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Tiros no Lula: a pintura irremovível

Tiros no Lula: a pintura irremovível

“Acabou chorare no meio do mundo/ Respirei eu fundo, foi-se tudo pra escanteio

(Novos Baianos. Salvador. 1972)

Por José Bessa Freire

– “Acabou” – uivou o Coiso dentro do STF. Acabou mesmo? Acabou o quê, porra? Respirei eu fundo. Chutado pra escanteio pelas urnas, acabou a verborreia do perdedor, mas não o chororô dos seus seguidores nutridos por ódio e violência armada. No cenário das manifestações golpistas contra a vitória de Lula, balas foram disparadas na madrugada do dia de finados, em Manaus, no Bairro da Paz, contra a residência do funcionário da Caixa Econômica Federal, José Cláudio Ramos Pontes, 56 anos, artista plástico parintinense e diretor de Movimentos Sociais do PT Municipal.

As balas fizeram nove buracos no “Muro do Lula”, assim denominado desde abril de 2018, quando Claudinho, não podendo visitar o líder petista na prisão de Curitiba, trouxe o “Lula Livre” para sua casa, em cujo muro pintou o rosto dele ao lado de frases sobre sua inocência. Quem passava na rua via o mural da verdade contando a condenação mentirosa sem provas. Hordas fascistas picharam e vandalizaram algumas vezes o muro, mas as pinturas eram sempre recompostas. Agora foi alvo de balas, uma delas passou raspando a dois palmos da cabeça de Lula. José Cláudio, apelidado de PTzinho, conta: 

– Assim que Lula foi inocentado e solto, fiz nova pintura dele com um braço erguido. A imagem bem bonita passou a ser referência até para o DETRAN. Mas nessas eleições de agora, fiscais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) alegaram que a imagem violava padrões legais de propaganda e cobriram o muro com tinta. Lula sumiu e foi por mim ressuscitado ao terceiro dia, com novo painel dentro das normas, mas os fiscais acharam um detalhe incorreto e tive de deletar. Pincelei a terceira vez com o slogan “Sem medo de ser feliz”.

 

A INSCRIÇÃO INVENCÍVEL

 

Os apagamentos sucessivos do “Muro do Lula” lembram o ocorrido na 2ª Guerra Mundial na cela do presídio italiano de San Carlo, relatado por Bertold Brecht no poema “A inscrição invencível”. Foi assim.

Um militante socialista preso usou um canivete para cavar nove letras no canto escuro no alto da parede da cela: VIVA LENIN. As letras, embora enormes, não eram tão visíveis, mas o diretor do presídio mandou apagá-las. Um guarda usou um pincel para pintar com cal letra por letra da inscrição. Realçado assim pela tinta branca, o VIVA LENIN cintilava no xilindró. O remendo foi pior que o soneto. Foi ordenado segunda mão de cal com uma brocha, desta vez cobrindo toda a parede. Brecht conta então o resultado:

– Durante algumas horas tudo desapareceu, mas a tinta secou e no outro dia a visibilidade do VIVA LENIN ficou escandalosamente mais destacada. O diretor mandou, então, excluir de uma vez por todas o nome do líder bolchevique. Com talhadeira e martelo, um pedreiro perfurou letra por letra, seguindo o traçado de cada uma. Quando terminou, as letras esburacadas gritavam VIVA LENIN que, embora incolor, aparecia realçado no alto da cela. O militante preso disse: “Agora derrubem a parede!”.

As paredes da cela do Lula foram derrubadas graças ao movimento “Lula Livre” em todo o Brasil que, em Manaus, teve o painel da casa do Bairro da Paz como uma de suas expressões. Quanto mais tentam apagá-lo, maior é sua visibilidade. A inevitável cobertura da mídia sobre os ataques fascistas projetou o Muro do Lula até para fora do Amazonas. É bem capaz de ter turista visitando o muro vermelho, para tirar foto ao lado da nova frase escrita com tinta branca, que hoje reina soberana: “Lula já é presidente. 2023 a picanha vai voltar”.

Na quinta-feira (3), foi realizado ato em solidariedade ao artista plástico e à sua família, em defesa da democracia e contra o terrorismo, quando foi possível observar os furos profundos no muro, sugerindo que arma usada é de calibre pesado.

 

PORTO DE LENHA 

 

No Boletim de Ocorrência feito no 19º Distrito de Polícia, acompanhado pelo deputado federal Zé Ricardo (PT-AM), Cláudio registrou a existência de imagens das câmeras de vigilância, que flagraram a passagem acelerada de um veículo tipo GM/S10, de cor prata e placa não identificada, fazendo rajadas com armas de fogo. O bairro é da Paz, mas em pleno Dia de Finados as mentes e as alminhas sequestradas e encarceradas pelo Coiso, atoladas na lama da ignorância e do ódio, mandaram bala.

O Muro do Lula estaria coberto de flores e não de balas, se Cláudio morasse ainda em Ponta do Arco, no munícipio de Parintins, sua terra natal, onde concluiu o segundo grau. É que Lula lá teve 82,56% dos votos. No entanto, o muro teria flores em qualquer um dos 58 municípios onde Lula ganhou, a maioria de lavada, como em Barreirinha, a terra de Thiago de Mello e das combativas irmãs Andrade, que lhe deu 91,39% dos votos. Mas Cláudio migrou de mala e cuia para Manaus, a fim de cursar a universidade. E Manaus, vocês sabem, é Manaus, né?

Na capital do Amazonas, Cláudio se formou em engenharia de pesca e administração, com ênfase em comércio exterior, fez concurso para a Caixa Econômica em 1988, constituiu família. Filiado ao PT desde os 18 anos, militou no sindicato dos bancários e na Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal (APCEF). Portanto, o Muro do Lula foi erguido mesmo em Manaus, justamente um dos quatro municípios do Amazonas, no qual o Coiso ganhou. Foram 692.580 eleitores (61,28%), que talvez agradeciam, dessa forma, o deboche dos mortos asfixiados sem oxigênio e a campanha contra a vacina, que causava aids.

Porto de lenha, tu nunca serás Liverpool, com uma cara sardenta e olhos azuis – cantam Torrinho, Aldísio e Natacha Fink se referindo à capital do Amazonas. É isso: 692.580 cabocos esfulepados e envergonhados de sua caboclitude, votam e se manifestam como se tivessem sardas, olhos azuis e muita grana. De qualquer forma, mesmo em Manaus, flores foram levadas ao Muro do Lula, afinal 437.691 (38,72%) eleitores sadios, inteligentes e grávidos de humanidade souberam escolher, com consciência de classe e de identidade. 

O Muro do Lula continuará ainda por um bom tempo com mensagens políticas, algumas com temas internacionais. “Na minha luta, gostaria de intensificar o pedido de libertação de Julian Assange, o jornalista australiano, editor do WikiLeaks” – declarou Claudinho, a quem não conheço pessoalmente, mas cujas referências tenho através do meu vizinho de Aparecida, Eudimar Bandeira. Uma visita ao muro e um abraço solidário no seu autor será a primeira coisa que farei quando passar por Manaus, a caminho do exílio em Ponta do Arco ou em Barreirinha.

 

José Bessa Freire é professor universitário, escritor, cronista e gestor do blog http://taquiprati.com.br/, onde esta matéria foi publicada em 06.11.2022.  Por limitações de espaço, as referências citadas pelo professor Bessa encontram-se registradas apenas na publicação original. O professor Bessa Freire é também membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri

 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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