju Muniz
 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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