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Tudo Muda: há um natal, nesse natal?

Tudo Muda: há um natal, nesse natal?

TODO CAMBIA
batista filho

 

“todo cambia”

canta.

“tudo muda:
minha (?)
há de mudar.”
diz a mendiga
com um embrulho
junto ao peito.
uma boneca
de trapos
ou um bebê
subnutrido?
a multidão me empurra
antes que eu saiba.
é a pressa
que no natal
impera.
há um natal, nesse natal?
tudo muda, né?
“tudo muda
… menos esse bando
de vagabundos nas ruas.
por que não rezam
nas suas casas
e dizem ‘amém!’
como bons ?”
e tome porrada!
e tome jato d’água
gás de pimenta
nos olhos
nas ventas!
e bala de borracha
no peito
na cara.
(e outras balas. não de borracha:
ferro ou aço de navalha.)
mas é natal, né?
tudo muda. ou quase.
a multidão me empurra.
é a pressa
que no natal
impera.
lembro
(ou penso?)
que havia outro espírito
noutro natal
mas…
tudo muda…
quero acreditar nisso.
a multidão me empurra
pras ruas
becos e vielas:
nada a ver
com o higienizado
caminho da compostela…
tudo muda
porém
um coração duro
como demora a mudar…
tudo muda.
por cá
também mudou:
ao invés da manjedoura
e da estrela a guiar
os três reis magos
há um morro
em forma de caveira.
tudo muda?!
as multidões, não.
é natal.
“libertem barrabás!”
é a frase de ordem
das lideranças:
católica
kardecista
neopentecostal
1001 gurus
sem .
no alto do morro
em forma de caveira
três cruzes.
tudo muda.
às vezes
até de lugar.
no alto do morro
do morro da
três cruzes.
três corpos:
um preto
um pobre
uma puta.
“que filhos da puta!”
“todo cambia”
mercedes sosa
continua a cantar…
tudo muda
mas, por cá
o grito é o mesmo
passados mais de 2000 anos:
“libertem barrabás!”
no alto do morro
do morro da favela
três cruzes.
três corpos:
um preto
um pobre
uma puta.
“mirem na cabecinha!”
“matem esses filhos da puta!”
o padre, o kardecista, o pastor
nos seus corações
repetem a macabra ladainha.
as multidões de cegos
guiados por cegos
levantam as mãos
no gesto brutal da “arminha”.
“tudo muda”…
sem errar uma nota
mercedes sosa canta
… mesmo morta.
Fonte: Facebook 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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