Titãs domesticados para amar, mas não sem raciocinar

Titãs domesticados para amar, mas não sem raciocinar

I.

Estive a observar na quietude de sua boca

O nervosismo manso e discreto do seu olhar.

Absorto em você estava de tudo: você

Carrara rara, cara, de sentimentalismos vãos.

Constatei a criança perdida de sua risada,

A triplicidade desfocada e inda insana de suas ideias,

A voracidade cruel de mim a sua inobediência,

O saber filosófico e mudo de sua boca fechada.

Enxerguei em você o mais fundo,

Perdido e afogado sentimento em mim.

 

II.

Expurgo enfim de mim,

Por tudo infeliz,

todos os bradados préstimos.

Por pequena ou grande porção,

proporção-perspectiva.

Em préstimos, empréstimos.

Meu confim:

bicho-homem-ferido

só carrega tanta carga

quanto a carne e a pobre alma

podem se permitir.

É tão triste assim.

Permito-me as tapas,

às tampas, otário eu.

Eu desenho um novo além:

cego, surdo, mudo, burro:

abstração também é arte!

Expurgo você, saneio a mente.

Metáfora de graça:

o diamante para ser lapidado

perde partes (e dói).

Filosofia barata:

o sofrimento faz valer mais?

 

III.

Homens como eu,

criados com espaldar de lei e coração de vidro,

têm de se reservar à rica covardia da ignorância.

Tantas vezes que o saber

foi inutilmente usado somente para sofrer.

Tantos nobres poetas não se mataram

todas as noites

de amor infiel às perguntas da alma?

Olhei nos seus profundamente

perdidos olhares.

E, no abismo do seu olhar,

descobri que transbordar perguntas

e respostas

e apostas

nada mais é do que a mais boba das coragens.

Me respondi

com o desviar da sua boca ressecada

e da sua mente seca.

Perfil bem feito (perfeito!)

me disse que meu deus

era só mais um ateu cheio de fé

em nada.

Quatro vezes,

naquele infinito entardecer,

investi contra a solidão do seu olhar:

quatro vezes perdi.

Esvaziado o ego,

o desejo

e – por fim de mim – o destino:

vi a noite chegar o dia,

e outra noite e outro dia.

Vi, mas não percebi.

Continuo, sob esse céu

que se colore vagarosamente de negro,

afogando nas rasas águas de você.

 

IV.

Meu ninho foi assim: lei primordial de boa convivência familiar: pensar. Titãs domesticados para amar, mas não sem raciocinar. Mente-mantra, repetidas tantas vezes, cor-rompeu constituição em base à plana sensibilidade humana de conseguir mais. Maquinalizar tudo que poderia não ser feito, tornar-se defeito. Se eu me visse hoje, se eu fosse aqui, talvez não tivesse receio. Talvez quisesse nada. Nada além do possível fardo não pesado. Talvez fosse um, mais de todos aqueles que só sorriem e vivem sós. Sem saber o que é realmente querer. Talvez eu fosse uma vítima a esmo. Talvez libertasse obrigação de mim. Não estivesse pensando em qual seria a melhor opção… Se eu estivesse aqui: tudo estaria resolvido: não preciso de nada. Talvez mais um dos cachorros tolos-roucos que atrás de carros após carros correm e bradam nada. Talvez só mais um olímpico conquistador de nada. É. Um daqueles. Querem tudo: agora. Transformam qualquer acordo em feito. Termos de realidade protocolizados à morte. O ascendente? Se eu me visse hoje, teria orgulho sem fim. Fui – aço em fogo – forjado para pensar primeiro em mim, mas sem (jamais!) deixar de bem-amar os pedaços meus que habitam outros corpos.

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